( de um poeta da Vila)
À curva das cerejeiras, o horizonte ermo, silencioso;
e ao longe, o recorte cinza das colinas.
O vermelho dos primeiros telhados assoma na paisagem.
As árvores e os lameiros descem a prumo sobre a ribeira,
onde as águas correm no açude fugidias...
Há séculos. Que mimoso quadro!
Há momentos assim que param o tempo…
É esta a memória que guardo
dos passos do meu avô a extinguirem-se à curva das cerejeiras
, nas áleas da minha infância...
O lume do cigarro de enrolar a morrer-lhe na mão e aquele
– Queres um cigarro meu anjo?
O ruído dos passos naquele dia,
apagou-se no ar com uma nuvem de pó...
No último instante um chapéu acenando:
- Adeus meu anjo!
Ele já não existe.
As cerejeiras, entretanto secaram.
Mas ainda vejo uma jaleca preta afastando-se no horizonte ermo, silencioso...
E um vulto apressado que acena:
- Adeus meu anjo!
Da curva das cerejeiras da minha infância, aceno-lhe também:
-Adeus avô!
Faleceu no dia 21 do corrente mês, no Hospital de Santa Maria (Lisboa), o nosso conterrâneo Henrique Valério Silva, filho de Manuel Alves Silva e de Elvira dos Santos Valério. Assim recebemos a notícia postada no grupo de Vilar Maior (Facebook), postada por Carlos Marques.
A Vila não morre apenas quando os residentes nela morrem mas sempre que parte um seu filho, esteja onde estiver. O Henrique partiu para Lisboa pelos finais da década de 50 do século XX. Nessa época a Vila tinha gente a mais e recursos a menos. A exploração do minério que gerou trabalho de dia, na exploração, e de noite, no contrabando, aportou dinheiro para todos mas a muito poucos riqueza perdurável. Fechadas as portas da emigração, muitas famílias rumaram a outras terras do continente, sobretudo a Lisboa cuja periferia começaca a crescer. Antes que, a salto, começasse a saída para França, algumas famílias estabeleceram-se nos arredores de Lisboa. Foi assim que o Henrique, calculo que antes de terminar a escola primária, demandou Lisboa com a família. O Henrique, quando vinha à Vila, na sua sociabilidade e simpatias naturais, gostava das pessoas e prontificava-se, com um saber fazer muito prático, a resolver um problema de uma fechadura que não dava à volta ou a caturrice de um motor de rega que não havia jeito de pegar. Eu desconhecedor das artes mecânicas ficava de boca aberta com tais sucessos. Era assim o Henrique: os problemas da vida tinham solução.
A todos os familiares as minhas condolências.
De todas as árvores grandes da minha infância, a Moreira (não se trata de erro, não tinha o a inicial) do Curral Grande era mesmo muito grande: com um tronco não muito alto mas muito grosso, rodeado de umas pedras grandes que, deste modo, facilitava o arrupar-se até aos enormes braços que sucessivamente ramificados formavam uma copa enorme. Tudo ali era grande: a entrada sem portão, o curral, a amoreira e a velha casa, ao tempo abandonada, onde terá havido grande riqueza. De modo que, ainda que sendo propriedade privada estava assim como se de todos fosse. E a moreira de todos era no tempo das moras. Sobretudo dos garotos que aí supriam o açúcar que em casa mingava. E a minha avó Joaquina, numa idade em que já não podia, nem ficava bem ir por elas, dizia: -Ó Júlio, vai-me lá colher um pucarinho de moras! E lá vinha eu contente e pintado com a encomenda. Esta velhíssima árvore, talvez do tempo em que os reis quiseram o incremento da produção de seda e incentivaram a sericultura mandando cuidar do seu principal obreiro o bicho da seda .
Existe ainda um conjunto de amoreiras no Chão da Ponte que devem ser muito antigas e acabaram na toponímia da rua onde moram: As Amoreirinhas. Rua que em tempos era rua principal de acesso à cidadela a quem vinha de leste. Uma outra, recente, que os meus olhos viram crescer, encontra-se, em propriedade que foi de José Fonseca (Laranja) e que se implantou na paisagem onde outrora foi sítio de uma atalaia. Mas a paisagem muda.
