Domingo, 26 de Fevereiro de 2012

Em obras

 A única indústria que não para na vila é a construção civil. Ainda bem. Desta vez é a casa da ti Isabel do Alípio, na Praça, que está em obras.

publicado por julmar às 19:13
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Sábado, 25 de Fevereiro de 2012

Espelho de àgua

Este é dos recantos mais bonitos de Vilar Maior. É-me irresistível a contemplação deste quadro.
Misterioso, este ano de seca invulgar, é a correnteza das águas do Cesarão que cantam pela Fraga abaixo.  
 
publicado por julmar às 19:18
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A arte mora em nós

Esta é uma obra de arte do Tó do Zé Duarte. As raizes e os troncos que ele aproveita para deles, com pequenos retoques, fazer formas variadas, muitos outros passaram por eles com indiferença. Encontramos o que procuramos e o que procuramos está, em primeiro lugar em nós. Os olhos são cegos, os ouvidos são surdos, é a nossa alma que vê, é a nossa alma que ouve.
Procura com a alma e acharás. 
publicado por julmar às 19:05
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Sexta-feira, 24 de Fevereiro de 2012

Passeando por terras da vila

Aproveitei estes dias na vila para fazer percursos pedestres. Nem os 16Km da marcha 8 (a 54ª) feita em terras de Rapoula me tirou o fôlego para cirandar pelos caminhos e veredas da vila. assim no dia 21, saí cedo - neste tempo às 8 da manhã é cedo atendendo às geadas fortes- a caminho do Porto do sabugal na mira de que por ali houvesse meruges. A seca é tão grande que nem vestígios. Mas ouvir o cantar das águas e olhá-las assim tão cristalinas encheu-me a alma. E lá está o pontão na sua solidez granítica, prova de que esta era uma passagem principal de produtos, gados e gentes e que deixou de o ser como se prova pelo primeiro barramento do caminho com arame farpado.

 Barrado para o carvalhal tomei o caminho da margem esquerda a caminho da formiga. Não tinha andado mais de 500 metros e um duplo barramento de caminhos.

 

Aqui não foi nada fácil mas lá me deitei, rastejei sobre a geada e passei ao outro lado, caminho mais limpo que imaginava, com mato ardido no dia anterior para os lados do Carvalhal; passei acima da Quinta dos Rebochos, agora limpa de lenhas e de mato como há muito se não via, fui dar à Fonte Fria. Lembrei o que fora a quinta do senhor Tenente Palos quando, reformado, trouxe para a vila algumas inovações. A fértil terra donde saíam primores está reduzida a pasto de vacas. Desci até à Ribeira que atravessei galgando as poldras do Mindagostinho ( já subi o rio, noutra altura, à procura de vestígios do moínho do Agostinho, sem resultado). Cem metros à frente e de novo o caminho barrado com arame farpado. Azar meu! Subi ao lameiro para depois voltar a saltar para retomar o caminho. Parei mais acima a olhar a horta do Mindagostinho da minha avó Isabel sem a cerejeira da entrada nem a figueira assombrando a presa.Recordação dos doces morangos da regadeira. Subi a barreira até ao Cemitério dos Burros, pelas vinhas onde se produzia o melhor vinho da vila, pelo nabal do ti Mergildo. No caminho mais adiante ainda l´s estão os espinheiros que davam uns maravilhosos abrunhos bravos. De todos os lados, em ângulos diferentes, lá estava o Castelo.

publicado por julmar às 22:29
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Segunda-feira, 20 de Fevereiro de 2012

