Terça-feira, 28 de Maio de 2013

A Predestinação - Dr Leal Freire

 A ideia da predestinação é uma ideia arquétipica. Persiste e aparece em toda a parte e sob as mais diversas formas, costumando servir de explicação para o inexplicável.

O povo pressupõe-a nos santos. É como se Deus os escolhesse antes  de nascerem.

Ás vezes como prémio às virtudes dos pais ou a um acto de excepcional  relevância por  eles  praticado.

E, não raro, o nascimento dum santo ou de um homem ou mulher de virtude é anunciado aos seus progenitores através de uma aparição ou de um sonho.

Os poderes sobrenaturais adquirem-se por predestinação, por herança, por transmissão mágica, pela  frealização dum acto muitas vezes involuntário, até por uma  circunstancia  alheia, que  pode  passar mesmo desapercebida a  quem os  recebe.

O bento que cura doenças apondo as mãos no enfermo e pode fazer levedar o pão ou remediar o vinho que já vai para vinagre e opera muitas outras maravilhas tem esse poder por ter nascido quando o Menino Jesus ou seja numa noite de Natal ou por ser  o  sétimo   filho quando a mãe  antes já tenha dado á  luz  seis  varões  seguidos.

Como sinal da predestinação, o ungido de Deus pode trazer uma cruz no céu da boca, outra no peito.

O ser o sétimo filho seguido  do mesmo  sexo  é  ambivalente, pois o  varão, em  vez  de  homem de  virtude, pode virar lobishomem e, se forem sete mulheres  seguidas a nascer, a  sétima  pode  dar  em bruxa..

Ás vezes, os poderes sobrenaturais são hereditários, sucedendo-se geração após geração, os  membros  da  família  que  curam  o  meigalho  e a  ferida   de olho, tiram   o  diabo   dos  corpos, adivinham   coisas  ocultas, passadas  e  futuras   e descobrem  autores  de  roubos  e  malefícios...

Os  valuros ou  baluros, antigos  bruxos  que  andavam  de  terra   em  terra, pedindo   para  as  onze  mil  virgens  e  fazendo  de  rezadores, curandeiros, feiticeiros   e  adivinhos, tinham  virtudes que  lhes  advinham  da terra  onde nasceram.

 

O mal de olhado - em  galego  Frida D-ollo ...

Trata-se de poder que se atribui às bruxas, mas também é partilhavel por pessoas inocentes do mal que fazem - poder maligno que adquirem por predestinação.

O que faz mal  sem  querer, para o prevenir, baixa os olhos, diminuindo  assim  a  força   dos raios  deletérios. Quem tem esse poder e  conscientemente o utiliza  são  as  bruxas.

Mas como  se  chega   a  bruxa, explica-se de  várias  maneiras.

Pelo  nascimento, sendo   a  sétima  filha   consecutiva   de  um  dado  casal.

Ou  por  herança  ou  investidura, que  podem ser  actos  involuntários.

Uma  bruxa  não  pode  morrer sem  deixar   os  seus   poderes   a  outra  pessoa, o   que  faz entregando-lha   a  vassoura  ou o  caçoilo   dos  unguentos. Ou até, simplesmente   apertando-lhe  o pulso, enquanto  diz  Herda, herda...

Chama-se a isto passar os  novelos.

A predestinação e a herança funcionam também  relativamente  às  feiticeiras  práticas.

Muitas  destas  sofrem    de  anomalias   psíquicas, como   ataques   epiléticos, crises  de   sonambulismo, etc...

Por  vezes, diz-se   que  carregam  espíritos, que   à  hora  da  morte, transmitirão   a  terceiros

Há quem tenha o corpo aberto e, por isso, pela  sua boca, falam  outros, anjos  ou  demónios, quando  não mesmo  defuntos  de  pouco  tempo.

Há feitos casuais que determinam  um  fado destes  para  uma  pessoa.

Assim, se no  acto  do  batismo, o  sacerdote  emprega, em  vez  do  óleo  dos   vivos, o

da extrema-unção o  neófito  adquire  o  poder de ver  as  coisas  ocultas, inclusive   a sorte  dos  defuntos  no outro mundo  ou anunciar  o  próximo  vizinho  a finar-se, nem  que  o indicado esteja  de  perfeitíssima  saúde.

