Quarta-feira, 30 de Junho de 2021

A noiva arraiana

'Romances' que os nossos pais e avós recitavam - sobretudo as mulheres - nos serões das longas noites de Inverno. A ti Olinda desfiava-os, em rosário, uns a seguir aos outros.
 
- «Deus vos salve, minha tia,
Na vossa roca a fiar!»
- «Venha embora o cavaleiro
Tão cortês no seu falar!»
- «Má hora se ele foi, tia,
Má hora torna a voltar!
Que já ninguém o conhece
De mudado que há-de estar.
Por lá o matassem moiros,
Se assim tinha de tornar!»
- «Ai sobrinho de minha alma,
Que és tu pelo teu falar!
Não vês estes olhos, filho,
Que cegaram de chorar?»
- «E meu pai e minha mãe,
Tia, que os quero abraçar?»
- «Teu pai é morto, sobrinho,
Tua mãe foi a enterrar.»
- «Qu’é da minha armada, tia,
Que eu aqui mandei estar?»
- «A tua armada, sobrinha,
Mandou-a o fronteiro ao mar.»
- «Qu’é do meu cavalo, tia,
Que eu aqui deixei ficar?»
- «O teu cavalo, sobrinho,
El-rei o mandou tomar.»
- «Qu’é de minha dama, tia,
Que aqui ficou a chorar?»
- «Tua dama faz hoje a boda,
Amanhã se vai casar.»
- «Dizei-me onde é, minha tia,
Que me quero lá chegar.»
- «Sobrinho, não digo, não,
Que te podem lá matar.»
- «Não me matam, minha tia;
Cortesia eu sei usar:
E onde faltar cortesia,
Esta espada há-de chegar.»

- «Salve Deus, ó lá da boda,
Em bem seja o seu folgar!»
- «Venha embora o cavaleiro;
- «Salve Deus, ó lá da boda,
Em bem seja o seu folgar!»
- «Venha embora o cavaleiro;

Vindo ela lá de dentro
Toda lavada em chorar,
Mal que viu o cavaleiro,
Quis morrer, quis desmaiar.
- «Se tu choras por me veres,
Já me quero retirar;
Se é os teus gastos que choras,
Aqui estou para os pagar.»
- «Pagar devia co’a vida
Quem me queria enganar,
Quando te deram por morto
Nessas terras de além mar.
Mas que fiquem com a boda
E bem lhes preste o jantar,
Que os meus primeiros amores
Ninguém mos há-de quitar.»

- Venha juiz de Castela,
Alcaide de Portugal;
Que, se aqui não há justiça,
Co’esta espada a hei-de tomar.»
 
Romanceiro, Almeida Garrett
(publicada em Memórias de Vilar Maior, minha terra minha gente)
publicado por julmar às 10:38
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Terça-feira, 22 de Junho de 2021

Tornar Vilar Maior uma aldeia cultural -O Canhão

canhão da VM.jpg

Descrição - Fragmento de canhão de forma cilíndrica em ferro fundido. Vilar Maior. Séc. XVIII/XIX

Por vezes, levo comigo gente que gosta de conhecer as minhas terras e as as minhas gentes. Desta vez, trouxe um amigo, um homem culto com sensibilidade artística. Como jornalista que é procura informação, conversa com pessoas e faz muitas perguntas. Chegados à Guarda, com algum tempo antes de almoço decidimos visitar o Museu, ele pela primeira vez e eu já semmemória da última. Mas lembro que no piso superior se encontrava, para além de uma área etnográfica com artefatos  que traduziam os modos de vida da região, uma parte arqueológica na qual se encontrava exposta uma espada de Vilar Maior (900 anos a.C) e que tinha especial gosto em mostrar ao meu amigo. Porém, o museu estava reduzido ao piso do rés do chão.  Na parte superior procediam a uma instalação de uma exposição temporária.

Conseguimos falar com o sr diretor do museu que, amavelmente, nos informou que a espada seencontrava em depósito. E, sabendo bem que não depende dele,  referi que o canhão que se encontra à entrada deste museu deveria voltar ao local onde eexerceu funções.  O canhão encontrava-se estrategicamente localizado no muro do adro da igreja matriz apontado para nascente ( a ponte era o lugar de acesso para quem vinha de Espanha). No referido muro ainda é possível ver as pedras trabalhadas que serviam de suporte.

O canhão saiu, juntamente com o de Alfaiates, que se encontra no mesmo sítio no lado oposto, na porta principal que dá acesso ao museu, no ano de 1940 em que entrava em funcionamento, no contexto das comemorações centenárias da independência nacional (1640-1940). 