O ALMOÇO DO DIA DA MATANÇA Dr - Leal Freire

Na generalidade das casas dos nossos lavradores meões, este almoço é a refeição mais farta e variada de toda a roda do ano, à frente mesmo da de Terça-Feira Gorda e da servida na festa do orago Tudo começa com um panelão de caldo de massa com gravanços, no qual fervilharam, desde a alva, meio chouriço nalgueiro e um forte naco de presunto velho, contributo do porco do último ano para as celebrações do sucessor. Prato de grande substância vem logo a seguir e não sei de cozido à portuguesa ou andalusa, á pirenaica ou apenina, a de Parma ou das Ardenas, que lhe leve vantagem. Ás rodelas do chouriço e lascas de presunto, cozidos para a água do caldo, juntavam-se pedaços da parte carnuda do torax, zona furada pelo facalhão do matachim e por isso tornada mais saborosa, talhadas de morcela e farinheira, trazidas por comadre mais abelhuda que se antecipara na matação. E tudo a acompanhar as batatas das três itas - terra granita, água granita e caganita, cozidas em água enriquecida a loiro, e as couves da horta que o gelo adoçara e fizera tenras. O estomago já começava a ficar aconchegado. Mas havia espaço para muito mais, já que para jejum e abstinência não faltarão dias e dias na longa roda do ano, a braços com o timão e a enxada, a gadanha e o mangual, o ferro e o alvião. Por isso, o guisado de figado, prato essencial e benvindo, desaparecia num ápice- Mas os guisados continuam de acordo com as posses e os áabitos de vida do anfitrião – badana velha, se também se criava gado miúdo, coelho bravo nos caçarretas ou manso em cidadão mais pacato. O arroz de lebre ou borrachos, a perdiz na púcara ou as fritadas de tordos ou estorninhos, issojá eram luxos de morgados E tudo, tudo, com acompahamento quase ao minuto com o gramines da terra, um vinho esperto e seivoso, pouco alcoólico mas que tinha mais virtude que os livros santos. E que sendo de duas mãos, uma no copo, outra na portinhola das calças, estilava sem destilar.

publicado por julmar às 22:53
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Domingo, 19 de Fevereiro de 2012

Recenseamento de memórias

Sempre que vou a Vilar Maior me falam do passado. As pessoas são cada vez menos e cada vez mais velhas. Só as pessoas novas podem falar sobre o futuro. Lembro o tempo em que tinha pouco passado e o tempo se estendia até um horizonte longínquo. Olho os lugares que são a minha memória. Subi ao Cimo da Vila, andei por lá, com este sol radioso esquecido do Inverno. Lá de cima olhei para o povoado: hoje nem o som dos cães; de três ou quatro chaminés saía fumo a atestar de que ali havia gente. Apenas o som dos pássaros. Olhei pela enésima vez as ruínas da Senhora do Castelo, aproximei-me do portão de ferro do cemitério, meti a mão, destravei o ferrolho, empurrei o portão que me respondeu num gemido que bem conheço. Aproximei-me da sepultura dos meus pais e, longamente, conversei com eles. Como vizinhos lá estavam a avó Isabel, o padrinho João e Ascensão, os tios António e Arminda. E por ali cirandei entre gente da minha parentela e gente que fez parte, cada uma a seu jeito, da minha vida que, no descanso entre os resplendores da luz perpétua, me transmite uma grande serenidade.
publicado por julmar às 22:55
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Lançamento do livro Cancioneiro da Raia Morena

No Restaurante Robalo teve lugar a apresentação do livro de poesia - Cancioneiro da Raia Morena - da autoria do amigo João Valente.   
 Em conversa com o autor
 O cientista Rodrigues Carvalho elogiando a obra do autor
A apresentação da obra pelo editor
publicado por julmar às 17:52
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Sábado, 18 de Fevereiro de 2012

MÃO - João Valente

O génio poético do João não me era desconhecido. Um ou outro poema, dos agora publicados, já tinha visto a luz neste blog. Para mim é um gosto ler a poesia do João: pelo jeito com que trata as palavras e nelas consegue verter vivências de pessoas e lugares que nos são comuns.

Obrigado, João, por nos presenteares assim. E que tarde o dia em que tua mão atinja o limite das forças.