Há outros factos, meramente casuais e episódicos, que determinam virtude.

Assim, se um homem que anda lavoirando  asdrega   de  matar  uma  toupeira, adquire, ipso  facto, a  virtude  de curar  doenças   e  aplacar  dores, mediante   a  simples aposição  de  mãos.

publicado por julmar às 22:05
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Sexta-feira, 24 de Maio de 2013

Morreu o cantor, fica a obra

 

http://www.youtube.com/watch?v=fcSalrWyJnc

 

Avec ma gueule de métèqueDe juif errant, de pâtre grecDe voleur et de vagabond
Avec ma peau qui s'est frottéeAu soleil de tous les étésEt tout ce qui portait jupon
Avec mon cœur qui a su faireSouffrir autant qu'il a souffertSans pour cela faire d'histoires
Avec mon âme qui n'a plusLa moindre chance de salutPour éviter le purgatoire
Avec ma gueule de métèque[ From: http://www.metrolyrics.com/le-meteque-lyrics-george-moustaki.html ]De juif errant, de pâtre grec** Et mes cheveux aux quatre vents
Je viendrai ma douce captiveMon âme sœur, ma source viveJe viendrai boire tes vingt ans
Et je serai prince de sangRêveur ou bien adolescentComme il te plaira de choisir
Et nous ferons de chaque jourToute une éternité d'amourQue nous vivrons à en mourir
Et nous ferons de chaque jourToute une éternité d'amourQue nous vivrons à en mourir
 GEORGE MOUSTAKI - LE METEQUE LYRICS 

publicado por julmar às 12:07
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Quinta-feira, 23 de Maio de 2013

Genesis da floresta - Dr Leal Freire

  

A bolota trazida pelos pombos

Quedou-se entre os escombros

Da ravina esburacada...

 

Depois, nova trovoada

Consumou a sementeira,

Foi a chuva a lavradeira

 

Para o viçoso embrião

A escura prisão

Não seria dilatada.

 

E numa madrugada

De um maio brando e doce

O véu das trevas rasgou-se...

publicado por julmar às 19:35
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Quarta-feira, 22 de Maio de 2013

II Feira de Talentos - Rádio Vilar Maior

Nao vou poder estar presente mas gostaria de participar. Para tal necessito de um voluntario em Vilar Maior munido de um Laptop com ligaçäo a internet, speakers (de preferencia sistema de som) . Conforme meu post no grupo estou a criar uma Radio Online (Radio Vilar Maior). Seria muito interessante fazer uma emissao em directo no dia da Feira, na qual todos poderiam participar via Skype.

Cumprimentos
VG
publicado por julmar às 18:04
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Passeio sobre cinzas

(texto reportado ao ano 2003) 

Durante o curto tempo que estive em Vilar Maior nas férias, em Agosto (também eu, por minha pouca sorte, vou menos vezes e por menos tempo), num dos passeios que costumo fazer rumei ao Buraco, desci até ao Porto Sabugal cuja ribeira não para de correr em virtude da barragem de Alfaiates. Junto ao pontão, na erva das margens que ladeiam as águas correntes pastam duas vacas e um burro. Um casal de idosos na veiga cultivada com milho e outras plantas viçosas. Um autêntico oásis no deserto. Oásis  onde as chamas que devoraram tudo em volta na maior área ardida até hoje na região, não puderam entrar. A mulher, com a anuência continuada do marido, recorda como era antigamente:  a água escassa que com noras e burras dessedentava o renovo nas veigas que se alongavam pelas margens, as muitas fainas agrícolas, gente e gado por todo o lado e as cantigas que ecoavam no ar.

            Continuei o meu deambular sobre cinzas, passando pela Formiga em direcção à Ponte da Guarda. Em redor nem o mais pequeno sinal de vida animal ou vegetal. Na ausência de motivo paisagístico cogitava sobre a conversa mantida com o casal e sobre como nos é estranha um tipo de sabedoria que não se adquire nos livros, mas numa experiência de tradição e de ligação á natureza. De como esta gente não sabe das camadas de ozono, nem das grandes cimeiras internacionais sobre o ambiente mas sabe e faz mais pelo ambiente que todos eles.

 

As terras envelhecem como as pessoas.

São meninas

são adultas

são caducas.

Dói ver morrer

mesmo sendo casas de pedra.

