Segunda-feira, 13 de Dezembro de 2021

Vilar Maior no século XIX

Livro das Hipotecas.jpg

Registo de manifesto de hipotecas da administração do concelho do Sabugal (1843 - 1855)

Quem quiser reconstruir um pouco da história de Vilar Maior do século XIX, aqui poderá encontrar elementos de interesse: Registo de hipotecas, sendo as mais frequentes as feitas na sequência de empréstimos de dinheiro e respetivos juros. Vimos, por exemplo a saber, que a viscondessa de Bobadela era a senhoria e proprietária da Quinta das Batoquinhas, como podemos ver pela transcrição do registo nº 35

Aos sete dias do mês de janeiro de 1855 pelas duas horas da tarde compareceu perante mim António de Barreiros e Neves escrivão da administração deste conselho de Vilar Maior José Ribeiro Leitão escrivão da Comarca municipal deste conselho, requerendo-me lhe vertesse na qualidade de procurador de José António da Silva da cidade de Viseu o alvará do teor seguinte: dona Ana Joaquina Maria do(??) Henriques Leitão Pina e Mello da Silveira Albuquerque (?) condessa de Bobadella viúva do conde do mesmo título Gomes Freire de Andrade e Castro. Pelo presente meu alvará de meu próprio punho feito e averiguado declaro que recebi do senhor José António da Silva da cidade de Viseu a totalidade e importância de todos os foros atrasados até o ano de 1854 pertencente à Quinta das Batoquinhas situada na Vila de Vilar Maior conselho da cidade da Guarda cuja quinta me pertence na qualidade de senhoria direta que sou da mesma e pela qual se paga do foro a pensão anual de 40 fanegas de centeio na forma de aforamentos a este respeito feitos pelos respetivos foreiros e bem assim recebi do mesmo senhor António Silva mais três anos adiantados os mesmos foros cujos devem vencer nos próximo futuros anos de 1855, 1856, e 1857 na mesma razão das nomeadas 40 fanegas de centeio anuais concedendo o mesmo senhor Silva para cobrança dos mesmos foros atrasados e dos mais três anos que me adiantou como acima de ele autorização para poder cobrar dos foreiros, caseiros ou possuidor da mencionada Quinta das Batoquinhas os foros e rendas atrasadas até que se achem completamente embolsado e satisfeito da importância e totalidade que me adiantou podendo fazer cumprir o pagamento judicialmente se tanto for mister e os respetivo rendeiros ou foreiros concedendo ao mesmo senhor Silva por este mesmo alvará procuração em causa própria com amplos e gerais tudo para o fim de ser embolsado dando-lhe também pleníssima e geral quitação da importância dos mesmos foros até ao futuro ano de 1857 e para sua defesa e a minha lembrança eu passei a presente que terá a forças do artigo quatro 162 da novíssima reforma judiciária. Lisboa 20 dezembro 1854, Condessa de Bobadela

Reconheço original supra"

Assinam José Ribeiro Leitão e António Barreiros e Neves

 

publicado por julmar às 12:05
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Sexta-feira, 10 de Dezembro de 2021

Requiescat in pace, Joaquim Badana

joaqui badana.jpg

O Quim, Joaquim Dias Badana, faleceu em Castelo Branco onde viveu a maior parte da vida. O funeral foi hoje, sexta feira, dia 10 de dezembro.

Ser de uma aldeia é ter a certeza que nunca se é anónimo, que rico ou pobre, instruído ou analfabeto, é sempre aquela pessoa única que faz parte das nossas vidas. Todos os da minha geração conhecemos o Quim. No tempo em que nasceu, o meu tempo também, a vida era mesmo difícil e para alguns, como o Quim, mais difícil ainda. Felizmente, abriu-se um caminho que lhe proporcionou educação e responsabilidade que, amigo de ajudar, lhe grangeou consideração. Tinha gosto de o cumprimentar todos os anos, aquando da Festa do Senhor dos Aflitos, a que nunca faltava. Aos familiares, sentidas condolências.

publicado por julmar às 18:47
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Terça-feira, 7 de Dezembro de 2021

D. Zézinha - Uma história que vale a pena ler

Recordando a D. Zézinha - VILAR MAIOR, minha terra, minha gente

"Quem não sabe o que lhe acontece puxa pela memória para salvar a interpretação do seu conto, pois não é totalmente infeliz quem puder contar a si mesmo a sua própria história” Maria Zambrano