 

Há-de chegar o dia

Em que a mão atingirá o limite das forças

E não escreverá nem uma linha

 

Hoje ela podou as roseiras

Limpou as árvores, fez o almoço,

Ensinou à Marta o ninho das cegonhas

No grande carvalho da Balsa,

Amparou dois borregos acabados de nascer,

Fez o sinal da cruz, levou à boca o vinho novo,

Partiu o pão centeio,

Ajeitou  a boina espanhola

E acendeu o cachimbo

Dúzias de vezes.

 

Hoje a minha mão fez tudo isto

E muito mais;

Mas um dia há-de vir

Em que fatigada,

Não escreverá

Nem mais uma linha.

Chegará para ela o momento

De escrever no próprio ar.

 

Mas ai…

A mão

Será

Asa!

E ai…

Também eu farei ninho

No grande carvalho

Da Balsa

 

publicado por julmar às 22:17
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Quinta-feira, 16 de Fevereiro de 2012

O BURACO - (Parte 1)

(foto deJosé Valente)

Não há nome que não tenha uma história. Por vezes, as origens são tão longínquas e obscuras que apenas dá para se especular. Dizem os especialistas da história das palavras, os etimologistas, que esta será de origem pré-romana. O buraco como realidade é tão velho como o universo e dele faz parte como faz parte das nossas vidas. Que seríamos nós sem buracos? Buracos há-os por todo o lado a começar pelos sete que cada um de nós tem e já suficientemente cantados por Apollinaire. E de coisas vulgares e comuns chegaríamos a altas especulações metafísicas para onde, se não estou atento, me cai facilmente o pé. Bastará saber, para o caso, que o buraco é inevitável e que se bem usado dele pode depender o adiamento do buraco final.  E num tempo de guerra saber onde está o inimigo ou o concorrente, sem ele saber que nós sabemos, é vital. Daí a importância dos buracos da fechadura, das atalaias, das vigias, da janelinha sita no Vale da Lapa, das frestas espalhadas em múltiplas construções.

Então, o que era o Buraco? Cogite o amigo leitor e talvez encontre uma história plausível que, na incerteza, é esse o procedimento comum.

O que sabemos ao certo é que o Buraco de ontem não é o Buraco de hoje porque as formas de guerra com as novas tecnologias tornam obsoletos os sítios por onde se espreita. Foi assim, que do Buraco a que daria acesso uma vereda ou esconso caminho para acesso a terras de pasto ou cultivo se rasgou primeiro uma estrada em terra batida rebentado uma ou outra barroqueira mais estorvante para que o carro do padre Narciso ou o "arranca Pinheiros" do senhor Fernando pudessem aceder ao mundo urbano que começava no alto de Aldeia da Ribeira a caminho de Vilar Formoso, ou aqui pudesse aportar a furgoneta do Romão e Faria para abastecer os comércios da vila, ou a camioneta com a música de Loriga pudesse abrilhantar os festejos em honra do Divino Senhor dos Aflitos, substituindo as bandas das terras vizinhas como a da Malhada Sorda ou da Parada, ou da Cabreira que se deslocavam à festa montados em burros facto que não deixava de causar problemas logísticos. Basta imaginar que aos burros residentes tinham que juntar mais os trinta burros dos músicos a que era necessário acorrer com feno, pois que em dia de festa nem os burros aceitam comer palha, nem vinga o provérbio de que "todo o burro come a palha, o que é preciso saber-lha dar”. Conta-se até que, por vezes, se gerava concorrência musical entre as vozes de burro altas e sonoras e o instrumental da filarmónica, sendo que Deus, às vezes faz orelhas moucas não só às vozes dos burros como às preces dos crentes. De certa vez, muitos dos músicos resolveram mesmo participar com as suas alimárias na corrida dos burros, sendo que os prémios foram todos para os burros da Parada o que não deixou de constituir um rude golpe no prestígio dos burros da Vila, naquilo que constituía um dos pontos de maior atracção nas festividades. A partir desse ano só se aceitaram inscrições de burros naturais e residentes na vila. Acrescia, ainda, que dada a natureza sexual arrebatadora e a não separação de sexos levava a cenas pouco edificantes que uma vez iniciadas não havia como pôr-lhes cobro, dando-se  o caso de alguma burra andar parada.

