Subi aqui, ao alto da muralha, onde se avista toda paisagem, aos meus pés: É a minha vida, que se abre em livro no recorte das colinas, no serpentear do rio entre as courelas incultas; Os meus demónios e os meus deuses, que se elevam na coluna de fumo, atrás dos carvalhos, lá para as bandas dos Labaços. Uma coluna silenciosa e ardente que me caustica a ferida que trago no flanco.
O pé estala um ramo seco, e os olhos fixam-se na procissão de formigas que arrastam uma semente de erva, na baba do caracol a descer o muro.
A minha alma até poderá estar ao mesmo tempo, naquelas colinas, naquele rio, e no fogo que se não vê, mas se adivinha, na absoluta imobilidade dos carvalhos, lá para os Labaços.
Mas seguramente ela vai naquela pequenina semente adormecida, levada em ombros, como santo de altar, em dia de festa do Senhor dos Aflitos.
Não tenho certeza que seja esta a escrita correcta deste lugar (Arsaio, Arçaio ?), deste monte que em acentuado declive de rochas graníticas ( os nossos barrocos) se ergue das Hortas da Ribeira à planura das Moitas e as sutem. Mas na penúria de terra, ergueram-se cômoros aqui e ali, cercados por muros de pedra miúda e lá se foi encontrando chão que pudesse ser agricultado à enxada para cultivo de cereal, de gravanço (o grabanzo castelhano) ou de batatas secadais. Da forca se chamaram estes Chães (o computador está-me a pôr a maior parte das palavras a vermelho. Eu sei que o plural de chão é chãos, mas foi assim que sempre ouvi dizer e não emendo). Lá no ponto mais alto, ao lado da cruz, ainda se encontra um resto de muro em pedras na forma de quadrado onde se erguia a forca. Esta está bem patente no desenho de Duarte D’Armas, desenhador do rei D. Manuel, o rei que atribuiu foral novo a Vilar Maior. Os criminosos, depois de expostos à vergonha pública, amarrados ao Pelourinho, eram levados e enforcados ali. Agora sem vergonha do próprio, era visto ao longe por todos, para que servisse de exemplo. Penso que o nome do monte Arreçaio faz todo o sentido ter a sua origem no termo receio.
A cruz é o testemunho da passagem pela freguesia do padre Narciso. De cimento armado, foi executada por Adriano Seixas (alguém me emende se erro) e foi inaugurada por volta de 1957( se a data não for esta é possível confirmá-la no local). Participei no evento.
Numa das colinas, a vila morta,
na outra, o carvalhal descendo, sombrio,
entre as duas, cantando, vai o rio
passar ao fundo da nossa horta.
Sobre o muro desta, uma tenra nogueira,
embutidos na parede três degraus,
a facilitarem a desnivelada entrada,
e acima deles, subindo, a pequena videira,
apoia-se em dois firmes paus,
fazendo, aos poucos, uma latada,
que não tarda, dará bom vinho.
Logo do outro lado da estrada,
ficam as casas da Isabel Afonso e da Lurdes Monteiro,
que têm, na sua capela, S. Sebastião, como vizinho,
mais acima, as do Zé Prata, do Seixas, do Zé da Cruz, do Rasteiro,
e à saída, fazendo cotovelo, as do Lavajo e do Cerdeira
e lá bem no alto, no Arsaio, o enorme cruzeiro,
a querer abarcar a povoação inteira
numa bênção terna...
E demorada.
Aqui vai um romance, dos que vêm transmitidos de boca em boca pelo povo, em Trás-os-Montes e nas Beiras, e que Garrett recolheu no seu romanceiro.
Situa-o Garrett pelo séc. XVI pelos seus indícios arcaicos, quer de linguagem, quer de costumes: O mandar escravos à fonte, o mantéu de cochonilha, etc. O assunto é uma vulgar aventura de aldeia e a devassidão nos mosteiros rurais. Vale pela singeleza rústica, comum a toda a poesia primitiva do povo:
Fui-me à horta da Morena
Da Morena mal casada:
-«Abre-me a porta Morena,
Abre-me a porta por tua alma!»
-«Como te hei-de abrir a porta,
Meu frei João da minha alma,
Se tenho a menina ao peito
E o meu marido à ilharga?»
Estando nestas razões,
O marido que acordava:
-« Que é isso, mulher minha,
A quem dás as tuas falas»?
