Pelo comércio do senhor António Gata , personagem ilustre, passava muito do que era a vida de Vilar Maior. Com tempo saberemos mais. Eis um documento interessante, uma Carta Comercial:
Vilar Maior, 3 de Junho de 1922
Exmº Senhor Santos Pinto e Cª, Ldª
De posse do seu estimado memorando de 29 e amostras darrozes e assucares e preços de bacalhaus, que muito lhe agradeço.
Abaixo dou nota dos artigos que desejo a fim de mandar despachar para a estação da Cerdeira.
Arroz não devem mandar em sacos pequenos como alguns que vieram ultimamente.
Assucar deve vir bem acondicionado.
Bacalhau espero me sirvam bem, para poder continuar a dar-lhe as minhas encomendas.
Pagamento faço daqui semanapelo correio a 30 dias, é favor caso me esqueça avisar em postal, fazendo o desconto como o que me faz Vasconcelos M. Filho e outros.
Despede-se de V. Exª com estima e consideração
António Gata
Nota de encomenda:
2 sacos de arroz Saigão
2 sacos de arroz Java
30Kg de assucar extra
30Kg de assucar B. Branco
60 kg de assucar (?)
30 Kg bacalhau R.P. fino
30 Kg de bacalhau geral
Vilar Maior 3-6-1922
António Gata
No povo velho da vila ninguém sabe
Quando é que a vila começou.
Nem entre os velhos nem entre os meninos
Mas todos sabem que antes de todos
Quase antes de sempre já havia vila
E quando todos fecharem os olhos
A vila continuará como se nada acontecesse
Como se eles nada fossem no seu viver
Sabem que ao aloi fica o seu castelo
Tão velho como a corda do relógio
Que nunca deu as horas certas
Tão velho que todos dizem que vem dos mouros
E não do rei que foi seu fundador
Agora de que lhes serve o castelo
Se não há moiros para matar
E para que lhes serve o relógio
Se sempre trabalharam ao compasso do Sol
Sabem que tem uma igreja imponente
E um pelourinho que não prende criminosos
Só não sabem quando é que a vila foi vila
Quando o castelo foi erguido
Quando o pelourinho teve o calor do medo humano
Mas sabem
Que o resto é a sua vida
Que o resto são os seus trabalhos
Desde que o sol nasce até vir a noite
As casas desenham as ruas que desembocam em outras ruas, largos, praças ou terreiros. A viagem de hoje começa aqui no Terreiro da Misericórdia e termina no largo do Pelourinho. A Rua de Baixo surgiu depois da Rua de Cima e, assim, teve nome até chegar a modernidade que mandou que se pusessem placas com o nome das ruas, não por causa dos que moram na vila, nem por causa dos forasteiros que aqui vêm tratar da sua vida tratando da vida dos outros, mas por causa do carteiro que é de fora. A Joaquina Santa, primeira carteira, não precisava nem de nomes de ruas nem de número de porta. Quando rebaptizaram as ruas, a rua de Baixo passou a ser Rua da Misericórdia, não porque os seus moradores superassem os outros em compaixão, clemência ou piedade nem por memória de algum personagem ou acto especialmente digno de nota, nem porque aqui tenha tido lugar o Sermão da Montanha mas porque aqui movido por tão dignas virtude alguém mandou que se edificasse a Igreja da Misericórdia. Bem que até lhe poderiam chamar a rua da Ira de Deus, sem cair em blasfémia, pois, na Bíblia é referida com frequência. A Rua de Baixo é uma rua urbana, calçada de uma pedra que tem mais quartzo do que feldspato e mica, de forma irregular, sonora no pisar das gentes calçadas de tamancos cardados, nos rodados dos carros de vacas cravejados em ferro e nas ferraduras de vacas e solípedes. A vida moldada em matérias extremas: ferro e fogo ... e pedra. Terra de pedreiros e ferreiros. Até o senhor Reitor, mandava que, aos sapatos de sola, o sapateiro colocasse os devidos protectores. A Rua de Baixo era sombria por mor das casas altas da Rua de Cima e que até à Casa da Ti Filomena Moleira dava acesso ao piso inferior reservado às lojas do vivo e guarda das alfaias e produtos agrícolas. A passagem da habitação das pessoas ao piso inferior fazia-se, normalmente, pelo alçapão que mais não era que uma semi-porta no chão que dava acesso a uma escada rudimentar. Do outro lado, começamos junto do Terreiro da Misericórdia