A canalhada, incluído eu, desprestigiava estas bandas com coros: " Olha a música da Parada, come muito e não toca nada"; " olha a música da Cabreira, anda sempre de caganeira" e da música da Malhada, por eles ou muitos dos seus conterrâneos trabalharem como artesãos oleiros fabricando cântaros, púcaros e panelas, se entoava o coro: " são!,são!,são! paneleiros! São!, são!,são! paneleiros"

Foi assim que a partir da abertura da estrada do Buraco até aos dias de hoje passou a vir a camioneta com a banda de música de Loriga cujo condutor, o senhor Marques, ficava como hóspede, durante os dias da festa, na casa do meu pai com o que me sentia lisonjeado por alguém tão importante estar em nossa casa, além do músico, o senhor José. E nem sei o que mais apreciava se a companhia de tão ilustres visitantes, se a variedade e abundância da comida, sobretudo do arroz doce e, mais tarde, pudim também.

De vez em quando, ouvia-se um coro de críticas dizendo que estavam fartos da música de Loriga, que já era muita confiança, que não davam as voltas como lhe era dado. No seguimento, quiseram experimentar  uma diferente e lá foi uma banda de música das faldas da Serra da Estrela desconhecedora dos hábitos e costumes da vila, nomeadamente, da hospitalidade em dias festivos que no resto do ano tinha má fama a dar crédito ao dito “Se vais à vila leva pão e mantila”.  De modos que, no sábado depois da Procissão de Velas, instados a entrarem na taberna e convidados a beber não se fizeram rogados. Cerveja Cergal à borla, os homens não deram descanso às golas e, às tantas, já regavam o chão com ela. Certo é, bebida ou derramada no chão, a cerveja que havia de dar para os três dias esgotou-se no primeiro.

Ora, como uso e costume, deveriam, domingo bem cedo tocar a alvorada e, com grande esforço o mestre da banda lá os conseguiu levar até ao adro da Igreja para a execução do hino da alvorada nunca se tendo visto uma desafinação que a pressa do fogueteiro afogou no ribombar dos foguetes de resposta. As mazelas da noite anterior, nos elementos da banda, eram bem visíveis no curtimento da ressaca, no desmazelo do aprumo exigível a uma farda, manifesto nas nódoas, nos cordões de sapatos desapertados, nos botões não apertados nas correspondentes casas, num ou noutro a carcela das calças aberta e mais do que um com um sapato de cada cor. Quis a generosidade ou a falta de competência para avaliação profissional da comissão de festas que a banda não saísse penalizada no seu recebimento e porque alguns deles foram participantes empenhados na litúrgica orgia de louvor a Baco. Prova da relativa sobriedade minha nessa noite é o rigor com que dou conta dos factos, pois a cada rodada era mais a que disfarçadamente ia ao chão do que a que bebia.

Mas voltemos ao Buraco. Com o traçado da nova via, a única a dar acesso a veículos motorizados, pela primeira vez o aldeamento aparecia, do ângulo do Buraco, alcandorado da encosta acima, sobrelevando o Muro com o edifício dos Paços do Concelho, mais acima a torre medieval a que agregaram depois a igreja de S. Pedro que substituirá, a antiga matriz da Senhora do Castelo, situada em plano superior e, a culminar lá no alto, o Castelo amuralhado. Por muito que andem, com dificuldade hão-de encontrar uma obra de arte assim resultante da disposição natural da encosta e do engenho simples dos artesãos ao longo dos séculos, sem outro plano que não fosse o da utilidade imediata e do bem parecer. A vila ganhava uma nova panorâmica a partir do Buraco que passou a ser a entrada principal, substituindo as Portas.

