Entre os muitos modos e jeitos como se podia ser, alguns dos que na Vila se observavam e diziam:
Agarrado: Uma forma de designar um dos sete pecados mortais próprio do unhas-de-fome - a avareza.
Aldeaga: Diz-se da pessoa estroina, de carácter alegre e folgazão que não para quieta. Pela provável origem etimológica – aldeia+ago – será aquele que anda de aldeia em aldeia para se divertir.
Alma do diabo: São aquelas que são levadas do diabo para a brincadeira ou para as artes do demo.
Alma de cevada- A cevada era um dos alimentos com que se cevava o porco ou marrano. Almas de cevada eram os judeus a quem chamavam marranos e, por extensão aos que traticavam ações, sujas, baixas, isto é, que faziam marranadas.
Alterado: Cuidado com o homem que assim está! Tudo pode acontecer porque tudo pode fazer aquele que está fora de si, que está transfigurado, que parece o diabo em figura de gente. E pode acontecer a qualquer um perder as estribeiras.
Bebe águas: Trata-se de um homem de pouca valia.
Bitarda - Diz-se em vez de abetarda; forma de denominar as mulheres de vida duvidosa.
Bodego: O que vive na bodega, isto é na porcaria. Da família de bodega, adega e da hoje considerada chique botica. As voltas que a língua dá.
Burgesso - Insulto equivalente a animal, besta. Indivíduo grosseiro, estúpido e ignorante; calhordas.
Coirão : Diz-se da mulher de má reputação que vive de expedientes ou mesmo da prosituição; cordavão.
Cordavão: Ofensa grave dirigida à mulher. O m. q. coirão. Terá a ver com a arte eminentemente moira de curtição
Entolhoso: Diz-se do que cobiça uma comida alheia
Ferrenho: Obstinado, intransigente; Diz-se também dos cães que são muito maus e, são-no quando os açugam. O mesmo que fanático
Freganço: Assim se designavam os panos para lavar a louça. Quando alguém era maltratado ou tratado como uma coisa por outrem dizia-se que era um freganço nas mãos de; ou se perguntava a si: mas ele pensa que eu sou algum freganço?
Furdano ou safurdano: Indivíduo que não se cuida da aparência e que trabalha, trabalha, trabalha... mesmo no dia do Senhor
Galdéria: Mulher de baixo estofo, de baixa moral, amiga de se divertir, de folguedos, meretriz.
Galego: Os galegos são por aqui tratados muito depreciativamente; grave injustiça já que eles terão dado um contributo importante no repovoamento da região de ribacôa e repovoar não era apenas seguir o mandamento bíblico do crescei e multiplicai-vos mas também aqueloutro que diz: ganharás o pão com o suor do teu rosto o que nestas inóspitas terras se conseguia trabalhando como um galego
Grencho – indivíduo que tem o cabelo em forma de anéis, encaracolado
Lambisgóia: Diz-se das mulheres que metem o nariz onde não são chamadas e que especializadas em mexericos arranjam cada trinta e um que só visto.
Lampeiro: As figueiras dão duas camadas de figos: a primeira são os lampos e a segunda são os vindimos. Os primeiros vêm numa altura em que a fruta escasseia e por isso são intensamente desejados. Daí que o lampeiro seja o primeiro a querer chegar ao que for agradável
Langanha: Diz-se da pessoa fraca ou pouco trabalhadora.
Langonha: Indivíduo que trabalha muito de vagar e; por vezes, com ronha.
Lapuz: Derivado de lapa, diz-se do indivíduo sem maneiras, do que é rude. Bruto como uma pedra
Malcriado: Por aqui a boa e má educação tem a ver com a maneira como os pais criam os filhos quando a educação era uma função primeira e última da família.
Malmandado: Diz-se daquele que não é obediente. Por aqui, sem se saber, já se sabia que o único pecado é a desobediência.
Marrano: Os que tinham uma tulha de batatas, arcas cheias de pão, um tonel de vinho e um marrano na salgadeira têm é que dar graças ao criador. Da designação atribuída aos judeus passou na região das Beiras a designar o porco. Marrano é um vitupério aplicado às pessoas porcas, ou àquelas que só pensam nos bens terrenos. Um trabalho que está mal feito diz-se que está uma marranada.
