Vai fazer um ano, em 27 do mês em curso, que iniciámos neste blog o arranque do projeto "Tornar Vilar Maior numa Aldeia Cultural" https://vilarmaior1.blogs.sapo.pt/como-tornar-vilar-maior-numa-aldeia-499222.
Nessa altura, lançámos o repto de fazer um painel com o Hino do Senhor dos Aflitos, a instalar na capela ou no largo. O repto foi aceite pelos conterrâneos Olívia Dias e Albino Dias encontrando-se a obra, em final de execução, feita em suporte cerâmico de azulejo. Para parecer e escolha do local exato da obra foi dado conhecimento ao Pároco e à comissão da Fábrica da Paróquia.
Num post recente https://vilarmaior1.blogs.sapo.pt/tornar-a-vila-numa-aldeia-cultural-522264
de 26 de janeiro de 2021, propusemos que, no largo do Senhor dos Aflitos, fossem plantados seis ciprestes para homenagear os seis mortos do trágico acidente de há cinquenta anos dando a este lugar aspecto de um pequeno santuário. Os ciprestes a plantar em agosto (?) terão de ser envasados e deverão ter uma altura de cerca de 3 ou 4 metros. O preço por árvore rondará os cento e trinta euros. Acrescerá o custo do transporte. Já vários conterrâneos mostraram vontade em oferecer um. No entanto, os familiares das vítimas poderão estar interessados em fazer essa oferta e, naturalmente, sendo essa a sua vontade, deverão ter preferência.
" Tornar Vilar Maior uma Aldeia Cultural " é possível e é uma questão de sobrevivência. Por isso, Junta de Freguesia, Misericórdia, Associação, Fábrica da Paróquia, Mordomia da Festa do Senhor dos Aflitos, terão de, unidas, ser capazes da sua concretização . Este blog, Vilar Maior minha terra minha gente, contiinuará a fazer a sua parte.
O centro da vida sagrada e profana, desde tempos imemoriais, rodava à volta da festa - Festa em honra do Divino Senhor dos Aflitos - celebrada, sempre, no primeiro domingo do mês de Setembro e sempre com as mesmas liturgias sagrada e profana. Sábado: chegada da banda – quase sempre a de Loriga - com salva de foguetes percorrendo as ruas; distribuição dos músicos pelas casas dos residentes, onde comiam e pernoitavam; Procissão das velas da Igreja Matriz para a Capela do Senhor dos Aflitos, em cujo largo se rezava o terço; seguia-se o lançamento do balão e, depois, era o baile pela noite dentro. Domingo, bem cedo, a filarmónica subia ao adro para tocar a alvorada a que se seguia o lançamento de foguetes no Arressaio. Este era o momento que se haveria de mostrar aos da terra e aos das terras vizinhas, com mensagem especial para Aldeia da Ribeira (rivalidades antigas), que a festa ia ser rija: dúzias e dúzias de foguetes e morteiros a troar pelo ar que se ia enchendo de fumo e, a concluir, uma latada (centenas de foguetes dispostos de modo a subirem e rebentarem em simultâneo). Descia a banda do Cimo da Vila e vinha até à Praça, de onde dispersava para o pequeno-almoço. As mordomas, raparigas solteiras, tinham prontos os cestos para, pelas ruas, de casa em casa, ao som da filarmónica, recolherem as prendas que haveriam de ser arrematadas na Quermesse. As donas de casa preparavam o almoço, o melhor de todos os almoços do ano e, pelas ruas, sentia-se o cheiro das comidas e das especiarias; as mães tratavam de vestir os filhos mais novos e todos punham brio nos fatos e vestidos. Sons, cheiros, cores e sabores que só naquele dia eram assim. A banda passa a praça e segue pela Rua de Baixo. Segue sem parar (sorte para a banda e os que acompanhavam) frente à porta principal da Igreja da Misericórdia, onde os fogueteiros rodeados de populares preparavam os foguetes que haviam de atroar no final da procissão, no Adeus e Recolha da Imagem do Senhor dos Aflitos.