Com a nova toponímia, o Buraco ( e se o não registasse aqui cairia no esquecimento) passou a designar-se, precisamente no sítio onde as águas da chuva hesitam  se irão engrossar o Cesarão ou a Ribeira de Alfaiates,  Avenida das Escolas por mor de aí se ter feito a construção das escolas para dar cumprimento ao objectivo da política Educativa do Estado Novo de instruir os portugueses a escrever, a ler e a contar e de os educar nos valores de Deus, da Pátria e da Família. Por isso, por todo o país, mas apenas do Minho ao Algarve, apareceram as escolas do Plano Centenário que vigorou de 1940 a 1960 devendo o nome à comemoração respectivamente do oitavo centenário do nascimento de Portugal (1143) e ao terceiro centenário da Restauração da Independência (1640). A da vila foi construída no ano de 1959 com pedreiros vindos dos lados de  Alcains que além da escola fizeram outras obras menores em pedra e cal, além de outros actos. Ali comecei eu na minha segunda classe com o companheiro Manuel Zorro, único que refiro neste momento por ser já vosso conhecido. Eu e o Zorro sob o olhar permanente de Salazar de um lado e de Américo Tomás, do outro, mais preocupados com o olhar da professora delegada dos retratados na autoridade, na manutenção da paz e na ordem que era necessário estabelecer pelo direito das leis e, se necessário, pela força da régua movida pelo humor da executante. Que se a regra não se cumpre no campo do direito, entra a régua para o fazer cumprir que as duas -regra e régua - têm origem comum, sabendo já que o Zorro sente mais a segunda.

O Buraco, agora Avenida das Escolas, começa no Largo do Pelourinho e deixemos as casas nele sitas que delas já falámos ou haveremos de falar. E lá temos a casa do António Rasteiro que da Misericórdia se mudou para aqui com a compra da casa que era do Quim Gata, da família dos Esperanças Gata, que tinha apenas uma mão, por isso, conhecido por Quim Coto e estaria em afirmar que foi mais uma vítima de foguetes. E haveremos de ver que cotos e foguetes não ficam por aqui. Seguia-se a casa do ti Ferreira, do ti Joaquim Ferreira com quem me cruzava com alguma frequência no caminho do Mindagostinho ou do Porto Sabugal. Dele tenho os únicos relatos de quem participou na Primeira Guerra Mundial, histórias que desfiava nos maçadoiros do Cimento e cuja crueza penso não ter necessidade de exagerar pelo que da História aprendida nos livros sabemos. Depois, prestou serviço na Guarda Fiscal e tornou-se um guarda temido pelos contrabandistas. Conta-se que um dia na perseguição de um ágil contrabandista, este lhe ganhara tal dianteira que, confiante de que estaria a salvo, resolveu erguer um dedo a fazer-lhe um gesto feio. O guarda Ferreira concentrou-se, fez pontaria e lá foi o dedo para barzabenas que é quem fica com coisas levadas do diabo. Hoje vive na casa, por ocasião da festa, uma família residente em Lisboa, da família da ti Dulce.

Seguia-se o comércio do senhor Álvaro que, assim, nos finais da década de cinquenta, concorria com o comércio dos Gatas e dos Freires e todos vendiam que a gente era muita e, não pela diferença de preços que criasse concorrência, mas porque de todos se dependia de todos se gastava, não fossem ficar entrunfados ( se procurar no dicionário não vai encontrar esta palavra mas entufados). O senhor Álvaro, cunhado do senhor padre Narciso a quem quando encontrava na rua ia beijar a mão: - Deite-me a sua benção, senhor Reitor. Eu era um menino bem educado ... O senhor Álvaro tinha uma furgoneta, por causa dos negócios da lã e de outros produtos que exigiam a Romana (balança) e para emergências graves, dado não haver 112, como a que tenho gravada em mim do ti Miguel que, do nosso balcão, vi aparecer nas portas em cima de um burro que um outro, no burro também, segurava, escorrendo sangue que nem Cristo no Calvário. Corria o ano de 1956 e contava o ti Miguel 49anos. E lá foi, já mais morto que vivo, na furgoneta do senhor Álvaro para o hospital onde chegou mais morto que vivo, esvaído em sangue da martirização em nome de questões menores. Os grandes barulhos quase sempre começavam por “dá cá aquela palha”