Melado: Que a palavra venha de malado - o que vive numa maladia, isto é, aqule que trabalhava em terra solarenga sujeita a encargos feudais - ou da palavra francesa - maladie que significa doença, já que as palavras dão muitas voltas, por aqui melado dizia-se daquele que manhosamente se fazia desentendido e assim levava a água ao seu moinho ou puxava a brasa à sua sardinha que tudo são formas de cuidar de si.
Pachacho: Pouco hábil; incapaz.
Papalvo: Género de pasmado ou lorpa
Parjem: De pajem; Indivíduo dado a salamaleques sempre pronto a lamber as botas aos superiores.
Pelga: Deus nos livre delas: são indivíduos que tomam conta do tempo dos outros como se dele fossem donos; não se calam, dizem a mesma coisa vezes sem conta, são chatos até dizer basta
Pião das nicas: Quando se jogava ao pião o jogador que perdia tinha um segundo pião mais velho para aguentar as nicas ou chichas a que os vencedores tinham direito. Havia indivíduos que pareciam o pião das nicas.
Pinóia: Galdéria; mulher vadia.
Rela: Brinquedo de criança; Reladoiro; Pessoa maçadora; Pelga.
Solano: Diz-se do indivíduo apalermado
Triteiro: Titereiro ou titeriteiro são palavras que se há-de convir são de difícil pronúncia pelo que o povo daqui resolveu simplificar e chamar triteiros ao que os dicionários dizem ser títeres, isto é, bonecos que se movimentam por meio de cordéis ou engonços mas que por estas bandas eram pessoas reais que se pareciam mais a atores de circo que, de terra em terra, no largo principal da aldeia, executavam números vários alguns dos quais os aproximavam daquilo que a mitologia denominava de titãs: Deitar labaredas de fogo boca fora, cenas acrobáticas, magia, música e luz - tudo quanto um espetáculo precisa. Aqueles que, amadores, os imitavam nessas artes eram triteiros.
Zambalho – indivíduo que, no corpo ou no espírito, é mal-arranjado
Zorro – Indivíduo que só faz por arrasto ou por empurrão
(In,Vila Maior, minha terra, minha gente) com alterações
Não sou muito dado a olhar-me ao espelho (tipo espelho meu, espelho meu, há um blog melhor que eu?) mas, porque se deu o caso de um irmão meu, mais velho, blog como eu, de nome Pitagórico, ter desaparecido na net, deu-se o meu pai, nos últimos dias, ao trabalho de fazer uma cópia de todos os posts publicados desde que comecei a ser blog, em Agosto de 2006. Dei, então, conta de que estou a caminhar para os dez anos de idade, o que no reino dos blogs – devido sobretudo à alta taxa de mortalidade infantil – é uma elevadíssima longevidade. Além disso, sinto-me saudável, confortável e com vontade de continuar. A verdade é que tendo-me olhado ao espelho, gostei do que vi, e, porque dizem que os números não mentem:
Nº de posts publicados: 1660
Último ano:
Nº de visitas: 23 134
Nº de visualizações: 39 438
Número de páginas em papel: 1557
Origem principal das visitas, por ordem decrescente: Gogle.pt; Facebook.com; Google fr
No tempo em que não havia Facebook e os leitores faziam comentários – foram tempos bem interessantes! – os posts mais comentados foram: Baile de Carnaval (77); O Progresso de Ontem (65); Ó Pelurinho da Praça (60); Comissão de Festas (52); O Adeus ao sr dos Aflitos (47)
Ao longo destes anos, por aqui foram passando memórias de gentes e de lugares, acontecimentos, opiniões, projetos, sonhos, realizações, eventos, histórias verdadeiras e outras quase reais. E notícia dos que terminaram suas vidas – cerca de sessenta. E, claro, sinto-me grato a todos os que participaram neste blog: àqueles que nele escreveram, aos que comentaram, a todos aqueles que me leram e me visitaram. E a todos os que me disseram que gostavam de mim, que longe da Vila me espreitam à espera de que lhes leve um pouco da Vila.
José Augusto André, nascido em 1960, filho de Augusto André e de Beatriz da Conceição Graça, era o filho mais novo de uma vasta prole - Filomena, António, Ana, Manuel e José, todos falecido, excepto a Ana. O ano em que nasceu que pode sinalizar o início da guerra colonial e do início da emigração, sobretudo para França. Foi o ano em que houve um número significativo de nascimentos dos quais me ocorrem: Xico Nifo, Zé Albino, Helena Palos, o filho de Joaquim Bernardo, Filomena Seixas.
