Da idade que temos, do Outono em quenos encontramos, do aproximar do Dia de Fiéis Defuntos, da morte que bateu à porta dos conterrâneos, o bálsamo da poesia.
E por vezes as noites duram meses
E por vezes os meses oceanos
E por vezes os braços que apertamos
nunca mais são os mesmos E por vezes
encontramos de nós em poucos meses
o que a noite nos fez em muitos anos
E por vezes fingimos que lembramos
E por vezes lembramos que por vezes
ao tomarmos o gosto aos oceanos
só o sarro das noites não dos meses
lá no fundo dos copos encontramos
E por vezes sorrimos ou choramos
E por vezes por vezes ah por vezes
num segundo se envolam tantos anos.
Não os ouvimos mas os sinos tocaram a sinal dando conta que mais um filho da terra partira. Por vezes, sabêmo-lo pelo telefone. Desta vez, pela primeira vez por mail. Mesmo assim com atraso. Às vezes com muito atraso.
Desta vez foi mesmo um homem valente que partiu, dos últimos de Vilar Maior que sabiam tudo, quase tudo do que um homem da vila precisava de saber: Guardar gado, cavar, lavrar, malhar, ceifar de uma forma tão igual á do frio que enregela, da água que molha e do vento que encurva as árvores, sempre com uma força tranquila.
À esposa e ao filho, Zé João, sentidas condolências.
O António partiu, desta vez não para a Retortas, não para os Labaços. Nas Retortas vi com os meus olhos uma horta que era uma autêntica obra de arte. Mais tarde foi para os Labaços de onde raramente descia à povoação. Esta fotografia foi da Páscoa do ano passado. ia a caminho dos Labaços. Tentei, na conversa, entender o seu modo de vida: desgosto por uma sociedade podre e por uma natureza que o homem inquina.
Requies in pace
«Chegou enfim o homem das cartas, e a custo conseguiu romper até ao mostrador, onde pousou a maia. O «director», depois de tossir, de assoar-se, de suspirar e de limpar os óculos com umas delongas, que formavam com a ansiedade do povo um contraste desesperador, abriu neumáticamente o saco, extraiu um não muito volumoso maço de cartas, que despejou num cesto de vime, e tomou apontamentos.
Era digno do pincel de um artista aquele grupo de fisionomias, que seguiam ávidas todos os movimentos de mestre Bento. Olhos e bocas abertas, mãos juntas, pescoços estendidos, a cabeça inclinada para receber o menor som, tudo caracterizava profundamente a ansiedade que lhes dominava os ânimos.
Mestre Bento Pertunhas achou a ocasião apropriada para dizer a Henrique : — Pois, senhor, eu nasci para artista, quase sem mestre aprendi a tocar trompa e, não é por me gabar, mas prezo-me de tocar com certo mimo e expressão.
Henrique volveu o olhar para o auditório ; apiedou-o a consternação daquelas fisionomias. Resolveu valer-lhe.
— Tem a bondade de ver se há alguma carta para mim ? — Ah ! pois já as espera hoje ? — Não é provável; porém...
Mestre Bento Pertunhas, em vista disto, começou em voz lenta e fanhosa a leitura dos sobrescritos.
Seguiu-se novo e não menos interessante espectáculo.
A cada nome proferido, erguia-se quase sempre uma voz, às vezes um grito ; estendia-se por cima das cabeças um braço, e, podemos acrescentar, ainda que se não visse, alvorotava-se um coração.
Outros, os não nomeados ainda, olhavam com ansiedade para o maço. que diminuía, e cada vêz mais se lhes assombrava o semblante.
— Luisa Escolástica, do lugar dos Cojos — lia o mestre Pertunhas.
— Sou eu, senhor, sou eu; ai, o meu rico homem! — exclamou uma mulher jovem, apoderando-se avidamente da carta.
— Joana Pedrosa, de Serzedo — continuava — Aqui estou ; será do meu Antônio, senhor ? — disse uma velha, pobremente vestida.
— Será do seu Antônio, será — respondeu o insensível funcionário ; — o que lhe posso dizer é que traz obreia preta.
A mulher, que já tremia ao receber a carta, deixou-a cair, ouvindo aquelas sinistras palavras. Apanharam-lha; e ela, tomando-a, saiu da loja, a chorar lastimosamente.
— Se foi o filho que lhe morreu, não sei o que há-de ser dela — dis;e um dos circunstantes.
— Coisas do mundo ! — respondeu outro.
Estes comentários foram interrompidos pela continuação da leitura.
— João Carrasqueiro.
— Pronto, senhor — bradou um velho.
— A mesada, hem ? — disse Bento Pertunhas, fitando-o por cima dos óculos. — O rapaz não se esquece.
— Deus Nosso Senhor o ajude, que bem bom filho tem saído.
— D. Madalena Adelaide de...
— É a morgadinha, é a morgadinha — disseram a um tempo muitas vozes.
— Agradecido pela novidade ; era cá muito precisa a explicação — disse o Pertunhas : e passando a carta para uma mulher, que era a encarregada de fazer a distribuição a quem a podia gratificar, acrescentou : — Leve-lha a casa.
E prosseguiu: — Augusto Gabriel...
— É o mestre-escola...
— Ora fazem o favor de estar calados ! Esta .. como ele vem por aqui... pode ficar... ainda que... será melhor levar-lha a casa, leve, leve também...
— João Cancela.