Antes que as portas de França se abrissem, os vilarmaiorenses demandavam Lisboa, os mais novos para ajudantes de mercearia ou outras lojas de comércio, outros mais velhos para as obras que haviam de construir os dormitórios da capital. O senhor Álvaro demandou Lisboa onde se estabeleceu comercialmente. O comércio e a casa de que fazia parte seriam comprados pelo Manuel da Cruz, filho mais novo do Ti Zé da Cruz e da Ti Zabel Afonsa. Mandou-a restaurar e no Verão ali vem passar as vacanças com a mulher, filha do Xico Rasteiro da Arrifana, mais os filhos, mais os netos, bisnetos da ti Zabel Afonsa.

Segue-se a casa que era da ti Pureza e do ti Diogo, casados que eram mas que nunca vi a par. Quando iam para as Retortas ou para os Labaços, que era onde agricultavam, se havia proximidade, ele ia à frente com um sacho ao ombro donde, atrás das costas, pendia um caldeiro com a única mão (era a direita ou esquerda?) a contrabalançar o peso, maior ou menor de acordo com o conteúdo do caldeiro. Perguntar-se-á o querido leitor se a vila é uma terra de manetas, pois, até ao momento, já falámos de três e também este por mor da pólvora que, aqui, para além da que se usava a rebentar os barrocos que estorvavam o caminho ou roubavam a terra agricolável, era a que se usava para louvar a Deus mesmo no momento mais sagrado - a Elevação momento em que o pão e o vinho dos homens se transformavam no corpo e no sangue de Cristo. Como os foguetes eram sempre em grande quantidade e havia pouco apuro técnico por parte dos fogueteiros ( a pirotecnia ainda estava por inventar) que exerciam quase sempre em part time, os foguetes, por vezes, não subiam e rebentavam no chão causando a maior das confusões ou subindo ouvia-se apenas o prolongado  e crescente ffffeeee do arranque e caíam com as bombas intactas. Fogo falso, dizia o ti Zé Vicente que mantinha distância dos foguetes. Ora, para além das canas (aqui havia divisão de trabalho - uns deitavam os foguetes e outros apanhavam as canas), que um exército de garotos disputava e do linhol dos canudos com que se havia de fazer os papagaios, havia as bombas que garotos e rapazes disputavam para se divertirem a estoirá-las e mitigarem ao longo do ano a ausência do foguetório da festa. Às vezes, as coisas não corriam bem e lá ficava a cara com as marcas para a vida inteira como o João do Saco ou um dedo ou uma mão iam para o maneta.

Mas como a vida não é feita de festa e brincadeira, o ti Diogo, na posse de pólvora e no desejo de compor a mesa com uns barbos da Ribeira, desceu até à Fraga ainda com as duas mãos que Deus lhe deu e com elas acondicionou a pólvora do modo incerto sobre a rocha sob qual sabia encontrarem-se os saborosos barbos que com o estoiro enorme da pólvora haviam de ficar tão tontos que, sem controle, à tona da água, se haviam de deixar apanhar. Não se tratou de uma experiência que não havia tempo nem intenção mas de um acontecimento fatal. Se veio daí a sua má disposição para com a vida e para com os outros nunca o saberemos, nem isso é relevante. Talvez, se fosse como o Sete Sóis, do Memorial do Convento, uma perda em combate por uma causa, como soldado, a perda de uma mão, fosse um motivo de glória. Mas nem o Diogo é o Sete Sóis nem a Pureza é a Blimunda. E o ti Diogo ia praticando pequenos actos de maldade até ao acto maior que foi o incendiar a meda de centeio de uma família extensa que assim perdia o sustento de um ano. Quando se deflagrou o incêndio e os sinos tocaram a fogo para que o povo acudisse com o vasilhame para com água extinguir o que irremediavelmente arderia - meda do pão -, o ti Diogo apareceu e mostrou-se o mais diligente na luta contra as chamas e o acusador mais radical contra o autor de tão hediondo acto: -Assá-lo aqui, era o que le era dado! Repetia vezes, sem conta.