E só Deus sabia o que ia acontecer: um foguete que se recusou a subir incendiou os que no Largo estavam a ser preparados dando origem a um primeiro estrondo (e) que se propagou aos que estavam no anexo da igreja gerando um segundo estrondo que se ouviu pelas terras circunvizinhas e causou cinco mortes súbitas, alguns feridos ligeiros, alguns feridos graves, um dos quais - transportado para o Hospital da Universidade de Coimbra - viria a falecer. Seis vidas ceifadas sem aviso prévio, duas delas ainda com o futuro todo pela frente:
Artur Manuel Osório da Fonseca, (de) 10 anos, residente na Damaia (que) viera com seus pais para visitar os familiares e assistir à festa;
José Silva Cerdeira, (de) 15 anos, seminarista, ao contrário dos restantes que tiveram morte imediata, foi transportado, com feridas e queimaduras graves, para os Hospitais da Universidade de Coimbra onde viria a falecer;
Adriano da Cruz, (de) 40 anos, casado, emigrante em França que, junto da porta da sua casa, na companhia do seu sogro Aurélio, assistiam ao preparo do fogo;
António Cunha Cerdeira, (de) 50 anos, casado, segundo cabo da Guarda Nacional Republicana a prestar serviço no lugar do Rochoso;
José Carlos Sousa Filipe, (de) 22 anos, solteiro, de Porto da Carne, ajudante do fogueteiro;
Aurélio Prata, (de) 70 anos, casado, residente em Vilar Maior.
À época, havia apenas uma estrada de terra batida e um telefone público. Tal não impediu que, por uma razão bem triste, Vilar Maior se tornasse notícia em todos os jornais regionais e nacionais, na Rádio e na Televisão. Ouvido o estrondo, acorreu gente das terras vizinhas e o socorro dos bombeiros do Sabugal (não tinham telefone, noticiou um jornal), da Guarda, de Celorico da Beira, Pinhel e Penamacor, o destacamento do Regimento de Infantaria nº12 da Guarda. A população local foi a primeira a remover destroços e retirar os feridos. Esteve o senhor Governador Civil da Guarda e o senhor Presidente da Câmara do Sabugal. Compareceu, também, o subdelegado de saúde do Sabugal e o Dr Viana de Vilar Formoso.
A festa tinha acabado. E o que se seguiu é indescritível. Todos os que assistiram têm a sua história pessoal a contar de como tiveram sorte por ter ido, por ter ficado, por isto ou aquilo. Como dizia um amigo meu, sempre que acontecia uma tragédia, grande que fosse, podia ser pior. E podia. A banda da música, com toda a comitiva que a acompanhava, tinha mesmo acabado de ali passar. Foi por um triz, ou como aqui se dizia, por uma unha negra.
As autoridades mandam inquirir.
Um jornal noticia que “Está a averiguar em que circunstâncias ocorreu a tragédia o sargento Faria da Guarda Nacional Republicana”; A Capital noticia: “Decorridos dias sobre a tragédia (…)o inquérito prossegue a cargo da PSP da Guarda … “. A notícia prossegue com o comandante da PSP a declarar que a causa da explosão ainda não está apurada pois “supõe-se que tenha sido descuido do ajudante do fogueteiro ou a queda de alguma cana de foguetes sobre determinada quantidade deles. Acrescentou, que ao contrário do que foi anunciado, a quantidade de foguetes explodidos não eram 600 mas 250 dúzias e que os prejuízos da capela e das casas adjacentes estavam cobertos pelo seguro. Na verdade, ninguém pareceu muito interessado em levar a cabo uma investigação séria.
Também as pessoas, passado o terror e a aflição do momento, começaram a interrogar-se sobre o acontecido, como é que tinha sido possível e, mais timidamente, de quem era a culpa. Na verdade, além dos mortos e da dor dos familiares que não tem preço, a igreja foi completamente destruída e casas, sobretudo, as mais próximas ficaram gravemente danificadas, e muitas outras com telhados destruídos e vidros partidos.