Vezes sem conta, passei por esta aldeia, na estrada principal e sempre achei muito típicas as rústicas habitações que ladeiam a estrada e as esculturas construídas a partir de alfaias agrícolas, testemunhando o labor destas gentes. Desta vez, resolvi mesmo passear pela aldeia. E perguntei-me como é possível que nunca o tenha feito antes. Na verdade o que suscitou a minha curiosidade foi a publicação da fotografia (da autoria de A.I. Tony) de uma janela, no Facebok. Se quer ver casas tipicamente beirãs não vá à Bismula, não vá a Vilar Maior, não vá a Alfaiates. Vá a Aldeia da Dona. As casas são, quase todas, de rés-do-chão e andar com uma escadaria de acesso a um balcão que, em muitas, está coberta por um alpendre. Por baixo da escadaria poderá estar sedeada a cortelha do marrano ou/e o poleiro das pitas. Poderá haver um curral e também um cabanal. São, tipicamente, as casas dos lavradores. Não encontramos aqui como em Vilar Maior um vasto conjunto de casas térreas - Cimo da Vila- um considerável número de casas térreas onde moravam jornaleiros e artesãos. Surpreendeu-nos depois o número de janelas trabalhadas e desfeiadas pelo restauro em ferros pintados de cor berrante, blocos de granito verdadeiramente colossais. Pesa-nos que a administração municipal permita licenciamentos de construções e restauros que desfiguram este património tão belo e que o poder político deixe morrer o interior que foi sustento do país.
Veja-se o gigantismo do bloco de granito
A Janela. Colossal o bloco de granito
O musgo teceu uma alcatifa verde
Pormenor que faz a diferença - a descarga
Uma casa num estado assim, mete-se connosco
Contrastes
Os nomes dos lugares - os topónimos - são assim porque alguém os precisou de lhes dar uma identidade e para tal recorreu a elementos que servissem para tal, um ribeiro, uma penedia, determinado tipo de vegetação, a configuração da paisagem, enfim, qualquer elemento relevante. Às vezes, bastava a existência de uma árvore rara, como era o caso do Castanheiro existente na estrada que vai para Aldeia da Ribeira (à casa do Mário Cerdeira). Outras vezes, o nome perdura para além da realidade que lhe deu o nome como é o caso do lugar Vale de Castanheiros onde já não existe nenhum. Na geografia dos lugares da Vila, havia O Canto que era o nome dado a todas as casas que estavam a seguir à Capela do Senhor dos Aflitos em direção às Eiras. E no Canto havia As Nogueiras que, em fila, bordejavam o caminho que aí se iniciava para O Prado, Vales,Rebolal, Sangrinheira, Mogueira e podia conduzir a Aldeia da Ribeira. Neste caso, desapareceram as nogueiras, desaparecerá o topónimo e desaparecerá, mais rápido ainda, esta breve memória escrita.
Todos guardamos da nossa infância a memória de uma ou algumas árvores especiais. As árvores são seres tão extraordinários que , às vezes parecem guardar todo o mistério da vida. Se é da Vila e da minha geração lembrar-se-á das que vou referir e poderá acrescentar as suas.
Os ciprestes das Portas são de todas as árvores as que mais vivamente se gravaram em mim, talvez porque faziam parte da minha visão quotidiana quando, logo pela manhã, perscrutava o estado do tempo. Prantados nas Portas, esse magnífico hall de entrada na Vila, como que em dois jarrões - um na cerca do sr José Pedro, o outro no jardim adstrito à Casa das Rebochas - eles são os guardiões do povoado. O vento é quem lhes tira a mudez. Hirtos, parados, quietos,vestidos de um verde escuro sempre igual, entram no azul do céu, esquecidos das raízes fundas que os prendem à terra, e, meditativos, gozam a calmia do equilíbrio dos elementos da natureza. Agitados por brisa ligeira curvam suave para lá e para cá como se embalassem sono de criança ou, em ritual de vénias saudassem quem chega ou regressa, dissessem adeus a quem parte por tempo ou para sempre. Mas se o vento os manda, enfurecem-se, contorcem-se de tal maneira que só a fibra rija de que são feitos impede a desintegração dos seus corpos. Depois, novamente, na quietude do seu ser, continuarão de pé a ligar a terra ao céu e a testemunharem secularmente os que vão, os que vêm, os que partem.
Brasão de armas tradicional da família Monteiro
Lembro-me de ouvir, com frequência, o meu pai a tirar parentescos antigos. Ora, o que acontecia em tempos em que raras eram as mulheres que saíam da aldeia, ou se o faziam, era por casamento numa das aldeias confinantes, e os homens saíam, alguns, para ir à tropa para quase todos voltarem a regressar, criava uma endogenia de sangue e de nomes. Daí resultava que quase todos são parentes de todos se subirem alguns ramos da árvore genealógica. Se formos aos sobrenomes dos homens (dados do século XX), já o aqui escrevemos, o sobrenome mais frequente nos homens é Fenandes. No que respeita aos sobrenomes femininos o mais frequente é Monteiro (92) contra apenas 46 nos homens. Já sabemos que os sobrenomes não têm género mas, aqui na vila, os sobrenomes masculinos passam a feminino quando aplicados a mulheres: os homens são Monteiros e as mulheres Monteiras.
E não há terra vizinha onde não haja Monteiros
<p>A palavra "monteiro" tem por significado "s. m. 1. Guarda de montados, matas, coutados. 2. Caça Caçador de monte. adj. 3. De monteiro ou da montaria. A profissão de monteiro remontaria aos princípios da monarquia portuguesa, quando se tem notícia do cavaleiro Rui Monteiro, monteiro-mor de D. Afonso Henriques; os genealogistas o consideram o primeiro portador atestado do apelido.
