Faleceu dia 28 de abril, no hospital da Guarda, onde dera entrada dias antes, o nosso conterrâneo Quim Miguel que de algum tempo a esta parte residia no lar da Bismula.
Filho de Miguel Martins Duro e de Gracinda da Conceição Palos, uma família moradora no largo da Igreja matriz, numa casa baixa como eram todas as casas do Cimo da Vila. Todos os vilarmaiorenses têm uma história de vida interessante só por serem da Vila. A história de vida do Quim Miguel além de interessante é invulgar. Fosse eu um conversador e contador de histórias como ele e não me faltasse tempo e talento e até Tchekov havia ficar roído de inveja. Vivia a vida intensamente, quando rapaz era capaz de, ao som da concertina, beber uns copos e cantar à desgarrada. Foi como todos para França, ganhou, poupou mas não era a terra dos seus sonhos. Ia e vinha, cada vez ia menos até deixar de ir. Se lhe déssemos cavaco, tínhamos conversa por largo tempo. Uma manhã de primavera, na ponte sobre o Cesarão, despejou o saco. E no saco estava a realização do seu sonho maior - construir um ‘chateau’, uma casa tipo ‘maison’ com ‘fenêtres’ e tudo. Aquilo que pensei ser uma coisa impossível ele tornou- a realidade e motivo da maior discórdia dos gostos arquitetónicos de forasteiros e residentes, responsabilizando o seu proprietário por uma construção tão incomum. Eu, apenas lembrava aos que o apoucavam que ele tudo fizera à vista de todos com licenças e licenciamentos das autoridades competentes. Sobre o assunto, a minha mãe em quem muito do seu saber andava embrulhado em versos, disse-me:
Quem fez sua casa na praça
A muito se assujeitou
Uns dizem que ficou baixa
Outros que alta ficou.
Ninguém como o Quim Miguel investiu em Vilar Maior. Bem, mal? Bom, pelo menos o dinheiro dele ficou por aqui, não o podem acusar de ter contribuído para o empobrecimento da região. Comprou terras, comprou gado, fez muros muitos muros. Como me contou teve uma má experiência como accionista da Torralta.
- Sabe? Ficaram-me com o dinheiro e até hoje ninguém me disse nada! Antes quero comprar um barroco e mijar-lhe em cima do que entregar o dinheiro a esses ladrões.
No fim dessa conversa tirámos uma selfie. Gostava de a publicar mas não à consegui encontrar. Caro Quim Miguel vou sentir a tua falta. Estou, ocasionalmente, na Vila e acompanhar-te-ei à última morada.
Hoje, quinta-feira da Semana Santa, dia 14 abril, manhã de nevoeiro denso, desci o caminho da Fonte Velha, virei parao caminho das Entrevinhas no termo do qual à esquerda se encontra a imagem refrente ao lugar a visitar. Talvez o que neste outdoor se mostra possa ser o princípio de um novo tempo para esta região. O Vale Carapito, qual pequena mesopotâmia, é um espaço que fica entre o rio Cesarão e a Ribeira de Alfaiates no fim do qual se abraçam e juntos se lançam ao rio Côa. Aqui, em baixo, rodeado de frescos lameiros, bordejados de freixos, tem como fundo sonoro a voz do Cesarão à qual se juntam as vozes dominantes do cuco e da pôpa e mais uma infinidade de clhilreares. E logo me dou conta que entro num território diferente onde a natureza protegida se mostra a quem ousar nela reparar. Uma imensidade de teias como roupa a corar pelo chão, pousadas nas giestas de maia branca e intenso odor, nos bracejos - teias feitas na noite para se desfazerem de dia e voltarema fazer-se quando a noite chegar.À medida que fomos subindo do caminho até o ponto mais alto foi-se dissipando o nevoiro e acentuou- se a aragem fria da Primavera
Caminhando em direção a sudoeste fomos depois descendo para a ribeira de Alfaiates cavada lá no fundo. No cimo do monte, llagedos enormes pregados ao chão e, junto ao rio, grandes blocos verticais . Algumas partes do leito atulhado de enormes pedregulhos soltos, num trabalho feito à pressa, contrastam com a ordem escultural firme que a paciência do tempo gerou, com bacias enormes escavadas pelo redemoinho de águas e areias. Esta é a ordem do reino mineral. No reino vegetal, mais efémero, temos os amieiros e salgueiros no rio, os freixos em sítio mais enxuto mas com água abundante e para cima os carvalhos e o crescimento rápido e recente das azinheiras. De arbustos, para além da giesta dominante, há , cada vez mais raras, as gilbardeiras ( aquele arbusto que servia para limpar as chaminés, para afastar os ratos, para varrer e para fazer os cabos das nossas canetas de aparo que molhávamos no tinteiro).
A gilbardeira, o trovisco as roseiras de Santa Teresinha. Muito bracejo.
Um conselho - Não vá só! Ousei descer ao Insumidoiro, esse lugar mágico onde o rio desaparece por baixo de enormes penedias. Escarpa abrupta, rochas escorregadias, galhos secos, arbustos ocultando o chão são armadilhas, onde um pé em falso pode dar para o torto. Olho o telefone, nem sinal de rede! Há que subir - de gatas, de joelhos, de modo seguro, demore o que demorar. Finalmente, começam a aparecer os cagalhões dos sorraias - os cavalos - que não vi.
Caminho até ao cume do monte, agora em direção a Nascente com o sol a bater-me nos olhos. Uma águia rasga os céus, grasnando para aoutra que a seguia, a caminho de Badamalos.
De regresso, com o castelo lá no alto, subo as Escaleirinhas com o basófias do Cesarão
de voz grossa no inverno e sem pio no verão
É assim! Quem me quiser ver morto, tire-me a natureza. Ou o castelo!