Esta é a casa das Amélias, diz o meu companheiro, que por coma da porta esquerda ostenta a data de 1846.
Desde pequeno que ouvia falar do Faleiro e que nas idas à feira da Sacaparte me apontavam:
- Vês?, além é o Faleiro. A isso juntavam conversa que misturava fatos e ficções: Da minha avó Joaquina Monteira que, na altura das ceifas, ia da Vila, com ajuda de mulheres que nos cestos à cabeça levavam o caldo, as batatas, as papas, pão, chouriço e queijo para o jantar dos ceifeiros; dos bispos (nome ou alcunha de família?) que lá viviam e dos assaltos e roubos dos soldados das invasões francesas; dos tesouros escondidos, dos salteadores.
Calhou, então, que o Zé Vaz, meu colega de seminário, me convidou a uma visita ao Faleiro, um paraíso na terra, segundo ele. Aproveitámos e recordámos o tempo em que o melhor meio de transporte, aliás o único, para além do pedestre, era o burro, e, na ida para o seminário, manhã tão cedo que tínhamos de nos valer de uma lanterna a petróleo para, caminho da estação da Cerdeira, apanhar o Trama para a Guarda que, daí uma camioneta nos conduziria a Beja. Tudo coisas de um outro mundo, situado nos anos sessenta do século passado. Uma viagem que nunca durava menos de vinte horas. Hoje, estrada de terra batida, de carro fomos ao Faleiro pelo caminho que, a seguir à Ponte do Pereiro, o sinaliza.
Por entre tapadas limitadas por carvalhos frondosos e lameiros cercados por seculares freixos, parámos antes da entrada do (des)povoado, andámos cerca de cem metros para sul e, depressa, o Zé deu com a primeira sepultura cavada na rocha. Estamos a uma altitude de 760 metros (coordenadas 40-37-34 N/ 6-55-2 O). Esta primeira com a cabeceira um pouco partida e mais duas a uma curta distância; mais alguma poderia por ali estar soterrada. Sepulturas antropomórficas que, para além de toda a simbologia e interpretações, é um sinal seguro de ter sido um lugar eleito pelas condições que proporcionava. O vigor dos freixos e arbustos, a abundância de pastos, a resistência de árvores domésticas abandonadas pelo homem que indiferentes continuam generosamente a oferecer os seus frutos são as provas da tese repetida. A natureza, absolutamente indiferente à indeferença do homem, segue o seu curso. Uma vinha abandonada, junto das casas continua a dar uvas. Uma videira encostou-se a um carvalho e ano, após ano foi engrossando o tronco e as suas gavinas foram-na guiando até aos ramos mais altos. O meu espanto foi encontar um altíssimo carvalho, onde o normal fruto é a bolota, cheio de uvas pretas.
Talvez o entendido que o meu amigo interrogou sobre a origem do nome Faleiro tenha razão. Disse-lhe que poderia vir de Falo e que poderia ser aqui um lugar de cobrição das fêmeas. Assim, aqui acorreriam o criadores da Bismula, Escabralhado e Aldeia da Ribeira com fêmeas em cio (vacas toirondas, cabras e ovelhas saídas, porcas barrondas) para o milagre da criação.
As casas de lavoura de rés do chão e andar, de granito escurecido pelo tempo e de musgo tostado pelo sol, resistiram umas pelo cuidado de preservar os telhados e as portas e de outras restam as paredes. O Zé cuidou das suas que serão metade das existentes e tem alguns projetos, entre eles o de numa delas fazer uma capela, um lugar de oração.
Não é o paraíso porque Deus Criador não quis. Se o tivesse querido a história do homem teria sido diferente. De todo modo, fico embevecido com estes campos, com este silêncio, com estas casas ... com histórias de vida aqui passadas que ficaram por contar.
O Faleiro aparece cantado pelo maior de todos os poetas raianos, Manuel Leal Freire, assim:
Pedras negras, negrumes de granito
Aos montões esparzidos sobre o húmus…
Aqui parou o tempo, não há rumos,
Só os do vento, tropear maldito.
Nota: No Cadastro da População do Reino de 1527 em que o Faleiro é tido como termo de Vilar Maior tem tês moradores, ou seja, três famílias.
