Viajando pelo youtube também encontramos Vilar Maior.
Se ao menos alguém ainda nos pudesse fazer promessas credíveis!... E a criação de um museu do linho até seria ralizável. Com eleições autárquicas à porta, quem sabe?
Vá lá ... alguém nos prometa alguma coisinha...
Junho corria quente e seco como convém ao desenvolvimento das culturas, à ceifa do centeio e dos fenos. Aquele dia estava excepcionalmente quente. O pai, ainda o sol estava para lá de Castela- a- Velha, e já tinha saído para o lameiro dos Labaços para agadanhar. Os outros todos se tinham levantado antes do nascer do sol para tratar das regas e dos animais ou para isto ou para aquilo. O sol no pino, é hora de dormir a sesta. Mas a avó Isabel, desembaraçada e decidida como sempre, pôs todos fora de casa:
- Fora, vão dormir para a loja!
Ela era a parteira de um novo hóspede que estava prestes a chegar. Pouco depois, a notícia chegava rápido pela avó que, sem cerimónia, fez a 1ª anunciação:
- Já nasceu e é menino! Um homenzarrão!
E, logo, de seguida, virando-se para mim:
- Vai dar a notícia a teu pai! Anda rápido, seu samurano!
Ainda hoje continuo a desconhecer o que exactamente quer dizer samurano. Certo é que me pus a caminho ao mesmo tempo que ia ruminando sobre os mistérios da vida tão absortamente a essa hora, de sol no pino, nem desejei a companhia do ti Manel Adrião nem tive o medo como companheiro. A história da sarangonha que traz os bébes nunca na verdade fez parte do nosso imaginário, mas também não sabia como é que aquelas coisas aconteciam e também não perguntava, pois havia perguntas que não se faziam. Ninguém nos dizia para não perguntar, mas não perguntávamos. A observação da natureza, em geral, dos animais, em particular, junto com as conversas entre iguais era suficiente para se chegar, paulatinamente, ao conhecimento dos processos procriativos. Como quer que fosse, havia alguma vergonha e falta de à vontade para falar destas coisas e eu sentia-me embaraçado. Mas a avó tinha-me tornado mensageiro da anunciação e tinha que cumprir a missão. Felizmente, quando cheguei o pai estava a dormir a sesta à sombra cerrada do freixo mais frondoso, no limite da Canjeira . Eu, sem barulho, deitei-me a seu lado e cansado da caminhada caí em pesado sono e até sonhei. Quando acordei, o pai, lá ao fundo, cheio de força e em compasso ritmado, numa dança monótona ao som de ignota e silenciosa música, cortava o feno.
Levantei-me e, vagarosamente, enquanto preparava as palavras, ia-me aproximando. Mal reparou em mim, com uma alegria que nunca mais lhe vi, dispara:
- Então, já temos mais um menino!?
E senti-lhe uma felicidade tão grande que me teria enchido de beijos e abraços se a expressão aberta da ternura e dos afectos fizesse parte das condutas familiares de então.
- É. A avó mandou-me para lhe dizer.
- É. Passou aí a Maria da ti Zabel do Alípio e disse. Vamos cortar mais uma ou duas envelgas e vamos mas é para casa. O que não se faz num dia faz-se ao outro dia ou no dia de Santa Luzia
E com uma pressa que lhe não conhecia, não tardou a esconder a gadanha com o corno e mais os ferros de picar entre a erva. Mandou-me à presa a buscar a garrafa do vinho. Levou-a à boca e bebeu muito longamente. Depois, virando-se para mim:
- Bebe aí um gorcho, catano, que está fresquinho! Ála, vamos embora!
Coisa inédita com o sol tão longe do ocaso vê-lo dirigir-se para casa, de passo estugado que eu tinha de compensar, de vez em quando, com pequenas corridas.
Em casa, criou-se um ambiente de alegria, como se não fosse já a décima vez que tal acontecia! E o tio polícia e esposa que já tinham sido padrinhos de quase todos os outros eram-no agora com mais vontade ainda. Antes que ele tivesse de ir apresentar-se ao serviço na Guarda apressou-se o baptizado. Esconjurado o espírito do mal e liberto do pecado cometido por Adão e Eva, estipuladas as garantias de educação e constância na fé de Cristo, terminado o repenicar dos sinos da torre anunciando ao povoado a entrada de mais um elemento na Cristandade, pais e irmãos, tios e tias, mais os padrinhos reúnem-se á volta da mesa com alvíssima toalha de linho. O café leão ferve à lareira numa grande panela de ferro e uma brasa enorme é colocada dentro para que o polmo assente. A casa enche-se do cheiro forte do café. Trigo, vinho, leite, queijos frescos e curados, choiriço e presunto para saciar e satisfazer os corpos. Àparte o trigo de Almedilha, obrigatório em festas, todos os outros produtos são da casa.
E foi assim que o Zé apareceu entre nós.
Pela festa do S. João acendiam-se fogueiras pelas ruas cujos elemnetos principais eram o rosmaninho e a bela luz. O divertimento consistia em saltar por cima delas.
Diz o povo que é poeta:
Quem pela bela luz passou
E a bela luz não cheirou
Do seu amor não se lembrou.
Um interessante artigo do amigo e conterrâneo João Valente que só lhe faltou concluir com o provérbio por aqui usual « Depois de morto, cevada ao rabo»
http://capeiaarraiana.wordpress.com/2009/06/17/carta-aberta-ao-presidente-da-camara-do-sabugal/
Se gosta de boa literatura e de temáicas rurais, nada melhor que ler Trindade Coelho. Basta clicar neste sítio
http://alfarrabio.di.uminho.pt/vercial/ebooks/os_meus_amores.pdf
Quem já encontrou uma cabra
que tivesse ritmos domésticos?
O grosso derrame do porco,
da vaca, do sono e de tédio?
Quem encontrou cabra que fosse
animal de sociedade?
Tal o cão, o gato, o cavalo,
diletos do homem e da arte?
A cabra guarda todo o arisco,
rebelde, do animal selvagem,
viva demais que é para ser
animal dos de luxo ou pajem.
Viva demais para não ser,
quando colaboracionista,
o reduzido irredutível,
o inconformado conformista.
(João Cabral de Melo Neto)
Venho por este meio justificar a ausência durante uma semana neste espaço da blogosfera.
Uma pausa no trabalho que férias mesmo só em Agosto. Tempo aproveitado para uma viagem cultural por Ávila, Madrid, Segóvia. Na fotografia, em fundo, a cidade de Toledo.
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