Dói que o silêncio

entre nas aurículas

e aí seja musgo

paz saqueada. Dói tanta coisa:

até um western

numa cidade fantasma.

Dói tudo o que finda e a findar nos mata.

 

 Poema Erosão, Fernando Namora

publicado por julmar às 17:42
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Quinta-feira, 16 de Maio de 2013

IRS - Todos por Vilar Maior

Para os que ainda não preencheram o IRS, ainda estão a tempo. Relembramos a todos os vilarmaiorenses residentes em Vilar Maior ou fora que não esqueçam a oportunidade de consignar 0,5% da colecta a favor da Santa Casa da Misericórdia de Vilar Maior Irmandade e Instituição Particular de Solidariedade Social, com o Nº de Identificação Fiscal - NIF - 504 300 130

A consignação de IRS é uma possibilidade que todos os contribuintes têm ao seu dispor e consiste na decisão de “desviar” 0,5% da colecta de imposto para outra entidade.

A opção não representa um encargo adicional a quem a faz, uma vez que se trata de uma simples reafectação do dinheiro que, em vez de dar entrada nos cofres do Estado, vai para a conta de uma instituição à escolha do contribuinte.

Recorde-se ainda que os prazos para a entrega de IRS foram este ano alterados. Assim, quem tiver apenas rendimentos do trabalho dependente e/ou pensões poderá apresentar a sua declaração de IRS em dois períodos, consoante o suporte que decida utilizar: em papel entre 1 e 31 de Março e, via internet, entre 1 e 30 de Abril.

Já agora num espírito de unidade que havemos de construir em torno da União de freguesias de Aldeia da Ribeira, Vilar Maior e Badamalos apelamos 

aos contribuintes deste novo território administrativo que inclui as anexas de Batocas, Escabralhado, Carvalhal e Arrifana, para que façam esta consignação.

Não nos custa nada e é dinheiro que será entregue a uma instituição cujo serviço de apoio social é indiscutível, sobretudo no apoio à população idosa. Façam campanha junto dos vossos amigos.

Havemos de dar notícia de quanto conseguimos.

publicado por julmar às 17:58
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Uma Cantarada Excepcional e o desnorte da Malta dos Solteiros - Dr Leal Freire

Como já tivemos ensejo de referir, o estranho ao burgo que nele arranje arrange conversada, arrisca-se a pagar a patente, a comer as moras, em linguagem corrente com um certo travo, é certo, a prosa jurídica, atentos os resquícios a incumprimento. Normalmente, pagar é um acto doloroso, não sendo por mero diletantismo que á conta se  dá  mesmo o nome de DOLOROSA.

Mas aqui há quem goste de pagar.

Porque o amor é a sério e a conversada merece.

Ou porque o fasto acrescenta um ponto a estes dom juans de  rabona a quem o epíteto de conquistador provoca cócegas no céu da boca.

Depois o alguacil da Confraria dos Solteiros que  o increpou tinha lábia  para convencer o mais  céptico.

A rapariga era simultaneamente rosa da Alexandria e lírio de Jerusalém, exemplar pela beleza do rosto e a elegância do conspecto. Pura como as onze mil virgens e exornada de todas as qualidades que definem uma mulher. E quanto a bens do mundo, quem a levasse iria bem servida. Do avô constava que achara um pote de santanarias...corruptela a tender para o religioso de centenárias. Isto é de moedas cunhadas para assinalar um importante acontecimento. E o pai fora moleiro e lagareiro, daqueles que juntamente com os escrivões dão o mote   para  nove  ladrões....

Para reforçar o mote, evocava o Deus te  salve  cantadeira//Deus  te  cubra   de  benção

Lembrando a estrofe:

Tão linda qual Policenas

Sabia como a rainha de Sabá

Paciente como Jó

Humilde tal o Isá

Tudo quanto  é virtude

Naquela  mulher  é  que  há  

Enfim, com paciência e geito, o candidato  lá se esportulava. Pouco,  que  os teres   não  davam  para  grande  coisa. Mas de anos a anos, lá  caía  na rede  peixe  do mais  grosso. Então, dava para  tudo:

Para contratar os  grandes  acordeonistas  de  perto  e  longe - O  Chico Serra, dos Forcalhos; O  Zé Nobre, de  Alfaiates; O  Raul, da Bismula; O Giestas, de Quarta- Feira; O Landeiro , das Aranhas; Até o Manuel Augusto, do Salgueiro do Campo - o  mago  da   Orquestra Típica Albicastrense, onde  competira  com  a  grande   Eugénia Lima.