-«Digo à moça do forno,
Que veio ver se amassava,
Que amassasse pão de leite,
Que lhe deitasse pouca àgua.».
-«Ergue-te, ó mulher minha,
Vai cuidar da tua casa;
Manda teus moços à lenha,
Teus escravos buscar àgua.»
-«Ergue-te daí marido,
Vai ao monte pela caça;
Não há coelho mais certo
Do que é o de madrugada.»
O marido que saía.
Morena que se enfeitava;
Seu mantéu de cochonilha
De doze tostões a vara,
Meia de ceda encarnada,
Que na perna lhe estalava,
Sua bengala na mão
Que mal no chão lhe tocava.
Foi-se direita ao convento,
À portaria chegava,.
D. João que a viu chegar
Em vez de correr, saltava;
Levou-a para a cela,
Muito bem a confessava…
Penitência que lhe deu,
Logo ali mesmo a rezava.
À saída do convento
O marido que a encontrava;
-«Donde vens, ó mulher minha,
Donde vens toda arraiada?»
-«Venho de ouvir missa nova,
Missa nova bem cantada;
Disse-a o padre frei João,
Que assim venho consolada.»
-«Consolar-te hei-de eu agora
Com o olho desta enxada…»
Deu-lhe um golpe pelos peitos,
Deixou-a morta deitada.
-«Não se me há-de morrer,
Que morrer não custa nada;
Dá-se-me a minha filha,
Que a não deixo desmamada!»
-«Foras tu melhor mãe que és,
Não foras tão mal casada,
Não havias de morrer
Desta morte desastrada.»
Levaram-na ao convento,
Numa tumba amortalhada;
Sorria-se o frei João,
E o marido… é quem chorava.
S. sebastião de Boticell
A oração era mais longa mas pedia ao santo que «nos livrasse, da fome, da peste e da guerra».
Todos os anos se celebrava a festa ao santo com direito a foguetes, missa solene e banda de música. Ainda, apesar da escassez de gente, os rapazes solteiros contnuam a dar contnuidade a esta festividade. No século XVI, o culto a este santo proliferou por todo o país e são muitas as terras que têm erigidas capelas em seu nome. A de Vilar Maior foi restaurada ha alguns anos e o S. Sbastião que me habituei desde criança a ver na Igrja matriz morra agora em sua própria cacasa. Esta capela é muito antiga: A pedra que fecha o arco tem inscrita a data de 1598. Porém, o arco actual destinou-se a suportar um arco anterior (de estilo românico) que estaria em ruínas.
Hoje tem festa rija na praça
Bancas de amendoeiras na rua direita
E no meu bolso nem um vintém.
Meto pelo beco da Mundanha,
Atalho pela rua da Galinha,
Desço as escadinhas do Silva
E aponto ao pelourinho
Só para enganar a gula,
E ali fico,
Olhos aguados,
A ver de longe
As bancas
Das amendoeiras.
Vem vindo o Zé;
Uma bola e uma fartura em cada mão
E senta-se um degrau
Abaixo do meu.
Zé, meu sonho, minha ilusão
- Somos amigos, sim ou não?
A bola rola no chão
E a fartura, ai a fartura…
Que cheirinho...
Que tentação!
A bola e a fartura – Vá, Zé!
A bola e a fartura também – Anda, Zé!
- Somos amigos, sim ou não?
Só uma dentadinha - Posso, Zé?
- Somos amigos, sim ou não?
Hoje tem festa rija na praça
Bancas de amendoeiras na rua direita
E no meu bolso nem um vintém.
Não sei se me engano. Mas quantos animais terão bebido neste bebedoiro? Mais uma obra que nem as cabras, nem as vacas, nem os burros apreciaram?
Em tempos houve ao cimo do chão de S. Pedro um cruzeiro. Da minha memória apenas um pedestal granítico que tinha gravada a data de 1884. Onde andará
Neste Natal decidi assistir ao serviço religioso na minha aldeia no próprio dia de Natal. Convém dizer que a missa na minha aldeia não tem muitos adeptos, pelo menos só vi umas cinquenta pessoas que fariam cerca de um quarto da capacidade da Igreja. Pelo que sei sobre a minha aldeia nem sempre este cenário era frequente, bem… não o era há uns anos atrás, agora tem sido cada vez mais habitual. A devoção, essa já é mais difícil quantificar mas acredito que se tenha mantido constante e inalterado nos presentes.
