Quem andar a cuscar por documentos antigos, acaba por encontrar destas coisas:
A João Gonçalves, morador em Malhada Sorda, termo de Vilar Maior, Perdão por ter induzido por afagos Maria, filha de Afonso Anes e de Lianor, pelo que se amorou,
Chancelaria de D. Manuel I, liv. 32, fl. 20
No fundo do fundo da Praça ficava o quintal do ti João Marques onde o sr Tenente e outros ilustres acharam ser o sítio perfeito para implantação do Chafariz, contrariando o parecer do Sr. Presidente da Câmara do Sabugal. Por mim, hei-de ter ouvido as conversas inconformadas de meu pai e o apelo à resignação da minha mãe sobre a expropriação do quintal; hei-de ter ouvido as imprecações de amargura e raiva do meu pai abafadas nas machadadas do corte do abrunheiro e de outras frutíferas que povoavam o quintal; mais tarde, terei ouvido o truca-truca do cinzel dos pedreiros, mestres na arte da cantaria, que bloco após bloco preparavam o corpo que seria a expressão da grande epopeia. Ouvi sem saber o que ouvia. Depois, chegado a este mundo, ao colo da minha mãe, vi sem ver, as pessoas que seguiam os gestos ritualizados do Sr. Tenente a cujo mando, qual Moisés batendo com a vara na rocha, duas torneiras se abriram em jorros de água que abafaram as palmas dos circunstantes.
Tal como na Bíblia: «A água jorrou em abundância, e a comunidade e os animais puderam beber» (Liv. Números 20-21)
Com o tempo o meu pai conformou-se. Antes que o muro branco e caiado saísse dos alicerces meteu uma videira do quintal para dentro do curral cujo tronco engrossou de modo a suportar uma frondosa latada que, além da doçura do fruto, amenizava com a sua sombra o calor dos estios. A videira passou a Videira, a nossa Videira, e a fazer parte da família durante toda a vida dos meus pais mais de quatro décadas. Quem se atrevesse a ser perfeito deveria olhar para esta videira que se despia no Outono para que os raios brandos do sol aquecessem a varanda e se vestia no estio para nos proteger da inclemência tórrida do Verão. Outras lhe sucederam.
E foi nessa varanda debaixo da latada, frente ao chafariz, que aprendi o mundo porque todo, quase todo, o mundo por ali passava. As raparigas namoradeiras, que mais do que matar a sede, vinham esperançadas na aparição do seu príncipe encantado; as criadas dos homens ricos com cântaro na cabeça e um balde em cada mão ou porque os ricos bebem mais do que os pobres, ou porque têm de rentabilizar o tempo dos criados que mal pagam; as mulheres solitárias que espairecem e colhem novidades velhinhas pelo caminho; e a Maria Cuca cuja tontaria já não incomoda ninguém e a quem os garotos fazem a vida negra. A cena é sempre a mesma. Basta atirar-lhe a frase:
- Ó Maria, já te vou roubar o sabonete!
Atira com os baldes de lata, agarra pedras, corre e atira-as à canalha, gritando: - Filhos da puta! Filhos da puta!
Todos se habituaram, ninguém se preocupa com a Maria. Ninguém se preocupa com tontos e doidos.
A água jorra, consoante as épocas do ano continuamente das duas torneiras, de uma torneira só ou apenas mediante a abertura. As pessoas dizem, com vaidade, que nenhum outro povo tem assim tanta água e de tão boa qualidade. Os forasteiros que por aqui passam consolam-se; os peregrinos que demandam a Senhora da Ajuda da Malhada Sorda bebem e abastecem-se para o caminho. Por vezes, a minha mãe oferece um copo.
Também o vivo – mais o gado grosso que o miúdo – não foi esquecido e foi feito um pio encostado ao muro caiado que fizeram ao meu pai. E debaixo da latada eu vejo os homens dando de beber às vacas e aos burros, tantas vezes que eu conheço tão bem o jeito dos donos como os modos dos animais. E conheço o assobio com que cada um incentiva as alimárias a beberem. Os garotos, incapazes de manobrar as torneiras do Chafariz dessedentavam-se no Pio - que grande era - em fraterna partilha com os animais; ou, então, brincavam com a água às massarecas: um montículo de terra com uma covinha que enchiam com água transportada na boca, recipiente mais seguro que as pequeníssimas conchas das mãos. E quando se justavam contas antigas, em público, e as palavras não resolviam o pleito, navalhas e pedras rasgavam os corpos, era ao Pio que acorriam para lavagem do sangue. E como o princípio do sábio Francês Lavoisier aqui tinha integral cumprimento, na Natureza nada se perde tudo se transforma, as sobras das águas eram arrematadas pelo Sr. Fernandinho para regar o Chão da Ponte.
O chafariz chegou quando eu cheguei e estava tão naturalmente ali como passou a estar a Videira do meu pai. Era um belo chafariz e na festa do Senhor dos Aflitos os rapazes solteiros roubavam flores com que o enfeitavam, e as donas das flores, ainda que mostrassem o contrário, sentiam-se felizes por terem sido roubadas as suas flores. Quando aparecia alguém com uma máquina fotográfica era no chafariz que tiravam os retratos.
Depois, gente que não era da vila, e não ouviu as histórias de como o povo ergueu o Chafariz, decidiu em nome da estética urbanística retirá-lo do fundo do fundo da Praça.
Agora que a festa já lá vai, vou publicar o que, no calor do momento, escrevi:
Pela primeira vez o administrador do blog ‘Vilar Maior, Minha Terra minha Gente’ utiliza este espaço para esclarecer uma questão pessoal:
No final da missa campal do Senhor dos Aflitos, o pároco leu os nomes - entregues pela comissão de festas em função - das pessoas para a nova comissão para o ano de 2022, dizendo que uns já tinham aceite e esperando que os outros aceitassem. Sem surpresa maior, foi lido o meu nome. Sem surpresa porque já é a terceira vez. Devo dizer que considero uma honra ser mordomo da Festa do Senhor dos Aflitos e que já a senti. Porém, devo esclarecer que sou um homem livre e que escolho as honras que eu entendo. Mas há quem insista, vá- se lá saber porquê. Ou alguns sabem e outros vão atrás.
A informação da minha não aceitação ao pároco foi:
“Boa tarde, Sr padre Daniel
Venho comunicar-lhe a minha não aceitação para a comissão de mordomos. O mesmo já comuniquei à, ainda, comissão em funções. Quem quiser algo de mim olha-me nos olhos e fala comigo.
Um bom domingo”
Faz sentido isto? - gente que sabe a casa onde vivo, que cruza comigo na rua, que conversa comigo, que bebe um copo comigo, gente de quem gosto e que estimo !
Ponderei não dizer nada. Mas não gostaria que houvesse uma quarta vez em que alguém aconselhasse o meu nome à comissão. Haja paciência! E repito: "Quem quiser algo de mim olha- me nos olhos e fala comigo."
Assunto encerrado.
Há muito para fazer pela nossa terra, vamos prosseguir, juntando forças. Na prossecução do projeto “Tornar Vilar Maior uma aldeia cultural”, temos agora no adro da capela um painel com o Hino do Senhor dos Aflitos que é o laço principal que une todos os vilarmaiorenses. A oportunidade de agradecer, mais uma vez, a todos os que ajudaram a concretizar o projeto e que Albino Leonardo Dias materializou.
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