com uma casa térrea onde, com os meus seis anos me comecei a familiarizar com algumas tragédias, e com a maior delas - a morte. Nesta casa, vi pela primeira vez um homem morto, que sei hoje chamar-se António Seixas Valente, filho de Bernardo Seixas e de Maria Valente. Corria o ano de 1957 quando a morte o ceifou com a idade de 23 anos. Em acidente, ( penso que com foguetes) havia perdido uma mão. Lembro a caldeirinha da água benta e das pessoas que ao chegarem o aspergiam com hissope feito de um ramo de oliveira, se benziam e se juntavam ao coro de velhas vestidas de preto - para mim todas as mulheres vestidas de preto eram velhas - repetindo avé Marias sem conta e rematando, com regularidade, com o rogo: - dai-lhe, Senhor, o Eterno descanso, repetindo o coro: - entre os resplendores da luz perpétua. A casa veio a ser adquirida,mais tarde, por Adriano Cruz que, estando de vacanças, com tudo o que um cristão de Vilar Maior precisava para ser feliz - novo, saudável, com francos ( à época todos os emigrantes - os franceses - se julgavam ricos), de fato novo para participar na missa e procissão da festa do Senhor dos Aflitos. À sua porta, que era a porta mais próxima da porta da casa de Deus - a Misericórdia - sentado, na companhia de seu sogro, o ti Aurélio Prata, viam, felizes, os fogueteiros preparar o foguetório, enquanto a Filomena lá dentro refogava o borrego e confeccionava o arroz-doce para o almoço da festa. Terá Deus tido inveja de tanta felicidade? Num segundo, incendeiam-se os foguetes e o corpo do Adriano desfez-se em bocados projectados não se sabe para onde. O telhado da casa ruiu; o refogado e o arroz doce desapareceram; a Filomena, por milagre, viva, aturdida, levou tempo a compor o novo cenário: a casa sem telhado ... sem o seu pai, sem o seu homem... as pessoas falam-lhe mas ela não entende o que se passa. Regressou a França e demorou muitos anos a voltar... para voltar a ir ... para sempre. A casa lá está e os netos do Adriano, uma vez por outra, vindos de França ali pernoitam, vizinhos da Misericórdia. No mesmo terreiro, encostado à casa do Adriano um marco de água onde António Cerdeira, Guarda da República a comandar o posto do Rochoso, que viera à festa, foi encher o cântaro. Poderia ter demorado mais um minuto na conversa com a ti Júlia ou o ti Xico Henriques, poderia não ter falado com eles. Enfim, qualquer coisa que o adiantasse ou atrasasse em relação à sincronia fatal da passagem à frente da porta lateral da Misericórdia no preciso momento da explosão. Ali ficou como estátua ajoelhada a arder, a água a escorrer mansa pelos interstícios da calçada, os cacos no chão. Num ápice a alma do cabo da Guarda Republicana apresentou-se à justiça divina sem tempo de arrependimento ou de extrema unção. Se nem um cabelo nosso se perde sem o consentimento de Deus, terá sido mesmo assim que Ele quis a morte do cabo da Guarda Republicana com esta sincronia e este aparato. Mas os desígnios de Deus são insondáveis. Pois, mas falávamos dos caminhos dos homens e só falámos dos caminhos de Deus por desta maneira se terem cruzado com os caminhos dos homens. Na casa que era de Bernardo Seixas, além do meu primeiro defunto, criou-se o Zé que foi para Lisboa, o Rodolfo que de Lisboa emigrou para a Holanda e a Antónia que por aqui ficou na função de criada da minha querida professora Adélia, de sobrenome Gata Gonçalves. No tempo em que nasci, década de cinquenta, havia criados e criadas. Hoje a Antónia seria uma espécie de assessora, de auxiliar de educação ou, com a modernidade tecnológica, uma técnica operacional de educação. De bom trato e cortesia, como os irmãos, prestava inestimáveis serviços à professora Adélia desde o cuidar da burra que a transportava à escola, à preparação da escalfeta para aquecimento dos pés nos frios dias de Inverno, no apoio mesmo de funções didácticas de tomar conta dos alunos ou de resolver problemas de aritmética mais bicudos. Bem que, se não desse tanto jeito ser criada, e houvesse a influência necessária