— É o João Herodes.
— Esse foi a Lisboa.
— Então, quando vier, que apareça.
— O tio Zé-Pereira ficou de receber as cartas. É compadre dele.
Eu não quero saber de compadrices. O tio Zé-Pereira que se ocupe com o seu zabumba e deixe lá os outros.
A leitura mais ou menos acompanhada destes diálogos prosseguiu, redobrando de momento para momento a ansiedade dos que iam ficando.
Um fundo suspiro, uníssono, melancólico, expressivo de desalento, seguiu-se à leitura do último nome e às poucas palavras, com que o funcionário fechou a tarefa.
— E acabou-se.
Os que ainda estavam na loja saíram cabisbaixos, morosos e com tão má vontade, como se ainda tivessem esperança de comover a inexorável sorte.»
Há escritores que se foram esquecendo. A par de um Júlio Dinis ou de um Ferreira de Castro, esquecido anda Trindade Coelho,
Para quem tem matriz rural, como eu, «Os Meus Amores» é uma leitura que rememora o imaginário da criança que formos. Quanto a literatura é da melhor.
Começa assim:(...)
«Quando atravessou a povoação, rua abaixo,com o rebanho atrás dele, era ainda muito cedo. Ao longo das ruas tortuosas, as portas conservavam-se fechadas, e não vinha das habitações o mais insignificante ruído. Dormia-se a sono solto por todas aquelas casas. Apenas algum cão,subitamente acordado em sobressalto pelo chocalhar do rebanho, ladrava do alto dos escadórios de pedra onde ficara de sentinela, ou de dentro das curraladas, onde levara a noite fazendo companhia aos novilhos. De onde em onde, galos madrugadores entoavam matinas sonoras, que eram como risadas vibrantes de boémios, nalguma estúrdia a desoras.»
A primeira fotografia será do final do primeiro quartel do século XX: O granito domina e o branco apenas na Igreja que, desafogada, se via da praça. De branco o conjunto de casas propriedade do sr Alexandre (na altura o homem mais rico de Vilar Maior), os Pacos do Concelho, a casa que foi da senhora Clemência ( a senhora das milagradas!) e a prória Igreja. A casa de José Santos havia subido recentemente um andar; depois subiram a casa do ti Zé Silva ao Arco mais a do ti Zé Seixas abaixo da torre e em frente à Igreja subiu a da senhora Aninha da Cruz, a da ti Isabel Seixas e a do ti Zé Dias. E o branco, aos poucos, foi dominando.
Daqui a cem anos como será?... Será?
Com personagens conhecidas. À porta do café dos Gatas, há cerca de vinte anos, ainda o Nuno o explorava. Os petizes são agora moços de barba rija:
A Maria tem dois filhos
Pequeninos, com intervalo de meses
O mais velho, -a cara chapada do pai-
Trá-lo ela pela mão
E o caçula ao colo.
Puxa-lhe o mais velho a saia
-Mãe… dá um chupa!
E a Maria impacienta-se
-Não!... A mãe não tem tostão!
O filho bate o pé, barafusta
-Anda mãe…vá lá!...
Novo puxão na saia
-Não!... Já disse!
O caçula mete-lhe a mão no peito
-Não!... Tira!...
Choram os dois, resmungam…
Ela já não sabe o que fazer!
Abre a carteira, procura…
Tira uma placa de níquel,
-Toma… vai lá pedir ao Nuno
E o miúdo desaparece na porta do comércio.
Volta com um chupa, vermelho, enorme!
-Olha mãe!... –exibindo-o – sabe a morango!
Tanto o caçula manobra, e revolve
Que um mamilo pula para fora
E lhe suja a cara
De respingos de leite
Ele abocanha-o
Olha para a mãe,
Esta alisa-lhe os dois fios de cabelo
-Vá…dorme…
Revira os olhos
A rir-se para o irmão…
E adormece.
A Maria senta-se na pedra.
Um suspiro:
-Haaiiii…
Exausta.
A maior parte dos nossos comentadores sabem muito mais do que mostram mas gostam de brincar, o que é louvável e salutar. Muitos deles estão fartos de saber que o dito relógio se encontra em Malhada Sorda, próximo da Igreja Matriz.
Em Vilar Maior não existe que eu conheça qualquer relógio destes. Tenho ideia de que na torre, antes do actual existiria um relógio mecânico sem mostrador que apenas batia as horas.
De resto, havia (e há) o de Aldeia da Ribeira, em torre para o efeito, cuja sonoridade é extraordinária e se podia ouvir, havendo boas condições climáticas, em todo o termo de Vilar Maior.
Para controlo do tempo, por aqui bastava a orientação solar, o relógio biológico - sobretudo a barriga a dar horas - e o toque dos sinos: As Avé-Marias, as Trindades e as Almas.
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Vilar Maior foi vila concelhia entre 1296 e 1855. Era constituído pelas freguesias de Malhada Sorda, Nave de Haver, Aldeia da Ribeira, Badamalos, Bismula, Vilar Maior e Poço Velho. Após as reformas administrativas do início do liberalismo foram-lhe anexadas as freguesias de Aldeia da Ponte e Forcalhos, Alfaiates, Rebolosa, Seixo do Côa, Vale das Éguas, Ruivós (então parte de Vale das Éguas) e Vale Longo. O concelho tinha 3 302 habitantes em 1801 e 7 415 em 1849.
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