O canhão terá servido durante as invasões Francesas e, provavelmente durante as lutas liberais. A prova do seu uso foram as inúmeras balas de canhão encontradas no raio da sua ação.

Deveríamos reinvindicaro seu retorno para contar, in loco, a história da Vila no contexto da História nacional. 

Quem nos ouve?

publicado por julmar às 12:25
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Quarta-feira, 16 de Junho de 2021

Os Lúcios da Vila e os outros Silvas

Varanda do Xico Bárbara.jpg

Casa onde viveu (antes do ti Francisco Bárbara e do atual proprietário que a reconstruiu) José Silva, Lúcio Silva e mais tarde Ana Silva

A antroponímia ocupa-se do nome das pessoas, sendo que está ligada a um interessante ramo da antropologia, o parentesco que, sendo uma construção social, se funda no facto natural da reprodução dos indivíduos. E, ao contrário de outras classes de seres em que basta um nome comum para os designar, aos seres humanos que nascem é preciso dar-lhe um nome próprio a que se acrescenta o nome de família ou sobrenome. Em comunidades relativamente fechadas e que tendem mais para endogamia, por vezes, o repertório de nomes disponiveis é limitado, pelo que se recorre a outros complementos - pai, filho, novo, velho ou indicação do lugar onde vive ou, ainda, o recurso a alcunhas. Para o nome próprio, a maior parte das vezes, recorre-se ao nome dos progenitores, dos avós, tios ou pessoas consideradas.

Em Vilar Maior, lá pelos anos de 1850, vive José Silva de ascendência materna que não podemos precisar. Sabemos, contudo, ser filho de um padre,  condição à época não invulgar. O pai proporcionou-lhe estudos com vista à sua ordenação sacerdotal que não se verificou. No entanto, esses estudos permitiram-lhe o exercício da função de escrivão de Juiz de Paz e de Secretário da Irmandade da Santa Casa da Misericórdia, durante longos anos. Proprietário de uma quinta nos Vales, casou com Maria Valério de quem teve um filho a que chamou Lúcio. Este casou com Josefa Costa e teve um filho a que deu o nome de Bernardo, outro a que deu o nome de José Lúcio e uma filha a que chamou Ana. Todos Silva. Cada um deles, por sua vez, deu o nome de Lúcio a um dos filhos. 

Entretanto, José da Silva, presumido filho do padre Florêncio José da Silva que , nos anos cinquenta e sessenta do século  XIX, exerce as funções de capelão da Misericórdia de Vilar Maior, viúvo de Maria Valério, casou com Margarida Joaquina Pereira, natural de Nave de Haver, filha de um ferreiro que havia de ensinar a profissão aos netos, dos quais se distinguiu na arte o ti Zé Silva. Moradores na Rua Direita, tiveram uma extensa prole, quatro filhos (Francisco, Joaquim, António e José) e cinco filhas (Maria, Isabel, Leopoldina, Ana e Teresa).

Os Silvas, como acontecia antigamente, casaram, sobretudo os mais antigos, quase todos com pessoas da Vila, das seguintes famílias: Monteiro, Leonardo, Caramelo, Marques,  Alves, Dias, Gonçalves, Seixas, Valério, Gouveia, entre outras.

  Assim, a família Silva cresceu e multipicou-se cumprindo a ordem do criador, espalhou--se pelos cinco continentes. E se não fora a desobediência (o desmando, a paixão, a loucura) do meu trisavô, nenhum dos Lúcios e dos outros Silvas teria visto a luz do dia, nem eu estaria aqui a contar esta história.

publicado por julmar às 11:25
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Sexta-feira, 11 de Junho de 2021

Requiescat in pace, Leonor Cerdeira

IMG_0607.jpg

 

Residente nos últimos anos de uma longa vida (95, anos), no Lar da Malhada Sorda,faleceu Leonor Jacinto Cerdeira, viúva de César Cerdeira Seixas, mãe do Dr. Joaquim Seixas, sepultada em Vilar Maior no dia 10 de Junho. Ao contrário de muitas famílias da Vila que migravam para Lisboa, a família Cerdeira Seixas estabeleceu residência no Porto. Muitos foram os conterrâneos que precisando tratar de diferentes assuntos na Invicta, nomeadamente emigrantes que precisavam de arranjar passaportes, tinham como apoio e residência passageira a casa desta família, sempre pronta a ajudar família, amigos e conterrâneos. Por laços familiares e vizinhança na cidade do Porto, sinto a perda appresentando condolências à família, de um modo especial ao Quim Zé. 

publicado por julmar às 19:10
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