Ao informatizar fotografias, escritos, recortes de jornal e outros, chamou-me a atenção este recorte do Nordeste, datado de janeiro de 1992. A evolução demográfica nestes 27 anos deveria despoletar todos os sinais de alarme. Ano após ano a situação é pior e ninguém se importa.
Na casa do ti Jerómino, terminavam as casas do povoado de quem saía pelo Buraco, no tempo em que havia grandes sermões que, invariavelmente, mostravam a miséria da condição humana; em que na Misericórdia se cantava a ira de Deus em latim; em que os lavradores semeavam tapadas de pão, os pedreiros levantavam paredes, os ferreiros aguçavam os picos dos pedreiros e as relhas dos lavradores, os pastores dormiam com as ovelhas nas noites quentes de verão nas terras centeeiras que a merda do seu gado havia de estrumar o pão semeado pelos lavradores; em que os moleiros tornavam farinha o grão de centeio no rodízio das mós talhadas pelos pedreiros; em que as mulheres dos homens de todas as profissões amassavam a farinha e a tendiam em pães que, poisados em tabuleiros, à cabeça, eram levavados aos fornos da Quelha, da Praça ou do Cimo da Vila; pão que em todas as mesas, branco ou escuro, à farta ou doseado, só ou com peguilho, acompanhado de vinho ou de água ocupava o lugar principal. Tudo pode faltar menos o pão. Foi o pedido que todos, desde crianças, aprenderam a fazer a Deus: ‘O pão nosso de cada dia nos dai hoje’.
O pequeno António, sem mãe desde os quatro anos e o pai mais ocupado em arranjar mulher onde fazer filhos que criar os que fizera, ficará entregue à Segurança Social que, ao tempo, se encarregava de todos os deserdados e que dava pelo nome de o deus dará. Ora, ao contrário de Deus, o deus dará era, por natureza, um faz de conta, pois o que acontecia, acontecia ou não, independentemente dele. Não adiantava, nem atrasava um deus assim e Deus também não se importava de um deus sem importância. Falecida a mãe do António, o rapaz ficou ao deus dará e para mitigar o mal de ter um deus assim a cuidar de si, foi-se animando por mor de não lhe faltarem companheiros que tendo ficado ao deus dará a ele continuavam fiéis pela vida fora. Associados na adoração do seu deus aprenderam a andar sempre à margem dos que tinham um Deus a sério. Se iam à Igreja, não tinham que estar onde estavam os filhos de Deus, não tinham que cumprir com rigor os preceitos da Santa Madre Igreja, encontravam sempre um lugar mais escondido, mais distante. Os seus passos tinham uma geometria errante e emaranhada. De certa vez, o António mais o Bernardino Serrano, fintaram a vigilância do padre Zé Batista e enfiaram-se no coro da Igreja. Ao segundo mistério - a Flagelação de Nosso Senhor Jesus Cristo - já eles dormiam como barrocos da Fraga e embalados pelo sussurro da Salve Rainha, por umas Avé-Marias avulsas pela conversão da Rússia, as jaculatórias usuais e o ámen final.
O ti Manel Junça, empunhado o pavio, apagou uma a uma as velas, as do altar-mor, primeiro, e, depois, as dos altares laterais tomando a escuridão conta do espaço todo, até à afirmação lenta do treme luz da lâmpada do Santíssimo. As beatas, embrulhadas nos xailes e lenços pretos, olhos poisados no chão, continuando a sibilar orações e rezas, saíam forçadas como se aquela fosse a sua única morada. O Junça fez ranger langorosamente a porta de ferro, deu duas voltas com uma chave tão grande e tão lisa que bem podia ser a chave da porta do Céu. Enrolou o tabaco no papel e acendeu o cigarro que, às vezes o distraía, outras vezes, oadentrava em pensamentos inquietantes. Desta vez, deu consigo a perguntar-se se Deus não teria em grande conta o trabalho de um sacristão, que a ele Junça o obrigava a deitar-se depois de todos porque tinha de subir à torre para tocar ‘às almas’ e levantar-se antes de todos para o toque das ‘Avé-Marias’. No princípio, quando se casara com a Maria Prata, dela ouvia os bitafes de mulher não conformada com a concorrência que os sinos lhe faziam.
