Depois da gestas, das silvas e dos bracejos é a vez dos juncos. Estas plantas, tal como os bracejos aparecem sempre em touceiras. Trata-se de uma planta herbácea monocotiledónea, com caules cilindricos e flexíveis, com medula esponjosa, flores hermafroditas. Gostam de terrenos húmidos, razão porque as encontramos à beira das ribeiras, ribeiros e zonas alagadiças. Quando aparece circunscrita em tapadas ou em sítios de maior elevação (nos olheiros, por exemplo) é sinal de presença de água a pouca profundidade. Vacas, burros, cabras e ovelhas não o têm como alimento preferido, a menos que a fome a isso obrigue, nem é um elemento desejável mum lameiro de qualidade.
Utilização:
Para cama do gado
Dada a sua flexibilidade era utilizado para tecer cestaria, assentos de cadeiras e esteiras
Para atilhos
Quando a igreja não tinha bancadas, dado o lajedo granítico ser frio eram utilizadas esteiras feitas de bracejos ou de juncos. Nas actas da junta da segunda metade do século XIX, vem referido que o sacristão fica incumbido de «juncar a igreja» que, no meu entender, seria cobrir o chão de juncos para que assim se tornasse mais quente.
Depois que, em 1855, foi extinto o concelho de Vilar Maior, a povoação continuou até aos nossos dias a designação de Vila. Os habitantes das freguesias que pertenciam ao concelho continuam a dizer que vão ou foram à vila. Os centros administrativos nunca foram bem amados pelos fregueses porque ali iam para prestar contas das suas vidas e levar impostos e receber coimas. A acreditar no dito a generosidade dos residentes não era virtude comum: Se fores à vila, leva pão e mantila. Terras fracas e esassas, caminhos ruins, ferramentas rudimentares tornavam a vida numa luta de sobrevivência. É isso, também, que nos mostram as actas da Junta de freguesia da segunda metade do século XIX. As pessoas qualificadas que sabiam ler e escrever eram poucas, pelo que a rotatividade dos cargos administrativos (e outros) era reduzida. Por exemplo, o Presidente da junta é, ininterruptamente, o reitor José Inácio de Farias de 1850 a 1864 com vogais que se vão sucedendo em mandatos bienais::
- Jose Maria Cardoso e Francisco Ferreira Franco
Joze Ribeiro Leitão e Candido Osório da Fonseca
Jose Maria Cardoso e António Alves
Jose António Gatta Regueiró e Jose Francisco Ferreira
Jose Antonio Gatta Regueiró e Francisco Ferreira Franco
João Antonio Ferreira e Francisco Ribeiro Leitão
Jose António Gatta Regueiro e José João Vasconcelos
João António Ferreira e Joze Fernandes
Vicente Dias e Bernardo Gatta
Além dos membros da Junta, estão presentes nalgumas sessões o Regedor e cidadãos, estes quando se trata de tomar decisões mais importantes, assinando (os que sabem assinar), no fim.
Os cargos da paróquia, sem contar com os cargos da Irmandade da Misericórdia:
Cargos na Paróquia
Junta da Parochia: Presidente, 2 vogais, Tesoureiro (1600 reis em 1862), Escrivã0
Secretário da Junta, em 1864 – 5,000 reis
Regedor
Secretário do Regedor (1878 – 13,400) e era de 5,000 reis em 1864
Pároco e
Sacristão – 8,500 em 1862
Encarregado da Lâmpada (em 1878 – por meio ano 1,000)
Para os guardas do montado (1864) 22,250
O prazer do estudo do passado é um pouco semelhante ao trabalho de um detetive que vai descobrindo informações, mais ou menos soltas, as vai relacionando até encontrar um caminho. No presente caso, trata-se de uma viagem ao passado, na tentativa de reconstruir o modo de vida de uma comunidade cujo suporte geomorfológico se mantém inalterado desde a presença dos primeiros homens que por aqui teceram as suas vidas. São os mesmos rios, são os mesmos vales, são as mesmas montanhas; é o mesmo o ciclo dos dias e das noites e das estações dos anos; o firmamento é o mesmo com todos os corpos celestes nas posições relativas que sempre tiveram.
É neste palco que se faz a representação.
Até os homens nas diferentes gerações, sendo diferentes, têm uma genética igual que os irmana: Trabalham, descansam, divertem-se, amam e odeiam, disputam, lutam, intrigam, exploram, colaboram, matam. Enterram os seus mortos. Contam as histórias que os seus avós lhe contaram. Comem, rezam e fornicam. Os homens sempre os mesmos, nem melhores nem piores; nem mais inteligentes nem mais estúpidos. Os homens ainda não descobriram – felizmente? – modo de ser diferente; apenas descobriram maneiras diferentes de fazer o que sempre fizeram.
