Os cidadãos da minha idade ainda fomos coevos de representações religiosas ao vivo e de manifestações teatrais da mais variada natureza, simbioticamente vividas pelas comunidades locais
Nas celebrações quaresmais, distinguiu-se em Vilar Maior uma senhora da família Dias, clã, ao tempo, muito importante, mesmo patra além do termo do Concelho, senhora de extaordinaria beleza e esplendorosa cabeleira, que fazia de Madalena e cujos rogos e lamentações impressionavam fortemente os circunstantes, praticamente toda a populaçao das aldeias vizinhas, com capacidade de movimentação
Em Badamalos,vivia um pedreiro, conhecido pela alcunha de Linhares, que se especializara nos trejeitos do Belzebu, arrancando do respeitável público estridentes risadas.
Inversamente, existiu um Herodes que acabou por se fixar no Escabralhado que aterrorizava homens e mulheres, velhos e garotos.
Outros impressionavam pela magestade, caso de um centurião incarnado na Bismula na figura do Marialva, o famoso Joaquim Alves Martinho
Essencialmente os motivos cénicos eram de base religiosa — episódios bíblicos do Novo e Velho Testamentos.
As lutas pela Fé, nomeadamente as de Carlos Magno.
E dos seus Doze Pares continuaram a gesta, mais tarde alargada ao sabor da FLOS SANCTORUM para a vida dos Santos.
Aqui no Ribacoa, houve alguns que tiveram grande voga o que levou à impressão com um toque de alguma solenidade dos respectivos textos.
É o caso do auto de Santo Aleixo, apresentado como filho de Eufemiano, senador de Roma, mas obrigado a dormir debaixo das escadarias da casa paterna, onde, desconhecido pernoitou por esmola, ao longo de dezassete anos
Outro foi o Acto de Santa Bárbara.
Com o subtítulo — vida e obra da bem aventurada Santa Bárbara, virgem e mártir, filha de Dioscoro Gentio.
Há ainda o Auto de Santa Genoveva, Princesa de Barbante.
Referiremos a fechar o Auto de santa Catarina.
Também virgem e mártir, filha do rei godo de Alexandria, no qual se conta o seu martírio e glorioso fim e no qual se diz que intervém ela própria, sua mãe, um Eremita, Nosso Senhor Jesus Cristo, Nossa Senhora, um pajem, o imperador Maxencio, a imperatriz Porcina, três doutores e um anjo.
Mas o mais vulgar destes autos ou actos era o de São Sebastião, que, general amado dos seus tiufados e das suas centúrias poderia ter-se defendido em campo aberto, mas preferiu morrer pela fé...
Trovas da Donzela Ditosa
manhanita de São João
pela manhã da alvorada
Jesus Cristo se passeia
ao redor da fonte clara
por sua boca dizia
por sua boca falava
esta agua fica benta
e a fonte fica sagrada
ouviu a filha do rei
da alta torre donde estava
vestiu suas meias de seda
calçou sapatos de prata
pegou num cantaro de ouro
á fonte foi buscar água
lá no meio do caminho
com a virgem se encontrava
atreveu-se a perguntar-lhe
se havia de ser casada,
casadinha haveis de ser
muito bem afortunada
tres filhos haveis de ter
todos tres de capa e espada
um será bispo de roma
outro cardeal na guarda
e o mais novo dos três
servo da virgem sagrada
bem ditosa a donzelinha
que á fonte foi buscar água
Bem poderíamos dizer como Camões que «já nada é como soía». Dos elementos que constituem o Inverno:Vento, chuva, neve, geada e frio só tivemos os dois últimos, e tivemos sobretudo sol, muito sol. E agora uma primavera precoce. De matriz rural que sou, preciso de chão, de plantas, de bichos. Por isso, cedo fui dar a volta à "minha quinta". Logo à entrada, o Jorge de riso aberto, determinado no aperto de mão:
- Então, está bem?