O ti Diogo e a ti Pureza, não tinham nem burro, nem cabra, nem cão, nem gato e marrano também não o que os livrava de muitos trabalhos e lhes acrescentava outros. Todo o transporte tinha que ser feito às costas do ti Diogo ou à cabeça da ti Pureza, desde as batatas que colhiam à lenha única fonte de energia calorífera quer para aquecimento quer para cozinhar os alimentos. O ti Diogo também contrabandeava com Albergaria d'Argagnan, com Allamedilla d'el Choço com Navas Frias, El Rebolar povoações do lado de Espanha, delas trazendo  "trigo espanhol", cortes de pana, alpergatas, galhetas e azeite. Porque tem apenas uma mão, manda fazer uma vasilha em folha-de-flandres própria para transportar nas costas como se de uma mochila se tratasse e nela transporta o azeite, talvez uns 10 ou 15 litros, o que lhe facilitava também escapar-se aos guardas-fiscais.

A casa da ti Pureza tinha uma escada exterior em granito com acesso a um pequeno balcão que dava para a casa que eu bem recordo das vezes que lá fui comprar tremoços, que na vila se chamavam chochos. Era uma só divisão com o soalho numa madeira branca, telha vã, paredes escuros do fumo da lareira tendo, na parede oposta à porta de entra da, uma cama encostada à parede e, assim que  se entrava, à direita o caldeiro dos Chochos. Todos os domingos do ano, a seguir ao almoço a ti Pureza Lavajo se acocorava no cais da praça a vender os chochos em cartuchos de papel feitos do Diário de Notícias do correspondente do mesmo jornal - António Lucrécio - desde os pequeninos cartuchos de um tostão até à cartuchada de dez tostões. Para além do amealhamento que fazia deste negócio (sem IVA, sem inscrição na Segurança Social, sem fiscalização, sem livro de reclamações), ninguém até hoje reconheceu o valor que prestou, anos a fio, a esta comunidade. O que seria dos garotos, dos jogadores de sueca e da arraioila, dos rapazes à ronda sem os chochos, sem este serviço de Pureza Nobre Lavajo filha de Adrião Lavajo e de Isabel Nobre, falecida com a idade de 77 anos?

Com os chabarnecos agricoláveis, sem os barbos do rio, com os magros lucros do contrabando do Diogo e do negócio dos chochos da ti Pureza, sustentavam as suas vidas e a do filho Diogo que conheci pela primeira vez aí pelos anos oitenta, já homem no Outono da vida, e com quem voltei a conversar no ano em que faleceu. Dele escrevi no blog Vilarmaior1, na altura da sua morte:

Em gente simples dormem, por vezes, grandes capacidades que, dado o meio, vivem adormecidas.  Umas vezes, espreitam; outras vezes atormentam os que as têm sem o saberem; e outras vezes, ainda,  manifestam-se em formas mais ou menos patológicas.

Ao (re)ler O Banqueiro Anarquista não pude deixar de trazer à memória as raras conversas que tive com o Diogo: sobre a política do tempo de Salazar, sobre a razão da emigração portuguesa, sobre as suas preocupações ecológicas e sobre a relação do homem com o trabalho e com o dinheiro.