(in Wikipédia)
Seria interessante imaginar Duarte d'Armas, o desenhador do rei D. Manuel I (o mesmo que concedeu Foral Novo a Vilar Maior), instalar-se algures numa casa, talvez a de Luís Bastos - no Curral Grande -, dar um passeio prospetivo em torno da povoação indagando o sítio de onde haveria fazer os respetivos debuxos. Terá olhado do cabeço do Arreçaio, terá olhado do ponto mais alto da Filipa e ter-lhe-ão parecido os melhores sítios a partir dos quais faria os desenhos da fortaleza. Impressionante o trabalho deste homem que percorreu as fortalezas fronteiriças para no final apresentar uma obra excecional - O Livro das Fortalezas - que para além da utilidade militar que tenha tido, continua a ser um documento histórico e artístico de grande valia.
D. Gaspar Rego da Fonseca foi, sem dúvida, o vialrmaiorense que mais alto cargo ocupou na hierarquia da Igreja.
1. Introdução Tendo morrido, em Lisboa, a 13 de Julho de 1639, D. Gaspar do Rego da Fonseca (1576-1639)1, bispo do Porto de 1632 a 1639, cuja notícia chegou ao Porto em 22 de Julho3, deu-se início, na Diocese do Porto, a um longo período de Sede Vacante4. Com a recuperação da independência, em 1 de Dezembro de 16405, as relações entre Portugal 1 D. Gaspar do Rego da Fonseca (ou d’Afonseca), nasceu em Vilar Maior, bispado da Guarda. Era filho de Daniel do Rego e de D. Leonor da Fonseca. FERREIRA, 1924: 238-242; ALMEIDA, 1968: 650. 2 1636. Agosto. 17: Auto de posse do bispo D. Gaspar do Rego da Fonseca Posse do Illustrissimo Senhor Bispo D. Gaspar do Rego da Fonseca a 17 de Agosto de 636. Aos dezasete dias do mês de Agosto de mil seiscentos trinta e seis annos estando em Cabido para este effeito chamados todos os capitulares presentes na cidade foraõ appresentadas todas as Bullas de provimento deste Bispado das quaes constou o Papa nosso senhor fazer graça deste dito Bispado do Porto, e serem passadas as Bullas delle a nove de Junho passado deste presente anno de seiscentos trinta e seis, em favor do Illustrissimo e Reverendíssimo Senhor Dom Gaspar do Rego da Fonseca, e assi constou teria tomado livremente ante o Illustrissimo Dom Rodrigo da Cunha, Arcebispo de Lisboa, e estar satisfeito a todo o necessário para se lhe aver de dar posse e soceder neste Bispado per morte do senhor Fr. João de Valladares bispo que foi delle: o que assi todo visto mandarão dar a dita posse deste Bispado a qual tomou o Reverendo Cónego João Marques da Cruz Procurador bastante do Illustrissimo Bispado. De que se fes este termo que todos assinarão os que presente forão em Cabido no dito dia declarado. João Rodrigues de Araújo Cónego Secretario o escrevi. A.D.P., DIO/CABIDO/011/1579, fl. 72-72v. 3 Seê Vaccante por falecimento do Senhor Bispo Dom Gaspar do Rego da Fonseca que faleceo em Lisboa a 13 de Julho de 639. Aos vinte e dous das do mês de Julho do anno de mil e seiscentos trinta e nove as duas horas da tarde chegou nova de como falecera da vida presente o Senhor Bispo Dom Gaspar do Rego da Fonseca na cidade de Lisboa a treze do mesmo, e logo pelo presidente e mais capitulares abaixo assinados s assentou que antes de tratar doutra cousa se fizessem os sinais e oficio e missas na forma do Estatuto, amanhã sabbado vinte e três do mesmo, e que depois se tratara do mais que pertencer ao Governo do Bispado: e por verdade mandarão fazer este termo a mim João Rodrigues de Araújo Cónego Secretario que o escrevi. A.D.P., DIO/ CABIDO/011/1579, fl. 7
In, A Sé do Porto na Sede Vacante de 1639 a 1671: obras e artistas Joaquim Jaime B. Ferreira-Alves
. Requiescat in pace, Júlio...
. Requiescat in pace, Quinh...
. Famílias da Vila - Osório...
. Rua Direita, quem te troc...
. Requiescat in Pace, José ...
. Centenário da capela do s...
. Requiescat in pace, Manue...
. Paisagem humana - A Vila ...
. badameco
. badameco
. o encanto da filosofia
. Blogs da raia
. Tinkaboutdoit
. Navalha
. Navalha
. Badamalos - http://badamalos.blogs.sapo.pt/
. participe, leia, divulgue, opine