E criaram regras para que não se devorassem inutilmente uns aos outros.
http://capeiaarraiana.pt/2014/01/16/melhor-queijo-de-cabra-e-da-lactibar-de-rendo/
Etnobotânica é uma ciência que estuda simultaneamente as contribuições da Botânica e da Etnolgia pondo em evidência a interação entre a sociedade e o mundo das plantas. Esta relação interativa era muito evidente nas sociedades rurais como a de Vilar Maior. Todas as plantas, de uma forma ou outra, são recursos utilizados pelo homem.
Os bracejos são plantas filiformes que existem em toceiras e em zonas bastante demarcadas de média altitude e em terrenos secadais. São um alimento muito apreciado pelas vacas.
Aqui na vila, como noutros lugares, os que se dedicavam à tecelegem de vegetais usavam o bracejo para fazer esteiras apra utilização doméstica (e, no tempo que não havia bancadas na Igreja, para se ajoelharem) e cestaria vária. E, sobretudo, como vassouras um dos usos que ainda continua a ter.
De folhas finas e altas, à mais leve brisa, abanam como se de braços esguios se tratasse, esbracejando. Quem sabe se não vem daí o nome bracejo. São mais visíveis na paisagem quando no centro se eleva um robusto colmo que dá uma esparsa espiga.
Os garotos aproveitavam esse colmo para fazer um instrumento de sopro.
As silvas Género Rubus, família das Rosáceas. O Género Rubus, sendo dos mais diversos do reino vegetal, contempla um leque muito alargado de espécies, desde as selvagens até às cultivares de frutos comestíveis que foram domesticadas e selecionadas.
A palavra silva significava no latim selva, floresta e veio a dar origem ao sobrenome mais usado em Portugal, tendo-o exportado para o Brasil onde ocupa também o primeiro lugar. Há Silvas por todo o lado.
A silva é um arbusto invasor e, não lhe deitando mão, alastra, multiplica-se, cresce, por todo o lado lança raizes. O seu doce fruto de que as aves se alimentam leva as sementes a toda a parte. Para as cabras e ovelhas constituía um belo repasto e travavam o seu ímpeto invasor. Os agricultores limpavam-nas com as roçadoiras e bardavam as paredes com elas. Hoje crescem livremente pelos campos, ornam os caminhos de um lado e doutro até impedirem a passagem e até na povoação casas que fecharam estão cercadas de silvas. Silvas e giestas não disputam o território porque têm as suas preferências e convivem bem mas são quem mais ordena.
Até que alguém se lembre que as silvas dão um excelente fruto e que pode ser mais do que um hobby colher amoras e fazer uma compota. Há empresas que se dedicam à produção de amoras com grande rentabilidade. Com efeito, a mora constitui um fruto de excelência pelas propriedades que tem:
AMORA (Morus alba L. ou Morus Nigra): As folhas são empregadas no combate ao diabetes e às pedras nos rins. Recentemente descobriu-se ser muito útil na reposição hormonal. É também laxativa, sedativa, expectorante, refrescante, emoliente, calmante, diurética, antiinflamatória e tônica. Popularmente é indicada para problemas da pressão sanguínea, tosse, inapetência, prisão de ventre, inflamação da boca, febre, dermatoses, eczemas, erupções cutâneas. São conhecidas duas variedades alba e nigra. A segunda com frutos negros e a primeira com frutos brancos. No século XVI, na Europa, se empregavam tanto os frutos como a casca e as folhas da amora negra. O fruto para as inflamações e hemorragias, a casca para as dores de dentes e as folhas para as mordidas de cobra e também como antídoto de envenenamento por acônito. O chá de Amora é conhecido como regulador natural dos hormônios, por isso é amplamente indicado nos sintomas da menopausa. :
É usado popularmente para combater a osteoporose e como tônico muscular nas práticas desportivas, por possuir alto teor de potássio. Depurativo do sangue, anti-séptico, vermífugo, digestivo, calmante, diurético, laxativo e refrescante.
E em terra de cesteiros lembramos que a silva era matéria prima para fabrico tapetes, cestas, etc
As giestas, ou gestas na vila, são tão comuns que dificilmente nos apercebemos de quão importantes são e, sobretudo, de quão importantes foram no passado. Mesmo os académicos e interessados no mundo vegetal parece não lhe atribuir grande importância como poderá confirmar se experimentar uma procura no Google. Mesmo a Wikipédia, essa enciclopédia que cresce a cada dia, não diz mais que:
«Giesta é a designação vulgar de várias espécies botânicas arbustivas pertencentes à tribo Genisteae sobretudo dos géneros Spartium, Genista eCytisus, mas também outros géneros menores», acrescentando a foto e classificação que se segue:
Classificação científica | |||||||||||
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|
Porém existem para cima de 25 géneros de giestas, sendo que a mais comum na vila é a da maia branca, seguindo-se a da maia amarela, conhecida popularmente como gesta negral.
