Nos tempos primitivos em que mais que a razão dominava a força (ainda que não tenhamos muitas garantias de que hoje seja substancialmente diferente), os homens procuravam defender-se de grupos rivais ocupando o cimo de montes de onde melhor vigilavam possíveis inimigos. Por isso, muitas das grandes e pequenas povoações se ergueram em altas cercanias onde construíam torres e muros de defesa. Estas povoações cresceram e tornaram-se ao longo da história importantes praças militares, centros administrativos e religiosos até à altura em que novas meios militares, sobretudo a força aérea os tornou inúteis. A última vez que a fortaleza de Vilar Maior teve serventia foi no século XIX, aquando das Invasões Francesas.
A cidadela de Vilar Maior – O Cimo da Vila – estava muito bem delimitado: A entrada principal é no sítio designado o Arco onde se pode observar os sítios onde girava a porta. A outra entrada seria próxima desta ao cimo da rua das amoreirinhas que dava ligação à ponte romana sobre o Cesarão. Outra das entradas haveria de se situar no sítio chamado Craveiros onde são visíveis restos da muralha da cidadela. Haveria uma entrada que vinda do pontão do Pinguelo subia pelo Enxido a íngreme costa poente até ao Castelo até à porta norte das muralhas do mesmo. Para além destas entradas que permitiam a circulação de veículos de tracção animal havia outras como a da Escaleirinhas ao cimo das quais se encontrava uma atalaia (Junto da casa que era de José Laranja).
O cimo da vila, para além das estruturas de defesa militar tinha o lugar de culto religioso, provavelmente mais antigo que o Castelo e que foi a primeira Igreja Matriz a que em época posterior, e para a distinguir da nova matriz, a Igreja de S. Pedro, a denominariam de Igreja da Senhora do Castelo, a quem o povo orava, cantando:
Ó Senhora do Castelo
Protegei esta princesa
Nunca lhe deixeis roubar
O manto da realeza
A princesa era a vila de Vilar Maior a quem o rei D. Dinis atribuíra foral.
Cremos que a vila não terá saído para fora das muralhas e descido do monte antes do início da segunda dinastia e só quando o poder civil ganha força e se estabelece o poder judicial de que o Pelourinho manuelino e o foral do mesmo rei são os marcos da nova configuração física e sócio-política. Mas o passado secular não se apaga e o cimo da vila preservou a sua identidade. As suas casas são quase todas térreas em contraste com as do resto da povoação. Na primeira metade do século XX, as casas estavam cheias de gente e as cortes cheias de animais. Os seus habitantes eram na sua maioria jornaleiros que vendiam a sua força de trabalho aos lavradores que viviam na parte baixa ou livres artesãos que vendiam ou trocavam o seus artefactos na parte baixa da povoação ou em mercados e feiras de terras circunvizinhas.
Hoje, no sétimo ano do século XXI, residem não mais de seis habitantes em toda a velha cidadela.
Não queria que este blog se tornasse num boletim necrológico. Mas este ano a morte veio e bateu à porta de um, e outro e outro até final do ano. E neste berço onde nascemos, nesta terra onde vivemos, todos somos actores, todos somos protagonistas de uma história que tem aspectos trágicos, aspectos cómicos, que tem todos os ingredientes de um conto. No último mês do ano bateu à porta de Isabel Valente. Podíamos dizer que era uma mulher levada do diabo. Para os menos conhecedores das expressões usadas pelo povo deve-se dizer que levada do diabo nada tem de perjorativo. Pelo contrário, significa uma mulher de armas do género da minha avó Isabel: activa, trabalhadora, empreendedora.
A minha imagem de Isabel Valente é em cima da burra indo ou vindo da Correia ou do Porto Sabugal; de uma mulher alegre, conversadora e bem disposta. Era sempre um prazer cruzar com ela porque a salva era sempre uma verdadeira saudação.
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