Da condução à distribuição
O lavrador remediado, com corso azorrar pedras próximas ou com carro para transporte mais longo, deu uma jeira, o lavrador mais rico mandou o seu criado, o pedreiro foi a especialidade mais solicitada e jornaleiros eram todos que abrir o valado era trabalho duro mas indiferenciado. Os que tinham adegas contribuíam com vinho na proporção do tonel e da boa vontade que a água dá vida ao corpo mas é o vinho que anima a alma. As viúvas ricas pagavam jornais aos jornaleiros pobres. E o sr Fernandinho com uma cultura e filosofia que não encaixava nos moldes da existente, negociante genuíno, disse ao sr Tenente que a água podia passar graciosamente pelas suas terras que era quase o percurso todo. O padre Zé Baptista deixava que a noite caísse que os corpos cansados chegassem ao lar para bater numa e noutra porta para arranjar equipa para o dia seguinte.
- Ó senhor António! e abrindo a porta ...
- Ah, é o sr Reitor! E antes que o mandasse entrar já estava dentro da cozinha, de chapéu na mão!
- Ó senhor reitor, ponha o seu chapéu que aqui não é casa de santo, disse o António. A Elvira, ó senhor reitor coma aqui as batatas connosco e o senhor reitor que não; e o António beba ao menos um copo do nosso que nunca foi batizado.
-Pois, para batizado chego eu que o sou no nome e na fé, diz o reitor que disse ao que vinha e que nem era preciso dizê-lo. E o António, num ora deixe cá ver como se pegasse numa agenda, começou a desfiar os compromissos - terça para aqui, quarta para ali, quinta para o mercado, sexta para fulano, sábado para sicrano ... Pois só para a semana, senhor reitor, no dia que der mais jeito.
A garotada, mais que os adultos, andava excitada com toda esta movimentação e em magotes metiam caminho fora a inteirar-se sobre o andamento dos trabalhos e na mira do espetáculo do rebentamento de barrocos com pólvora, pois, lugares havia onde a coisa só com ferro e fogo avançava. O povo andava exausto, pois além do trabalho que era só deles, estavam agora sujeitos a curveias pesadas para o alcance de um bem comum tão grande que era . E, mais em surdina, que em voz alta há recriminações sobre a desigual contribuição de cada um. Não fora o querer participar na epopeia hidráulica, não fora o querer saber como no fim seria e, sobretudo, não fora o saber do padre Zé Batista de como levar a água ao seu moinho e tudo ficaria em águas de bacalhau e lá se ia o sonho por água abaixo.
Ainda a água não saíra da fonte mãe e todos opinavam sobre quantos e onde deveriam ficar os marcos ou fontanários. Quanto ao número variava entre os que achavam que um com agua abundante era suficiente, os que achavam três um numero razoável, os que achavam que deviam ser sete e os que advogavam números tão elevados que o Sr Tenente perguntava se não queriam um por cada casa, coisa tida como manifestamente impossível. Porém, saberem que haveria uma fonte inesgotável de água a correr em abundância era tão gratificante que secundarizava a distância. O senhor Tenente calculando a força da gravidade achou, com fundamento científico e matemático, que a água haveria de ir diretamente para um depósito no Cimo da Vila a partir do qual se faria a distribuição. Calculando as diversas partes do povo na sua população e distâncias propôs três postos de distribuição: um que ninguém contestava pela sua centralidade seria na Praça e, ainda não se sabia que forma arquitetónica teria mas a todos parecia que haveria de sobressair de todos os outros. Haveria de haver um no Cimo da Vila que servisse as gentes do Castelo ao Muro, da Talaínha às Lages e que ficaria no Largo da Igreja Matriz. Finalmente o terceiro haveria de se situar no Terreiro da Misericórdia onde acorreriam os do Canto, os da rua de Cima e da Rua de Baixo e os da Ponte que eram os mais distantes. A todos, a uns mais outros menos, pareceu bem esta tríade. Claro que aos da ponte se afigurava, porque a água vinda das Moitas ali passava, que ali deveria ficar um posto ao que o Sr Tenente respondeu que toda a água seria distribuída a partir do depósito do Cimo da Vila com argumentos de ciência hidráulica rematando com a ciência do povo:
- isto é claro como a água
O ti Ze Ferreiro, o Lavajo e o Zé Nifo aceitaram sem entender. Viraram costas conformados, que remédio. Se houvesse aqui gente importante eles punham cá um, disse o moleiro que de ciência sua sabia muito bem como se levava a água ao seu moinho. Mas isso são contas de outro rosário e o calado é o melhor que ele mais sabia das manhas dos homens que das ciências académicas.
Os que estudaram latim nos nossos seminários, no século que mediou entre mil oitocentos e cinquenta e o ano homólogo do século subsequente, especializaram-se na cronologia das Guerras Púnicas, designadamente da segunda.
Para os que andem fora da matéria, explicaremos que as Guerras Púnicas foram conflitos que opuseram Roma e Cartago, a Roma pre-imperial e a Cartago dos sufetas.
Tratava-se de duas potências que lutavam pela hegemonia mundial, ao tempo centrada em torno do Mediterrâneo.