poderia ter exercido competentemente o cargo de Regente, do mesmo modo que mostrou, durante anos, competência no ministério da celebração da palavra de Deus aos domingos por minga de padres para celebração da missa. Nem sequer lhe faltava o cumprimento do voto de castidade exigido aos padres. O mundo fechado torna fechadas as pessoas que nele vivem. Seguia-se a casa de uma família ( José?) Esperança, famílias que aqui tinham bens mas que se dedicavam ao comércio em Lisboa e também em Coimbra. Por aqui vinham de férias quando calhava à vida deles. Depois da emigração sem rendas para receber e sem criados foram vendendo quase tudo. No caso, a casa foi comprada pela Céu Cerdeira e pelo Carlos de Vale das Éguas, emigrantes reformados, que a restauraram a seu gosto e que a usufruem no tempo que dividem entre França e Portugal. Com a casa do senhor Albino Freire (falecido em 1945), inicia-se uma fila de casas todas de dois pisos, todas rebocadas a cal e pintadas, com janelas algumas de guilhotina, com beirais bem alinhados, que no seu conjunto representam a modernidade da primeira metade do século XX. Aqui era o comércio de Albino Freire que antes fora sediado no Largo do Pelourinho na casa onde viveu o senhor António Lucrécio sobre cuja porta mal se consegue ler ' comércio de Albino Freire'. Passou depois à viúva Aninhas Frias onde a mando de minha mãe ia comprar uma lâmina de barbear 'nacet' para o meu pai ou uma caixa de palitos ( assim se designavam os fósforos) para acender o lume, que dizia a minha mãe é preciso gastar de um e de outro comércio,( sendo que o outro era do senhor Aníbal Gata) porque as obediências eram muitas. Num como no outro se vendia um pouco de tudo e também ao lado se vendiam copos de vinho. E durante algum tempo (1955, 1956?) aqui funcionou o correio que para mim, naquele tempo, era o lugar com o símbolo do homem no cavalo a tocar a corneta, e não o ti Agostinho de Aldeia da Ribeira em cima da mula e com as notícias fechadas a aloquete num saco saco cinzento. A senhora Aninhas Frias, viúva, com o comércio e as rendas de terras criava os filhos: o Manuel que havia de ser padre, um padre urbano dedicado ao estudo e ao ensino no Colégio de S. José, na Guarda. O Carlos provido de alguns estudos ia acompanhando o comércio mas, breve se voltou para a área dos seguros e desde princípio dos anos sessenta, com o seu carocha, tornou um ritual a viagem diária Vilar Maior- Sabugal - Guarda - Vilar Formoso - Vilar Maior, ou o percurso inverso. De trato afável, atencioso, prestável, generoso, fizeram dele um mediador de excelência, tornando-se o maior centro de poder da vila na segunda metade do século XX. Durante a emigração ele era o intermediário de muitos emigrantes no câmbio de francos, no aconselhamento do banco em que se deveria fazer os depósitos, no tratamento de burocracias notariais, finanças, judiciais, na compra de terras, nas obras de restauração da casa, na nomeação de mordomias, na boleia a quem precisava de ir ao Sabugal ou à Guarda, no levantamento do cheque ou da reforma, no jeito que se dá para isto ou para aquilo ... quem não devia um favor ao Carlos Freire? E com o dinheiro a chegar de França mudam os hábitos de consumo e as mulheres dos emigrantes deixam de ir à lenha às Moitas e compram fogões a Gaz para cozinhar e grande parte deles passam pela mediação do Carlos Freire, o mesmo sucedendo anos mais tarde com a chegada da electricidade e a aquisição de frigoríficos. Mas todo o negócio era como que uma extensão da sua extrema sociabilidade feita de conversa misturada com um copo. A última vez que falou comigo foi exactamente: - Então, Júlio, vai um cafézinho? Exerceu durante muitos anos o cargo de Presidente da Junta. O Comércio, onde a professora D. Mariazinha passou muitas horas a vender produtos e dar conselhos, está fechado mas guardando organizadamente muito dos objectos produtos que lá se vendiam. Por baixo do telhado, muito desmaiada conserva-se ainda a pintura feita pelo ti Zé Seixas, que, exímio