No mesmo documento o Escabralhado aparece com 21moradores quase o dobro de Aldeia da Ribeira que conta com 11 moradores.
Primeiro as ideias, depois as palavras e a seguir as ações. Muito do que se fez em Vilar Maior ao longo dos séculos fez-se assim, desde a construção de caminhos ao abastecimento de água, à reparação e construção de açudes, de poldras e pontões para atravessar o rio. Onde era um montão de pedras e giestas aparece agora esta antiga construção que fazia parte da administração da justiça: o patíbulo onde assentava a forca. Para já, edificar a força. Depois completar a limpeza das pedras do interior, construir o miradoiro e fazer o trilho. E teremos uma coisa única no concelho, um motivo acrescido para visitar Vilar Maior.
Na sequência de posts anteriores, apresentamos hoje mais uma sugestão para tornar Vilar Maior numa aldeia cultural. Em "Memórias Paroquiais de 1758", no que respeita a Vilar Maior, lemos a certo ponto, o seguinte:
«Está esta villa circuitada de muros em redondo porrem de tam pouca defensa por se acharem arruinados, tem dentro dos muros tres atalaias que se acham arruinadas tanto de telha como de madeiras...»
Muitas vezes, do passado, nem ruínas sobram, perdurando, apenas, os nomes. Ora, todos os da minha geração sabem onde fica a Atalaínha: Chegados às Portas, metendo à Rua dos Craveiros (noutro tempo, uma importante rua que dava acesso ao Castelo) e, logo a seguir, virando à há uma ruela íngreme de acesso pedonal difícil até ao cimo do monte. A Oeste da casa dos herdeiros de José da Fonseca situava-se uma das atalais referidas no texto citado. Se seguir pela Rua dos Craveiros ao subir, na curva à direita, depara com um resto da antiga muralha (apesar de degradada é a que se encontra em melhor estado) e, por aí poderá aceder à penedia sobre a qual se encontava a atalaia, um local privilegiado para vigiar quem se proximasse pelo sul e sudoeste.
No dia 28 de junho, em reunião da Assembleia da Associação Muralhas de Vilar Maior, entre muitos projetos que farão de Vilar Maior uma aldeia cultural, ficou decidido, em ata, que se começaria, pela reedificação da Forca, ficando Júlio Marques responsável pela gestão do projeto. Entre outras razões apontadas para se começar por aqui, relevou-se o fato de ser um projeto de baixo custo e, dado o local onde se ergue, ter um impacto visual muito forte sobre os habitantes e os visitantes que não deixará de suscitar curiosidade e perguntas. Com essa perceção e interrogação se entrará no passado de Vilar Maior e a forca passará a ser o início de uma bela lição de História. Enquanto não está realizada, olhemos para a beleza desta imagem, um desenho de Duarte D'Armas ( O livro das Fortalezas), com cerca de 500 anos.
Hoje todos os vilarmaiorenses e todos os amigos de Vilar Maior deveriam estar em festa e cantar os parabéns: Vilar Maior nasceu há 805 anos (sim, leu bem - oitocentos e cinco anos). Foi fundada em 1215 pelo rei D. Afonso de Leão que, estando no Sabugal, lhe concedeu carta de povoação. A decisão há-de ter tido como fundamento o facto de por lá haver gente e casas e, sendo um lugar estrategicamente situado, servir como polo para o povoamento e defesa dos ataques dos mouros que já a haviam habitado. E o texto em latim macarrónico, traduzido, dizia:
«Seja notório a todos, presentes e futuros que eu Afonso, pela graça de Deus, Rei de Leão e Galiza (…) fundo a povoação de Vilar Maior»
O Município de Vilar Maior surge apenas em 6 de Agosto de 1227, portanto 12 anos após a fundação do povoado. Em 1296 tem foral concedido por D. Dinis, em 1510 tem foral concedido por D. Manuel I e em 1855 é extinto o concelho.
Temos todos de dar um pouco de nós para que Vilar Maior continue. Esse é, desde o primeiro momento, o objetivo deste blog - Vilar Maior, Minha Terra Minha Gente, que , acaso feliz, também faz hoje anos, 14 anos.
P.S. Por lapso, inicialmente, estava escrito 815 anos e foi corrigido para 805 anos. Como dizia A. Guterres 'é só fazer contas'. Obrigado pela chamada de atenção.
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