Roma, a cidade eterna, situava-se nas sete colinas, onde ainda hoje se encontra implantada.
De Cartago, só restam ruínas, ali para a foz do rio Bagradas na actual Tunísia e isto porque no fim de todas as Guerras Púnicas se cumpriu o desejo de Cipião expresso na frase delenda est Cartago
Antes, porém, muitos êxitos tiveram as forças cartaginesas sobre as de Roma.
Os principais ocorreram durante a segunda guerra púnica que se desenrolou desde o ano 218 até ao 201, ambos antes de Cristo e tiveram lugar aqui nas Espanhas, nos Alpes e na própria Península Itálica.
As batalhas mais famosas foram as de Canas e do lago Transimeno e Roma, sem defesas, só não foi destruída, porque Aníbal, em vez de avançar sobre ela, ficou em Cápua, distraído entre o amor de uma prostituta e fortes libações de vinho napolitano e queijo serra da Estrela,
Mas os soldados com que Anibal ganhou a guerra não eram cartagineses
Ao contrário de Roma, potência territorial e guerreira, com um impressionante nível de população para a época, Cartago era um empório marítimo e comercial.
E com um grande poder económico-financeiro, que lhe permitia contratar infantaria aqui na Lusitânia interior, cavalaria na Numídia, camelos na Berberia, elefantes na estrada da seda…
Saíram, efectivamente destas terras que, séculos depois, viriam a constituir o município de Vilar Maior os que deram o cerne à infantaria que dizimou as legiões romanas.
Eram temíveis a combater. Silvio Italico chama-lhes tropa terrible...
Anibal, o grande peno, filho de Amilcar, neto de Asdrubal exortava ao combate.
(Imagem do Senhor dos Passos de Vilar Maior)
Quando a vila detinha a sua tradicional categoria de cabeça de município, realizava-se nela uma concorrida cerimónia de rememoração da via sacra
as aldeias limítrofes quase se despovoavam para assistir e curiosamente algumas delas forneciam mesmo actores que se haviam especializado na reprodução das personalidades bíblicas intervenientes na tragédia do Gólgota.
Na sua totalidade, pertenciam a aldeias agora integradas na união de freguesias que tem por centro Vilar Maior - a saber Quinta das Batoquinhas, Batocas, Aldeia da Ribeira, Escabralhado, Carvalhal do Coa , Badamalos, Arrifana do Coa e, obviamente, Vilar Maior
É também óbvio que pertenciam á vila a maior parte dos figurantes e todos os anódinos e quase anónimos, só sendo chamados das povoações adjacentes os que, por fas ou nefas, se distinguissem do vulgo.
A grande atracção era uma senhora do burgo, uma elegante loira de formosa e opulenta cabeleira que fazia de Maria Madalena e cujas lágrimas faziam chorar copiosamente a assistência.
Segundo ouvi de minha bisavó Cecília, nome difícil a quem talvez por isso chamavam sarilha, pertencia essa senhora, à nobre estirpe dos dias, ao tempo muito conceituada, não apenas na sede do concelho, mas numa roda de várias léguas
De Veronica fazia uma outra ilustre dama, esta da casa dos Alexandres e que, para dessudar a cara do senhor usava toalhas de elevado valor e graciosa traça
outras famílias, designadamente os Simões e os Frias davam as piedosas mulheres que integravam o circuito.
Um vistoso mancebo da Quinta das Batoquinhas, filho dos feitores portugueses, que a finca tinha uma administração binacional, fazia de Cristo.
E os algozes levavam a função tanto a sério que o pobre do moço precisava de uma semana para se recompor dos encontrões e dos simulacros da flagelação.
O Pôncio Pilatos vinha das Batocas, na figura de um endinheirado comerciante a quem a fortuna dera prosma e num algibebe de Lisboa se municiara com trages de tribuno romano.
O Simão Cirineu vivia no Escabralhado e era recrutado pela sua força hercúlea, capaz de levantar pela cheda um carro de bois, carregado de troncos de carvalho, sendo, em corolário, bem leve para ele, o madeiro com que o mártir do Golgota peregrinava pelas ruas da vila, tornadas ruas da amargura.
O Centurião era de Aldeia da Ribeira, chegara a anspeçada nos lanceiros da rainha. Ganhara porte marcial. e para o grande cerimonial conseguia sempre farda condizente.
De Badamalos vinha um mesteiral, de nome Linhares, que se especializara na figura de diabo e servia para cortar com laivos de comédia o ar trágico do drama.
O Carvalhal do Coa, conquanto minúscula arribana, fornecia um personagem central - um tosquiador de aspeito terrífico e furibundo, a martelo talhado para Herodes
Em contraciclo, da Arrifana, também do Coa, vinha João, o evangelista, o discípulo amado, símbolo da mansidão.
Talvez seja tempo de se tentar o renascimento dos passos, agora com o material da união das TRÊS FREGUESIAS.
Vamos todos a Badamalos todosos povos da nova freguesia: Batocas, Aldeia daRibeira, Arrifana, Vilar Maior, Carvalhal e Badamalos!
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