E, para, regressando às coisas do corpo, adquirir carrolas  de  trigo, pipas  de  vinho  e  meio  fato  de  cabritos, cabras  e  bodes.

Estas grandes caçadas são raras, não havendo nem  sequer  uma  em  cada  decada

E chegam mesmo a ser perigosas, muito perigosas  até, pelo excesso de  ramboia que  criam.

Com efeito, podem  gerar  um  ambiente   de  prolongada  histeria em  que  os vapores   do  alcóol pesando  continuadamente levem   a  confrontos, por vezes  trágicos.

Foi o que  aconteceu na vizinha  povoação de  Aldeia da Ponte, vai, não  tarda  para  um  século.

Um rico e generoso lavrador do  Jarmelo  enamorara-se   de  uma   formosa   e  abastada  senhora  daquela  freguesia   com  a  qual  veio  efectivamente   a  constituir   família.

Esportulando-se, deixou na Confraria dos Solteiros verba cabonde para algumas semanas  de  grande  pandega

O quarto copo e vinho  pode  despertar  o  maligno e  dá  para  a loucura.

Deixa-o beber à  vontade  e  verás  de  quem  ele  é  filho.

Surgiram  provocações  à   autoridade.

Esta, possivelmente em excesso de legítima defesa, abriu fogo sobre os moços mais destemidos, matando   dois.

O caso  deu  mote  para  cantigas  de cego  e sanfona.

Há em Aldeia da Ponte

Um talho de carne humana

O grande carniceiro

É a Guarda  Republicana

 

publicado por julmar às 17:41
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Quinta-feira, 9 de Maio de 2013

O CERIMONIAL - Dr Leal Freire

Na  data  aprazada, o  neófito, com  pleno assentimento  do  pai, que  no  seu  tempo   também   andou nas  ruas, ou  seja   foi  membro  da   Confraria, enche  na   adega   da  casa, dois  cântaros  de  vinho   da  melhor  lavra   do  ano.

Para a hipótese  rara  de  os  pais  não produzirem  vinho, aconselha-se-lhe   que  procure   lavrador  que  lho ceda, relegando-se  para   último  lugar  o  recurso   ao vendeiro  que da  má fama  não  se  livra -  matruca  o  produto.

Assim   rezam  as  trovas

É um  perfeito  cristão

Em tudo  tam perfeitinho

Que  vejam   que  o maganão

Até  batiza  o  seu  vinho...

Municiado de  bebida, vai  à venda  e  compra  cigarros que dêem, no mínimo, para  uma  dupla rodada.

Com estas credenciais, aparece à noite, depois  da   reza  das  almas, no lugar  do  estilo - a  praça  mais  ampla  do povoado, onde  crepita  já  uma  enorme  fogueira, ou  cabanal  para  tanto  prezado, se  há   nuvens  pressagiando  ou  confirmando  chuva

Então, os  dois  membros   mais novos da  confraria, os  últimos  que  pagaram  a  patente, pegam  num  dos   cântaros, cada   qual  por  sua asa, enquanto um  terceiro, que  é  o  antepenúltimo  confrade, empunhando  um  canadão, vai  distribuindo  vinho, primeiro  pelo maioral, depois  pelos  imediatos   e assim  sucessivamente  até  completar   todos  os  presentes, em  regra  o  plenário  dos  moços, pois   só  por  causa  grada, algum  faltará...

Por  seu  turno, o  neófito   faz  a  distribuição   dos paivantes  que  uns  fumarão, outros  guardarão.

Esvaziado  o  primeiro  cântaro, o maioral  ou um  dos seus  validos  faz ao novo  associado   uma  arenga, em  que  fala  dos  deveres   impostos  pela  sua  nova   condição - obediência  aos   mais  antigos, bico   calado   sobre  o  que se  passa  na  rua, coragem   e  cortesia   para   com  os  confrades   das  terras  vizinhas.