Ora, quase que poderíamos dizer que até aos anos sessenta doséculo passado a vida seria muito difícil sem esta planta arbustiva que crescia apenas onde não estorvava a agricultura: nos cabeços e nas beiradas dos muros. O seu principal uso, era sem dúvida como combustível. Não haveria lar sem lareira, essa pedra onde o lume da família nunca se apagava. Era a lareira o centro do lar, o lugar onde se aqueciam os corpos, onde se cozinhavam os alimentos, onde a luz se acendia na noite e, onde, por mor dos cuidados do corpo se alimentava a alma com a conversa, com o desfiar de histórias, com rezas pelos vivos e pelos mortos. Ora, para quem é da aldeia (no tempo em que não havia acendalhas) sabe bem que não há modo de apichar o lume sem uma raminha de gesta, ou um braçado delas para fazer arder a lenha mais grossa. Iniciar uma combustão não é fácil sem a criação das condições necessárias e suficientes. Se a gesta fosse verde, se a gesta estiver molhada, se estiver verde e molhada, nada a fazer. Papel mesmo de jornal era uma raridade, palha era mal empregada.
Além das lareiras, eram ainda as gestas que alimentavam os três fornos públicos que coziam o pão toda a semana noite e dia. E, quando foi no início da emigração a exaustão e recursos era tanta que os forneiros já não sabiam onde procurar gestas para aquecer os fornos. Porque além de combustível, seu principal uso, as giestas eram, quando tenras, alimento de cabras e ovelhas; eram usadas, na escassez de palha, usadas para fazer a cama ao vivo, tendo assim também uma função de fertilizante.
Tinham também usos ligados ao sagrado como era o caso do toco (fogueira) do natal e no caso das variedades Bela-luz e Rosmaninho usadas para fazer as feiras do S. João.
Hoje são um elemento dominante na paisagem sobretudo na época da floração em que alguns cabeços vestidos de branco, semelham um grande nevão. A razão deste domínio na paisagem é a ausência de cabras, de ovelhas e de agricultura, aliada ao fato da facilidade de propagação das sementes e da facilidade de reprodução e crescimento.continuam a ser, sem dúvida, o principal combustível, mas agora dos incêndios que pintam a paisagem a preto.
Outros usos menores, ainda que importantes: Serviam para fazer nagalhos, preferindo-se para o efeito as negrais; a sua casca verde servia para fazer ataduras; a sua parte lenhosa para fazer sonivas; serviam para infligir castigo aos animais e às crianças quando eram transformadas em fustigas; a fustiga era o principal instrumento do jogo designado A Fustigada; Serviam ainda como vassouras para varrer ruas, eirados, etc.
Ainda que importante não me consta que apareça nas canções populares.
Aprendíamos na escola primária de há cinquenta anos que a Natureza se dividia em três reinos: mineral, vegetal e animal, sendo o homem o rei da criação. O que é verdade para a natureza, em geral, é verdade para a Vila e para a humanidade da Vila que aqui se construiu ao longo dos tempos. E também aqui se respeitou as leis gerais da vida, entre elas a da conservação da mesma que supõe a adaptação que no homem é uma adaptação ativa e criadora. Na luta pela vida o homem adapta-se ao meio ao mesmo tempo que o transforma e domestica para o responder às suas necessidades. Ora, é nesse sentido que queremos dar conta do reino vegetal nesta comunidade procurando fazer um levantamento das plantas e dos usos que o homem lhe dava, isto é, da interação entre o homem e o mundo vegetal. O que se vier a escrever sobre o assunto não tem pretensões científicas nem exaustivas, mas tão só ajudar a compreender um pouco melhor este microcosmos onde a natureza e a cultura teceram uma comunidade singular que se construiu ao longo do tempo. Estudar as plantas nos seus usos é um ponto de partida para um conhecimento holístico pois que implica a mediação do homem com todo o meio natural e social. O homem alimenta-se de plantas, cura-se com plantas, produz energia com plantas, abriga-se com plantas, constrói instrumentos com plantas ... O homem não vive sem plantas, mas em cada lugar as plantas são diferentes e diferente é o modo de as usar. Em curtos posts, pretendemos ao longo de 2014, falar da Vila através do mundo vegetal. Contamos a colaboração dos que souberem, puderem e quiserem.