O Zé foi dos poucos que nunca emigrou, nunca deixou de viver na vila onde, por si, aprendeu ofícios vários - construção civil, agricultura, funcionário da câmara, fogueteiro. Com a mãe, a ti Beatriz, aprendeu a coragem, o enfrentar dos problemas e o trabalho árduo dos dias todos da sua vida.
Por tudo isto, continuará prente na nossa memória. Á família apresentamos as nossas condolências.
Passeando turistas, pelos Craveiros
Com o tempo, as feições do largo mudaram. As gentes que habitavam as casas envelheceram e morreram. Ali, vivia a família de João da Cruz, de António Lucrécio, de José Duarte, de José da Ruvina, do Padre Narciso, de Joaquim Simões, da sra Marquinhas, de Francisco Cerdeira, de Manuel Marques. O maçadoiro, à entrada da adega do professor Mário (aberta ou de chave na porta) deixou de exercer a sua função. A velha acácia foi, também ela, vencida pelo tempo. Os alpendres e as janelas de guilhotina foram substituídas por outras e os telhados mudaram de cor. Do velho comércio de Albino Freire restam letras quase indecifráveis, pintadas por Zé Seixas, sobre a porta. Em vez dos carros de vacas, à sombra da acácia, estacionam automóveis. E as cantigas dos rapazes, largadas ao passar a ronda no largo, deixaram de se ouvir:
Ó pelourinho da praça
Esta noite hás-de cair
Nos braços de uma menina
Quando estiver a dormir
Ó Vilar Maior, ó vila
Duas coisas te dão graça
É o relógio na torre
E o pelourinho na praça
O sete estrelo vai alto
Mais alto vai o luar
Mais alto vai o destino
Que Deus tem para nos dar
Chegada a procissão do Senhor dos Aflitos ao largo do Pelurinho, parava. Era altura de mudar de turno dos que 'pegavam no andor' para que outros cumpridores de promessas pudessem cumpri-las, carregando sobre os ombros o peso do andor para alívio de aflições do corpo e da alma.
O dinheiro da França tinha começado a dar os seus frutos na solenidade da festa com mais foguetes e fatos mais lustrosos. Rigorosa e nítida a separação de géneros: Homens à frente do pálio e mulheres atrás com a música da banda cadenciando o compasso.
Casas caiadas de branco contrastando com o escuro granito das varandas com seus alpendres; janelas de guilhotina.
E um grupo de gente madura, bem arranjada, urbana que nos quis deixar este retrato. Na ponta esquerda, de perna traççada, o sr Raul e esposa. Mais não sei dizer. De alguns, uma memória do rosto a que não consigo associar nome.
Esta é uma fotografia que nos mostra gente o emblemático largo do Pelourinho, por volta dos anos cinquenta. Quanto ao lugar, é de salientar, os telhados com a característica telha, chamada de Nave de Haver; os alpendres das casas; as janelas de guilhotina; o branco contrastanso com o granito escuro.
Quanto às gentes trata-se da reunião de duas famílias: Palos (o Júlio, o António sempre tratado como o sr Tenente com a esposa Olívia) e Dias (Florêncio,o padre e irmão); três homens em conversa um cão, do lado esquerdo e uma criança, sentada no chão do lado direito, completam o quadro.
Mãe! Vem ouvir a minha cabeça a contar histórias ricas que ainda não viajei!
Traz tinta encarnada para escrever estas coisas!
Tinta cor de sangue verdadeiro, encarnado!
Eu ainda não fiz viagens
E a minha cabeça não se lembra senão de viagens!
Eu vou viajar.
Tenho sede! Eu prometo saber viajar.
Quando voltar é para subir os degraus da tua casa, um por um.
Eu vou aprender de cor os degraus da nossa casa.
Depois venho sentar-me a teu lado.
Tu a coseres e eu a contar-te as minhas viagens, aquelas que eu viajei, tão parecidas com as que não viajei, escritas ambas com as mesmas palavras.
Mãe! Ata as tuas mãos às minhas e dá um nó-cego muito apertado!
Eu quero ser qualquer coisa da nossa casa.
Eu também quero ter um feitio, um feitio que sirva exatamente para a nossa casa, como a mesa. Como a mesa.
Mãe! Passa a tua mão pela minha cabeça!
Quando passas a tua mão na minha cabeça é tudo tão verdade!
Almada Negreiros
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