Confesso que não sou muito religioso, no entanto acredito que se existe um grupo de mais de cinco pessoas a ouvir falar uma, este individuo que fala exerce uma espécie de influência sobre os ouvintes. Neste texto não vou querer avaliar o auditório, mas sim as competências do orador.
Um padre que corre várias igrejas proclamando ser um canal de comunicação para a mensagem do Senhor tem um enorme poder. Se em cada aldeia tem 20 simpatizantes e o padre corre 5 aldeias, este padre conta com uma centena de seguidores. Comparado com uma pessoa normal o padre tem um maior potencial para manipular influências.
Ora, o senhor padre que eu fui ouvir começou-se por desculpar-se por ter chegado atrasado. Um homem não deve pedir desculpas quando não tem culpa. É culpado de chegar atrasado, mas não tem culpa que a missa anterior se prolongou porque para além do serviço natalício, teve de realizar um serviço fúnebre. Pior que o pedido de desculpas é o facto de ter questionado o auditório se acreditavam nele. Pois, eu fiquei na dúvida se o atraso se deveu ao que ele disse ou omitiu a verdadeira razão do atraso. De qualquer forma nunca passaria num filtro de pessoas credíveis.
Depois deste episódio ridículo começa a missa como uma actividade em conjunto que tenta exercitar a espiritualidade em cada um dos participantes. Para alguns será só o repetir de palavras sem significado, para outros serão versos de sabedoria sagrados que a sua repetição os eleva para mais perto da salvação.
Há uma parte que o senhor padre fala sobre o Natal, o José, a Maria, Jesus. Cita a situação particular descrita na bíblia. Essa parte que o senhor padre narrou já com a influência bastante católica fez-me reflectir. O senhor padre proferiu que o filho do Senhor que poderia ter nascido num palácio com as maiores das riquezas da humanidade, nasceu numa manjedoura, na maior das pobrezas materiais envolvido num drama de perseguição. E a razão segundo o senhor padre para isto acontecer é para que mostrar às pessoas que o Natal não é só consumismo, cartões de crédito, prendas, comer e beber em família, é também lembrar que o filho do Senhor podia ter tudo e o Senhor escolheu que ele nascesse no meio da Pobreza. É uma questão interessante e pode ser justificada, argumentada e até criticada por diversas partes. Eu fixei esta ideia e exponho-a aqui desta forma, como terá percepcionado essa história o pobre que fazia parte da audiência, que não tem cartão de crédito e que não come nem bebe do melhor. Que sentido faz este sermão para essa pessoa?
A religião Católica levanta todo o tipo de dilemas morais e tem a sua interpretação para todos esses dilemas. O rebanho para ficar espiritualmente sossegado acredita nessa interpretação. Portanto a experiência espiritual numa missa não são os dilemas, a competência do orador, da manipulação das influências, ou da devoção mas sim de um conjunto de pessoas cantar, rezar e acreditar em conjunto no mesmo ideal.
Titulo original: Espiritual, Espirituoso ou simplesmente Estúpido.
O Cimo da Vila começava no Arco, porta que dava acesso à cidadela. De todas as casas a da imagem é a mais imponente. Infelizmente o ter dinheiro nem sempre representa um progresso para as pessoas que o têm. A emigração deu a possibilidade a muitos de realizarem desejos antes considerados sonhos. Anos ante s o proprietário da casa em questão nem em sonhos pensaria vir a ser seu proprietário. Mas não só teve dinheiro para comprar como para a desfeitear. Por baixo de todo aquele reboco há uma cantaria impecável de que me lembro bem. Recordo igualmente o seu proprietário o sr. Bernardo Simões a cavalo na burra a caminho das Morenas ou do Mindagostinho. razoável proprietário e produtor de óptimo vinho encontrou a morte (ou esta o encontrou a ele) no ano de 1958, a cavalo na burra, quando regressava do mercado da Bismula.
Bem que o actual proprietário da casa merece conselho no sentido de valorizar a sua casa. Para tanto bastará retirar o cimento que a cobre e colocar aquela varanda tal qual era. Todos ficam a ganhar.
Os danos que 31 anos causam.
Dos que partilharam connosco muitos dias e em especial este e já partiram, da esquerda para a direita: César Seixas, Marquinhas Bárbara, Patrocínia Magalhães, João Marques; Carlos Freire, Isabel Silva, Ascenção Leonardo, João Dias,Manuel Cerdeira, Isabel Seixas.
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