Obrigação de  segundo  as  suas  posses   contribuir  para  as despesas  gerais   e  de segundo  as  suas  possibilidades prestar  serviços  regulares   e  períodicos, como  vigiar   as  ruas   e  os  campos, reprimindo  abusos,,,

Na  primeira  cerimónia  de  iniciação   que  a  seguir   tiver  lugar, será  ele  um  dos  dois  a  pegar no  cântaro...

Para  as  fogueiras acesas  para  combater  o  frio  ou  assar  qualquer  peça  teré  ele  de  carrear  a  lenha, obter  acendalhas  e   regular  o  fluxo…

Nos  bailaricos  que  se  armam  nos  terreiros  e  serões  só irá  buscar  rapariga   depois  de  servidos  os  confrades   mais  velhos.

As  obrigações  são  um  pouco pesadas, mas  têm  uma   contrapartida   que  vale  bem  o  sacrifício.

E, sobretudo, há  a  satisfação  de  ter  entrado  num   mundo  tantas  vezes  sonhado

Por  isso, quando, já  alta  noite, e  um  pouco  perturbado  pelos  vapores   do vinho,  regressa   a  casa, o nosso  herói  tem  a  sensação   nítida  de  ter  entrado  num  novo  estádio   da  sua  vida.

publicado por julmar às 21:20
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As Grandes obras do século XX – A Água VIII

Vimos em crónicas anteriores que, segundo acta da Junta da Paróquia de 1852 se decidiu sobre a exploração e o encanamento de água vinda do Buraco para o sítio do Pelourinho, onde se haveria de construir um chafariz. Afinal, a água não era assim tanta, e por mor disso e da falta de dinheiro, o chafariz ficou em águas de bacalhau. Coincidência de datas, o chafariz haveria de surgir, cem anos volvidos, em 1952 e julgou-se que seria obra, não para a eternidade, mas para muitos anos.

Os problemas no princípio começaram não pela falta de água, mas talvez pelo excesso, e pela deficiência de fundamentos científicos de hidráulica conjugados com a falta de conhecimento sobre questões gravíticas e fluxos e refluxos de ar comprimido em canos. Também poderia tratar-se de deficiência dos materiais vendidos pela casa Conde § Gião que à época vendia os tubos de lusalite. Certo é que, volta e meia, os canos rebentavam com óbvios transtornos à população que bem e depressa se habituara ao manancial aquífero e o adir de despesas concernentes à respetivas reparações. 

A partir de 1960, não por míngua de água, mas pelo excesso de gentes e gados, a exploração da terra cansada e exausta respondia com produções cada vez mais baixas. Escassez de trabalho para os jornaleiros e de jeiras para os lavradores. A exploração do minério chegara ao fim pondo termo ao contrabando do mesmo. Os forneiros já não tinham onde ir buscar giestas para aquecer os fornos. E se o forno deixa de funcionar lá se vai o provérbio de conforto para quase todas as desgraças: Haja saúde e coza o forno.

Por isso, há que sair. Os rapazes vão para a guerra ou fogem dela. Os homens deixam mulher e filhos, largam gado e terra e, a salto, demandam terras além Pirinéus. A França torna-se a terra prometida onde corre o leite e o mel a que ninguém, quase ninguém resiste.

Ei-los que partem 
novos e velhos
 
buscando a sorte
 
noutras paragens
 
noutras aragens
 
entre outros povos
 
ei-los que partem
 
velhos e novos

Ei-los que partem 
de olhos molhados
 
coração triste
 
e a saca às costas
 
esperança em riste
 
sonhos dourados
 
ei-los que partem
 
de olhos molhados

Virão um dia 
ricos ou não
 
contando histórias
 
de lá de longe
 
onde o suor
 
se fez em pão
 
virão um dia
 
ou não

                                                                                                                               Manuel Freire

O poeta sabia como era, não como seria. Hoje sabemos:

Nem ricos, nem pobres. Muito suor. E todos com histórias para contar.

O abandono da terra foi progressivo e quase total. A paisagem, que é o rosto da natureza, sem o cuidado do homem, seguiu a lei da selva onde na luta pela vida sobrevive o mais forte. E o mais forte nem sempre, diria quase nunca, é o melhor. Quando se perde a cultura, mesmo que seja a cultura dos campos (agricultura), é a humanidade que se perde.