profissional, fabricava as próprias tintas, em segredo tal que nem aos filhos permitia o conhecimento do segredo. Mais casas de que já não dou aresto se encontram a seguir. Numa delas viveu a ti Elvira Polónia, minha parente da parte paterna cujos laços de parentesco nunca discerni. Mulher que nunca casou e que repartia a sua vida pela participação em todos os actos litúrgicos acrescentados de terços incontáveis e a limpeza da rua porque da sua casa até à horta do Tarém, apanhava todas as bostas e cagalhões que haveriam de alimentar todas as plantas da sua horta que a alimentariam a si. Remata a fila no largo do Pelourinho na casa que é habitada pela Carolina, viúva do Xico Adrião, talvez o mais temível adversário que se podia defrontar no jogo da sueca, fazendo massetes com uma habilidade inigualável. Uma das consequências do movimento migratório para a Europa, da vila quase exclusivamente para França, foi a venda de propriedades pelos ricos e que os emigrantes compravam, à época por preços muito elevados. E, foi assim que esta casa onde terá vivido a Senhora Raquel, ou Arraquel como aqui se dizia, o senhor Martins, o senhor Horácio e depois o padre Narciso de sobrenome, que de nome era o diminutivo de Francisco acrescentado da alcunha que me recuso a escrever em virtude da dignidade do cargo. A vila nunca foi uma paróquia fácil, sobretudo, se o poder religioso não vergava ao poder temporal. Não foi o caso do padre Narciso mas foi o caso do padre Matias aquando da instauração da República, foi o caso do padre Francisco Vaz nos anos setenta. O padre Narciso veio a seguir a um padre que deixou muitas saudades: o padre José Baptista de quem ouvi, vezes sem conta, falar do seu empenho no abastecimento de água vinda do Seixal. Foi a maior obra realizada pelo povo, com o seu trabalho e cujo ícone foi o Chafariz, deslocado para o Buraco, recentemente. Com o padre Narciso cessou a era em que os clérigos se deslocavam de mula pelas terras que pastoreavam. Porém, as vias eram impróprias, a mecânica pouco fiável, a perícia dos condutores medíocre, a potência passara de mulas verdadeiras a poucos cavalos mecânicos. Donde resultava que nas barreiras de Aldeia da Ribeira o padre Narciso com o carro a afrouxar na, subida temeroso de que não subisse, ia, carinhosamente, batendo com a mão no tablier ( como se da mula se tratasse) e incentivando: -Vamos, vamos que tu sobes! Verdade é que subia mesmo. Do outro lado da rua, ficava a casa do senhor Joaquim Ribeiro, irmão do senhor José Ribeiro e da senhora Elvira Cardosa. O sobrenome além de Ribeiro, era também Cardoso e era também Simões. Eram ricos e faziam favores aos pobres. Empréstimos. Trocas desiguais. Tinham afilhados a quem arrendavam terras e jornais a ganhar. O senhor Joaquim Ribeiro era um homem forte de corpo e tomava grande previdência em relação à salvação da alma: temia a Deus e frequentava assiduamente a Igreja. No dia do seu funeral distribui-se pão aos pobres, lembro-me bem. E também algumas moedas de tostão, dois tostões e de cinco tostões. A sua irmã, a senhora Elvira Cardosa, talvez, pelo seu amor a Deus, talvez por uma paixão não correspondida, talvez por alguma paixão impossível, talvez por todas ou porque simplesmente a vida é assim, nunca casou. Sobretudo na Quaresma quando se rezava o terço na Misericórdia, era, em voz sumida a senhora Elvira Cardosa que presidia à reza e ao andar das cruzes- via crucis-, essa odisseia que começava no Pretório de Pilatos e terminava no Calvário, no monte Gólgota. Estação: Jesus é condenado à morte Nós vos adoramos Senhor, e vos bendizemos, porque por vossa Santa Cruz remistes o mundo. Sentenciado e não por um tribunal, mas sim por todos e por nossos pecados. Condenado pelos mesmos que vos tinham aclamado pouco antes. E Ele cala… Nós fugimos de ser reprovados. E saltamos imediatamente… Daí-me, Senhor, vos imitar, me unindo a Ti pelo Silêncio quando alguém me faça sofrer ou me condene injustamente. Eu o mereço. Ajudai-me! Pequei Senhor, tem piedade e misericórdia de mim. Pai Nosso Ave Maria e Glória… E para cada estação, uma oração. 