Há uma outra responsabilidade que não é individual mas que diz respeito à comunidade e à sua cultura. Havia um forte sentimento de pertença à comunidade (e) que se afirmava em relação às vizinhas em relação às quais se julgava superior e as festas eram altura para o afirmar. A forma predileta de o afirmar eram os foguetes: era preciso que os ouvissem na intensidade sonora e na duração. Havia uma especial rivalidade com Aldeia da Ribeira cuja festa, se não erro, era oito dias antes. E era uma escalada de ano para ano. Mas, também, porque as pessoas apreciavam os foguetes. A festa era mais ou menos ‘rija’ consoante a quantidade e a qualidade dos foguetes. Havia três pilares que determinavam a qualidade da festa: a banda de música, os foguetes e o pregador e, por vezes, um quarto - o conjunto musical (mais recuadamente o tocador da concertina). Mas o foguetório era o principal cujos defensores, perante aqueles que achavam que se tratava de uma forma gratuita e desproporcionada de gastar dinheiro, respondiam, prontamente: Não há festa sem foguetes! E, ano após ano, cada mordomia, por brio, queria mostrar uma festa mais rija que a anterior. Cada vez mais foguetes, cada vez mais morteiros, morteiros que, desta vez, justificaram o nome: mataram e destruíram. A Igreja da Misericórdia era a imagem desoladora que mostrava o poder do fogo que, no seu anexo, estava alojado: completamente esventrada, sem telhado, paredes derrubadas, altares destruídos, imagens caídas.
São assim os humanos! Talvez, inconscientemente, fosse o mesmo sonho dos que construíram a torre de Babel para chegar ao céu; talvez quisessem, com o troar dos foguetes abrir a porta do céu.
São assim os humanos! Chorados os mortos, movidos pela fé, recolheram as pedras e reconstruíram a misericórdia de Deus. Forte é a fé dos homens.
São assim os humanos! No ano seguinte, não houve festa, não houve foguetes. O tempo cicatriza as feridas. A vida tem de retomar o ritmo e a vida não pode existir sem festa. E, para alguns, não pode haver festa sem foguetes. Por isso, fez-se uma casa para guardar o fogo. E os foguetes voltaram. Menos, com mais segurança. Tão seguros que a casa do fogo ficou inútil, vazia para sempre.
São assim os humanos! Quarenta e nove anos depois do acidente não há festa. Uma epidemia silenciosa, mais perigosa do que os foguetes e morteiros, abateu-se sobre o nosso planeta Terra.
São assim os humanos! No momento em que alinhavo estas escrita (janeiro-2021) não sabemos se no cinquentenário da festa que não se concluiu, faremos festa. Mas se a fizermos, deveríamos, por respeito aos mortos, ser capazes de fazer festa sem foguetes. Nem um!
Pela segunda vez publico esta fotografia. Quanto aos fotografados, quatro jovens bem maduros, de matriz rural, a viver na cidade. Se não estiver errado temos o Raul, o Zé Osório, o João Bárbara e não sei quem é o jovem de chapéu. As casas atrás, eram propriedade do senhor Alexandre Araújo. Mas o que agora me surpreendeu, não foi a galinha, nem o caminhante, mas o cais da praça e a enorme árvore (provavelmente uma acácia semelhante à que havia no Pelourinho) ao fundo da praça, frente ao mirante. O chafariz ainda não existia e nesse local havia um quintal de João Marques de que é possível ver uma nesga, do lado direito. O muro da praça parece danificado, destruído, inacabado? Será uma foto dos anos trinta ou quarenta?
Somos cada vez menos, estamos cada vez mais sós. Desta vez, foi a ti Elvira que nos deixou. Mulher de trabalho e de um trato afável que não ficava pela salva seca, havia sempre um pouco de conversa sobre a vida. Viúva de José Cerdeira, filha do ti Jerómino, irmã do Francisco, do José, do António e do Carlos. Aos filhos (à Maria, ao Zé Carlos, ao Chico), aos netos e restante família, sentidas condolências.
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