- Estou bem, Jorge. Estou, muito bem. O Jorge trata do bem estar dos animais e nem os humanos escapam à sua preocupação do bem estar, enquanto o liberalismo cego não se lembrar de lhe retirar o estatuto de emprego protegido. Entrar na natureza pela manhã nesta época é assistir aos preparativos da natureza para a grande festa que aí e vem. De alguns animais sabemos poco. As focas diverte-se na água, os toirões habituados à presença humana veêm espreitar nas entradas das tocas, os gamos machos travam lutas na disputa das fêmeas, as cegonhas, contrariando as ordens do primeiro-ministro, ficaram por cá e passeiam altaneiras e indiferentes à crise, as aves exóticas fazem uma barulheira infernal na pressa que o distribuidor de comida as atenda, os coelhos passaiam tranquilos sem medo, os esquilos esquivos trepam as árvores, as cabras habituadas à pia aguardam comida, os burros andam enfadados da boa vida, as vacas - daquelas antigas da vila - ruminam de olhar perdido. As plantas de flores finas são as primeiras a mostrar a sua graça - os pica-ratos, abrunheiros bravos, pessegueiros e pilriteiros de cuja flor se gerarão so pilritos.
Pilriteiros dais pilritos
Porque não dais coisa boa
Cada um dá o que tem
Conforme a sua pessoa
As árvores de folha caduca estão agora completamente nuas. Os ramos estão entumecidos, os gromos inchados prontos a despontar.
Imutável só a memória. A nora verdadeira parada, a vaca de plástico, o homem plástico. A fazer de conta. A natureza viva. A cultura parada.
Elegia Desesperada
(O Desespero da Piedade)
Vinicius de Moraes
Meu Senhor, tende piedade dos que andam de bonde
E sonham no longo percurso com automóveis, apartamentos...
Mas tende piedade também dos que andam de automóvel
Quantos enfrentam a cidade movediça de sonâmbulos, na direção.
(…)
E no longo capítulo das mulheres, Senhor, tenha piedade das mulheres
Castigai minha alma, mas tende piedade das mulheres
Enlouquecei meu espírito, mas tende piedade das mulheres
Ulcerai minha carne, mas tende piedade das mulheres!
Tende piedade da moça feia que serve na vida
De casa, comida e roupa lavada da moça bonita
Mas tende mais piedade ainda da moça bonita
Que o homem molesta — que o homem não presta, não presta, meu Deus!
Tende piedade das moças pequenas das ruas transversais
Que de apoio na vida só têm Santa Janela da Consolação
E sonham exaltadas nos quartos humildes
Os olhos perdidos e o seio na mão.
Tende piedade da mulher no primeiro coito
Onde se cria a primeira alegria da Criação
E onde se consuma a tragédia dos anjos
E onde a morte encontra a vida em desintegração.
Tende piedade da mulher no instante do parto
Onde ela é como a água explodindo em convulsão
Onde ela é como a terra vomitando cólera
Onde ela é como a lua parindo desilusão.
Tende piedade das mulheres chamadas desquitadas
Porque nelas se refaz misteriosamente a virgindade
Mas tende piedade também das mulheres casadas
Que se sacrificam e se simplificam a troco de nada.
Tende piedade, Senhor, das mulheres chamadas vagabundas
Que são desgraçadas e são exploradas e são infecundas
Mas que vendem barato muito instante de esquecimento
E em paga o homem mata com a navalha, com o fogo, com o veneno.
Tende piedade, Senhor, das primeiras namoradas
De corpo hermético e coração patético
Que saem à rua felizes mas que sempre entram desgraçadas
Que se crêem vestidas mas que em verdade vivem nuas.
Tende piedade, Senhor, de todas as mulheres
Que ninguém mais merece tanto amor e amizade
Que ninguém mais deseja tanto poesia e sinceridade
Que ninguém mais precisa tanto alegria e serenidade.
Tende infinita piedade delas, Senhor, que são puras
Que são crianças e são trágicas e são belas
Que caminham ao sopro dos ventos e que pecam
E que têm a única emoção da vida nelas.
Tende piedade delas, Senhor, que uma me disse
Ter piedade de si mesma e da sua louca mocidade
E outra, à simples emoção do amor piedoso
Delirava e se desfazia em gozos de amor de carne.
Tende piedade delas, Senhor, que dentro delas
A vida fere mais fundo e mais fecundo
E o sexo está nelas, e o mundo está nelas
E a loucura reside nesse mundo.
Tende piedade, Senhor, das santas mulheres
Dos meninos velhos, dos homens humilhados — sede enfim
Piedoso com todos, que tudo merece piedade
E se piedade vos sobrar, Senhor, tende piedade de mim!
A poesia acima foi extraída do livro "Antologia Poética", Editora do Autor - Rio de Janeiro, 1960, pág.73
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