Como tornar-se superior ao dinheiro? Encontrar a planta certa a partir da qual fizesse todo o dinheiro que quisesse ... para se livrar da sua influência. Frustrado o sonho desistiu da civilização: Foi para os Labaços e por lá morreu.

 «Como podia eu tornar-me superior à força do dinheiro? O Processo mais simples era afastar-me da esfera da sua influência, isto é, da civilização; ir para um campo comer raízes e beber água das nascentes; andar nu e viver como um animal. (…) Como subjugar o dinheiro, combatendo-o? Como furtar-me à sua influência e tirania, não evitando o seu encontro? O processo era só um – adquiri-lo, adquiri-lo em quantidade bastante para não lhe sentir a influência; e em quanto mais quantidade o adquirisse, tanto mais livre eu estaria dessa influência».

O Banqueiro Anarquista, Fernando Pessoa

Em comentário, o António Cunha, Presidente da Junta, escrevia:

Apenas uma pequena informação...
O Diogo, apesar de viver nos Labaços, viajava muito no seu pequeno grande "mundo" e por estranho que pareça foi morrer a vários quilómetros dos Labaços, ou seja no cume do monte que fica entre os pinheiros das barreiras da Miuzela e a freguesia de Badamalos, mas já no limite da Miuzela. Fiz parte daqueles que tiveram a ingrata tarefa da identificação do corpo. Morreu ao lado de uma lata que teria sido embalagem de tinta com uma pequena quantidade de bagas da planta que ele considerava certa para resolver todos os problemas. Pela posição em que se encontrava o corpo morreu de vigia ao Castelo de Vilar Maior. Ponto que ao que parece lhe serviria de grande referência nas suas caminhadas.”

publicado por julmar às 17:57
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Segunda-feira, 13 de Fevereiro de 2012

O sentido das palavras - Dr Leal Freire

Raramente cada um de nos atenta no sentido exacto das palavras que usamos e da sua razão de ser.

Falamos de ENTRUDO e invade-nos logo a ideia de diversão, de pandega, de digamos tudo de uma só vez, de entrudada

Poucos lembram e ainda menos sabem que ENTRUDO vem de intróito, introdução, acesso, porta de entrada.

Ora, o ENTRUDO é precisamente a ante-camara, a entrada para a Quaresma.

E qual é a razão de ser deste nome, perguntarão.

Pois, Quaresma vem de Quadragésima, o Ordinal de Quarenta e quarenta são os dias que preenchem as sete semanas incompletas daquele ciclo religioso que começa em quarta-feira de cinzas.

Semanas expressas na mnemónica - Ana, Magana, Rebeca, Susana, Lazaro, Ramos.

Depois das quais na Páscoa estamos.

A palavra Semana, que inicialmente queria dizer sete anos, o que ainda se indicia no nome que foi Septimana, de há muito que viu o seu impÉrio reduzido para sete dias.

Mas há quem fale na semana de nove dias

Expressão para alguns sinónima de tempo impossível, dia de São Nunca, ou para os mais eruditos as calendas gregas, coisa que os gregos não tinham.

Todavia, para os católicos, a semana santa tem nove dias, dado o facto de quinta e sexta se dividirem em dois períodos—um de guarda, outro de trabalho.

Deus, segundo o calendário do Genesis, fixou a semana em sete dias.

Os revolucionários, que gostam de substituir-se a Deus, já tentaram dois ataques ao ciclo bíblico.

Primeiro os franceses da Bastilha, com a semana de dez dias e o ano a começar no Vindimadeiro, que fixavam nos vinte e dois do nosso e hoje quase universal Setembro.

Mais tarde e por voltas de 1917 os soviéticos com a semana dos cinco dias e uma nova hegira, não com a fuga de Maomé, mas com o regresso de Lenine do exílio suiço.

Mas não deu, que a lei naural é muito forte.

Daí a máxima

Chassez le naturel

Il revient au gallop

As vacas davam o sinal. Ao sétimo dia, recusavam a canga.

publicado por julmar às 23:35
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