Pois, mas que tem a ver isto com a água? Aprendi com o meu pai que era preciso ordenhar as vacas duas vezes ao dia, que, no tempo das regas, era preciso tirar, regularmente, a água do poço - deitar o poço, como dizia. As vacas dariam menos leite e acabariam por secar. O mesmo para o poço. Ora, aos poucos as terras ficaram incultas e presas e poços por deitar, levou bracejos, juncos e silvas a tomarem conta deles.

O Planalto das rasas das Moitas era o celeiro que fazia chegar o pão à mesa e era a floresta fonte de energia que, em forma de lenha, chegava à pedra de cada lar, à lareira em torno da qual se alimentava o corpo e a alma. Era aqui o altar da cada família onde se repartia o pão e o vinho.

As Moitas deixaram de ser decruadas, deixaram de ser estravessadas, deixaram de ser semeadas, tudo formas de lavrar o solo, de amaciar o rosto da natureza que se hidratava com as águas das chuvas e com os nevões invernais. O rosto endureceu de tal forma que as águas corriam apressadas para os ribeiros que à ribeira iam dar.

Por isso, a água que chegava ao chafariz foi diminuindo, diminuindo sempre até, no pino do Verão, não correr gota de água.

A natureza não se vinga, apenas segue as suas leis.

Porque o homem não respeitou a natureza ela negou-lhe o que sempre graciosamente lhe dera: a água.

E o impensável em 1960 aconteceu duas ou três décadas depois: as pessoas compravam garrafas e garrafões de água.

O Chafariz andou em bolandas daqui para ali sem saberem o que lhe fazer. O povo deixou de ter voz ou a voz que tem não se faz ouvir.

E lá acabaram por encontrar um lugar. Como se trata de gente que não conhece a história adulteraram um lugar que tinha a sua história. Ali era a   

eira do Buraco. Para quem lá colocou o chafariz era apenas uma lage. E não conseguindo, sol na eira e chuva no nabal, acrescentaram ao sol na eira, água na eira.

publicado por julmar às 11:04
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Segunda-feira, 6 de Maio de 2013

Uma noite de iniciações - Dr Leal Freire

A entrada  na  Confraria tem  o  seu  ritual   e  implica   algumas  cerimónias   prévias.

Primeiro, torna-se  necessário  obter   a  aquiescência   do maioral, por  regra o mais  velho  dos  solteiros  que, apesar   de  poder  fazê-lo quase nunca  decide  sózinho, mas   apenas depois  de  ouvir   os   do  conselho.

Consultado  o maioral   e obtido  o  seu   sim, o  candidato  a  solteiro  tem   de, respeitando   a ordem decrescente   das  idades, peticionar  o  acordo  de  todos  os restantes   membros  da  confraria, o  que  pode  tornar-se  complicado nos casos  de  recíproca  rixa  guedelha.

Para  o  petitório  há  mesmo   uma  fórmula:

 

Ao  que  venho, venho

E  não venho  a  mais  nada

Venho  pedir  licença

Para   entrar  na  rapaziada

 

Numa  outra versão  a  frase   final   será:

 

Para Pagar a Cantarada

Por  vezes, a coisa   embatuca, ou  por  rivalidades   de  família, ou por acessos  de  má  ciumeira - o  neófito  ter deitado  olho  a  rapariga  disputada  por  rival  já  instalado.

Para  desatar  o  nó, que  pode  tender  a  górdio, intervém  o   conselho  do  maioral, que  corta   a  direito.

Mas  a audição, um  a  um, de  todos os  membros   da  comunidade  é essencial.

Se algum  se   encontrar   ausente, por  motivo,v g, de  serviço   militar, ou  emprego  fora   da  terra, comumente   como  pastor  ou  ganhão, terá, por  igual, de  diligenciar  no  sentido  de  obter  dele  aquiescência.

E, caso curioso, mandam  os  canones  que, na impossibilidade   de  ouvir  directamente   o  próprio  solteiro, se  vá  a  casa  de  seus  pais, que  oferecendo   dois  copos  de  vinho, ouvirão   a  pretensão.

Terminadas  as  consultas, o  candidato  avisa   o  maioral  que  reune   a  rapaziada  para  marcar  o  dia, ou  mais  propriamente   a  noite, para  a  entronização.

Propícias são as  noites   de  inverno, entre  a  Santa  Catarina  e  a   Senhora  das   Candeias.

publicado por julmar às 18:52
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