2. Estação: Jesus carrega a cruz às costas 3. Estação: Jesus cai pela primeira vez 4. Estação: Jesus encontra a sua Mãe 5. Estação: Simão Cirineu ajuda a Jesus 6. Estação: A Verônica limpa o rosto de Jesus 7. Estação: Jesus cai pela segunda vez 8. Estação: Jesus encontra as mulheres de Jerusalém 9. Estação: Terceira queda de Jesus 10. Estação: Jesus é despojado de suas vestes 11. Estação: Jesus é pregado na cruz 12. Estação: Jesus morre na cruz 13. Estação: Jesus morto nos braços de sua Mãe 14. Estação: Jesus é enterrado Este era o meu mundo e estas eram as histórias que revivíamos na voz da senhora Elvira Cardosa. Além destas, havia as que a avó Zabel me contava e as que eu recontava com tanto engenho que os rapazes solteiros me pediam para lhas contar e o Manel Valente a quem, imerecidamente, chamavam de tonto a troco das histórias me prometeu um pião de ronca que acabou por ser um vulgar pião de pinho que à primeira chicha que levou abriu em dois, mesmo não sendo o pião das nicas. Porque não é possível viver sem histórias, o povo tinha necessidade da história do calvário e de outras histórias como aquela a que me lembro de assistir e de ter ficado impressionado com a coreografia e representação mas nada lembro sobre a história. E o local escolhido foi o curral do senhor Joaquim Ribeiro. A Rua de Baixo, agora Rua da Misericórdia, já não é o que era. Passam-se horas sem passantes. Nem vacas, nem cabras, nem ovelhas. Mesmo na procissão da festa a rua se enche como se enchia. O ti Zé Vicente já não demanda a Praça com salvas sem conta até desaguar(era mais desaguardentar)na Praça: - Bôs dias, lhe dê Deus! Duas viúvas é o que resta na rua de Baixo.
A tradição não é o que está morto
Mas o que do passado ainda resta
O corpo e a alma ganham reconforto
Lembrando tempos evos numa festa
A hora até podia ser de festa
E o fuso do destino girar torto
Que não ficava sombra de funesta
Naquele dia em que se matava o porco
Evoca-se assim a forma que o poeta encontrou para caracterizar aquele dia, que, mais do que simples promessa, era uma solene a afirmação de fartura.
E que, com fartura havia de decorrer, desde o toca-dentes matinal até à provadura das morcelas último acto daquele ritualismo, mas para os velhos frequentadores de matanças tão importante que, dizia-se, ir a uma matança e não provar a massa massapa é como ir a Roma e não ver o Papa.
Mas comecemos, então, pelo princípio, que é como quem diz pelo corta-jejuns matinal, desta feita não para matar o bicho
Uma hidra de lerna sempre pronta a botar novas cabeças em buchos mais habituados a parvas do que a enfartadelas—mas para dar ao matachim e pegadores força e ânimo para o apresamento do animal e o doseamento do golpe mortal que tem de ser bem cronometrado, e que propicie às mulheres do clã, especialmente as apuladoras do sangue e lavadeiras das tripas defesa contra o frio.
Há bebidas para todos— vinho, que quase todos preferem, aguardente para um ou outro mais raçudo, geropiga, mais requisitada pelas damas.
Sobretudo para estas, fizeram-se filhoses e fritas, milharadas doces e fofas.
O pessoal pega melhor nas curtimentas de vinagre—gingas queimosas ou morrones ou cebolas ou tomates verdes, nas azeitonas e no queijo de cabra, no presunto e no chouriço que adregasse de escapar aos gastos do ano e não fizesse falta para enriquecimento do caldo, já a fervilhar num grande panelão e que há-de abrir a solenidade do almoço. Ou numa fritada de peixes do Pereiro ou do Cesarão.
.Mas este toca-dentes matinal é breve, pois o tempo urge.
E já todos estão a pensar no soventre frio que abre a guerra entre o estomago dos compinchas e a carne a sair do porco já a berrar e espernear no banco, rodeado das paveias de centeio que o hão-de chamuscar.
Parabens ao autor. Aguardamos poder disfrutar da leitura do «Cancioneiro da Raia Morena» na escrita do nosso conterrâneo e amigo João.
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