Já tinha dado conhecimento da existência deste livro no blog, Vilar Maior minha terra minha gente. Recentemente, tive uma longa e agradável conversa com a autora que teve a gentileza de me enviar o livro. No mesmo dia que o recebi, o li. Como um romance que tem um sabor diferente pelo conhecimento direto dos personagens e dos lugares. A história de uma mãe e de um filho, a D. Zézinha e o Alexandre a que se acrescenta o pai, o sr Raul e a Adelina, irmã do Alexandre, falecida na infância. Depois, acrescenta-se a família alargada: Os pais da D. Zézinha e a sua madrinha, dona de uma pensão no Sabugal e que a tomou como a mãe que lhe deu atenção e carinho; os pais e irmãos do senhor Raul, uma família urbana a viver numa comunidade rural. O livro gira à volta da relação de uma mãe rígida e austera que quer o melhor para o filho, que na sua obsessão de o tornar o melhor aluno lhe nega o mais importante: o amor concretizado no carinho e a liberdade materializada no brincar. D. Zézinha colocava acima de tudo a sua profissão desenpenhada no contexto dos valores do Estado Novo.  O livro é uma história dentro da História. Uma história que começa na Primeira Guerra Mundial, no cocheiro que faz o correio da Guarda para o Sabugal, do casamento do cocheiro com Maria da Graça e do nascimento da Maria José que iria ficar orfã aos quatro anos com a mãe a não saber o que fazer à vida. Valeu-lhe a Adelina que tinha a pensão no Sabugal, onde a Maria José cresce a ver aparecer e desaparecer muita gente importante. Fez a quarta classe como aluna tão distinta e ilustrada que anos mais tarde lhe haveria de valer a convocação para regente escolar estreando-se na função na Arrifana do Côa onde, a tão invulgar acontecimento, entre a muita gente que acorreu, se contava Raul Araújo. Ali nasceu um amor cuja união seria celebrada em 1942. E, em parte da casa, da ilustre família Araujo, na Vila, se instalou o casal. Em 1951, nasce o Alexandre, dando continuidade ao nome de seu avô e de seu bisavô. O périplo de D. Zézinha prossegue de aldeia em aldeia, a partir de agora com o Alexandre, na sua missão de ensinar a ler, a escrever e a contar que, juntamente, com a inculcação dos valores Deus, Pátria e Família completariam o currículo. O futuro é indecifrável e o princípio da década de 60 trouxe muitas novidades: D. Zézinha estava agora na escola primária de Vilar Maior, no edifício acabado de construir do Plano Centenário; o Raul, amparado no magro vencimento da regente, farto de vida sem horizonte, fez como os pobres e mal remediados fizeram, deu o salto para França; o Alexandre, finalmente, deixava a mãe, a caminho do seminário de Beja, onde o fui encontrar um ano depois. E o Alexandre, fora da mãe, no seminário, não iria encontrar nem amor, nem liberdade. Não haviam passado dois anos, e o padre Gaudêncio - o reitor do seminário, uma figura distinta que aparecia à hora do recreio a distribuir o correio pelos alunos, cartas que ele já lera, a quem os alunos cumprimentavam beijando a mão, espalhando perfume por onde passava - dava a pior das notícias à mãe: o Alexandre tem de abandonar o seminário porque não tem vocação. Nova fase de vida do Alexandre, agora num colégio interno da Guarda, o Colégio de S. José, dirigido por padres que pouco diferia do seminário. Porém, o Alexandre crescia e contra a rigidez disciplinar ousou experimentar o sabor do desafio e da desobediência. Gostou e criou amigos. 

O princípio da década de 60 também trouxe as guerras do Ultramar que se alimentavam da juventude. D. Zézinha, embora defensora da pátria e do império vivia acabrunhada só de pensar que o seu menino, cada vez mais próximo da idade de soldado, pudesse ir para a guerra. Assim, arquiteta um plano para o Alexandre ir passar as férias a Paris com o pai. Chega e o pai, que não sabia da ida do filho não estava. Levam-no para o grande bairro da lata - Champigny,  e fica incrédulo sobre como é possível viver ali. Depois passa a viver com o pai que trabalhava longe e só o via ao fim de semana. Encontros e desencontros, portas fechadas, outras entreabertas, vai-se acertando com a realidade. 

D. Zezinha, por cá, sem o seu Alexandre, sem o Raul, perde o amor à profissão. Tira o passaporte e vai ter com eles a França. Como é preciso ganhar a vida, mesmo num ofício que não se gosta, tornou-se porteira. 

Uma história que começa nos princípios da República, passa por duas guerras mundiais, por quarenta anos do salazarismo, pelas guerras coloniais, pelo exodo migratório e, felizmente, pelo 25 de Abril.

 

publicado por julmar às 18:21
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