- Ó Manel, parece que tu até casaste com os sinos! Se no tocasses o sino nem o sol nascia, nem a noite acontecia!
Lembrado do remoque da Maria, perguntou-se:
- Atão, se no houvesse sinos, se no houvesse sacristão que os tocasse, quem é que punha ordem nisto, como é que esta gente se entendia? Até os galos só cantam depois de eu tocar as Ave-Marias e depois de tocar às Almas. E , entrado no Adro deu consigo aos saltando, dizendo: Eu sou Deus! Eu sou Deus! Sou importante! Que seria do padre se eu não tocasse os sinos? Sim que seria uma igreja sem gente? E nisto, atreveu-se: Que seria de Deus sem fiéis que o adorassem? Que seria Deus sem mim? De repente, assustado pela temeridade que acabara de pronunciar, arrependeu-se logo. Mas lá que fazia sentido o que dissera, lá isso fazia. Jogando a pirisca fora,
- Que Deus me perdoe! Mas se eu no tocasse os sinos, como era?
(Excerto de Histórias Quase Reais)
Os mais antigos documentos da Humanidade encontraram na pedra o seu principal material quer enquanto elemento construtivo, quer enquanto suporte da expressão criativa do homem ou da inscrição de acontecimentos. A história de Vilar Maior está escrita em pedra. Deixo aqui esta inscrição pedindo ajuda para a sua leitura. A pedra, um cubo granítico, encontra-se no canto do cais da praça, frente ao mirante. Antes da última remodelação da Praça que ali a colocou, felizmente, com a face com a inscrição para fora, ela servia de base a um dos vários penicotos existente na mesma, e que foi pena que os mesmos penicotos não continuassem a fazer parte da sua decoração.
Aquilo que se lê sem dificuldade:
De 1828
A.Gta
Com bastante certeza, poderemos dizer que a Praça, como a conhecemos antes da última intervenção ladeada a nascente e a norte por muro que a suporta numa superfície plana, terá sido feita em (ou por volta)1928, período em que a Junta da Paróquia era formada por Manuel Marques, Albino Freire e António Gata, sendo este seu presidente. Além desta obra, na década de 20, ter-se-á feito o cais do Pelourinho; fez-se o actual cemitério (com a pedra do corpo da Igreja da Senhora do Castelo; construiu-se o corpo da capela do Senhor dos Aflitos com a pedra das ruínas da capela do Espírito Santo, onde nem uma cruz foi erigida par nos lembrar a existência desse lugar sagrado. António Gata (1870-1938) é uma figura indelével da primeira metade do século XX. Proprietário abastado era um dos maiores lavradores de então. Mas era sobretudo O Comércio que o ocupava e que na época era o grande centro abastecedor da região e onde se podia encontrar quase tudo o que era necessário, desde o vinho, aguardente, tabaco, mercearia, vestuário, louças, enxofre, pólvora e rastilho, às necessidades de muitos ofícios desde as costureiras e alfaiates aos sapateiros, aos ferreiros, aos pedreiros, aos carpinteiros, aos caiadores e à folha de Flandres com que o latoeiro havia de fazer um vasto conjunto de artefatos necessários à vida doméstica e à agricultura. Centenas de produtos.
Terá sido por essa altura, que António Gata terá introduzido na vila um material que seria concorrente da pedra: o cimento. Terá, então, mandado construir à entrada do seu estabalecimento, constituído de taberna e Comércio, um terraço, dois degraus acima da rua, feito com o referido material que lhe deu o nome: O Cimento que sobranceiro à Praça viria a tornar-se no local mais simbólico da Vila.
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