No primeiro quartel do século passado, viveu numa das aldeias do antigo concelho de Vilar Maior um honrado lavrador, mais que meão e a tender mesmo para riquechito que se distinguia pelo seu fervor de católico apostólico e romano.
Tinha duas juntas de vacas e contratava para o seu manejo dois ganhões.
Estes junguiam os animais alta manhã, mas só seguiam para a arada ou carreja depois de assistirem todos os dias a missa inteira, na qual o patrão tomava a sagrada partícula.
Tinha também um pastor que lhe guardava anediado rebanho de cerca de cem cabeças churras e uma dezena de cabras.
Zagal e reses recolhiam ao aprisco ou chão a estercar perto e à vista de casa
domingos e dias equiparados para que o assoldado cumprisse os preceitos da Santa Madre Igreja.
Na sua corte das vacas, quente pelo bafo de meia dúzia de animais, asseada por constantes malhadas de palha centeeira e alumiada por dois candeeiros a petróleo fazia-se serão, frequentado quase por meio povo. Reinava ali a moral e não se consentia a má lingua.
Um homem de idade que aprendera a ler na tropa e que, muito inteligente e aplicado, comprara livros de lendas,l ia algumas a meio da seroada, assim entretendo e ilustrando o poviléu.
Imprescindível era a reza do terço em que o regra era o próprio Cremos Deus.
Lavrador de teres e haveres, não esquecia, mesmo nas laudes, as obrigações terrenas.
O que, por vezes, dava origem a cacofonias hilariantes, nos padre-nossos e ave-marias.
Estava-se no primeiro e chegara-se aquele ponto – Padre Nosso que estais no Céu, santificado …
Aqui suspendeu a oração para perguntar a um dos ganhões onde metera ele o óleo de untar os eixos do carro.
Este respondeu: Foi no corno.
O homem beato confimou e continuou:
Corno seja o vosso nome
Delheres outra vez, o hiato foi na Ave-Maria
E parou naquele ponto – Bendita sois vós - quando se lembrou de perguntar ao outro criado, se deitara palha na cama dos porcos
Ante uma resposta negativa, continuou
Havias tu de dormir como eles – entre as mulheres
No meio das tarefas, cantava-se o Cremos Deus.
Mas o coro, por ignorância dizia, em vezes de Homens ingratos, homens e gatos.
Muito religioso, foi a intempestade cultual que lhe criou o segundo cognome
O de Porra Povo.
Já vos conto, justificava ele.
Em dia do orago, viera a aldeia o prelado diocesano.
Acabada a procissão da tarde, a que o Senhor Bispo presidiu, começou o vivório
Vivam os músicos. Viva o Fogueteiro. Vivam os mordomos que entram. Viva o senhor Vigário.
Eram vivas e mais vivas
Mas ninguém se lembrava do Prelado.
Então, gritei bem alto:
Viva também o Senhor Bispo, Porra Povo!
O cardo, essa bela flor roxa defendida numa corola de espinhos, e o fato do mesmo se encontrar em extinção - quem me arranja uns pézinhos para plantar? - mostra como todo o ecossistema da vila se transformou. O leite eos seus derivados - o queijo, a manteiga e o soro - constituíam um dos fortes pilares da economia e da alimentação da população. O lavrador com a junta das vacas, uma piara de ovelhas e meia dúzia de cabras, tinha leite (que antess 1970 não era recolhido) que dava para consumo da família, para vender um litro a um ou outro que o não tivesse e todo o resto era transformado em queijo. Até os mais pobres tinham uma ou duas cabras, o suficiente para os abastecer de leite e fazer algum queijito. Era uma tarefa de todos os dias para a mulher do lavrador - fazer o queijo, por vezes mais do que um. Foi assim, até chegar, na década de 70, a Martins e Rebelo de Vale de Cambra, a fazer a recolha do leite. A par das receitas da emigração, a venda do leite representava um rendimento seguro e generoso.
A economia da vila era feita de uma enorme diversidade de pequenas coisas que permitiam que uma densa população vivesse(ou sobrevivesse) com recursos quase exclusivamente endógenos. Era todo o trabalho a montante de produção do leite, era o vazilhame necessário ao mesmo e à produção do queijo que requeria o trabalho de latoaria - ofício a cargo de Albino Leonardo e esposa: As latas, os copos, as francelas, os acinchos, etc, no tempo em que o vidro era escasso e o plástico ainda não chegara.
E com o queijo estava completa a trilogia: Com pão queijo e vinho já se anda o caminho. Mas, se forem de excelência, dizia um amigo meu, mais do que as provas de S. Tomás de Aquino, são a melhor prova da existência de Deus.
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