Já o sabemos: Em Vilar Maior todo o indivíduo é um personagem. Porém, alguns pelo, jeito, pelo modo, pelo feitio foram-no mais do que outros. É o caso do ti Lucrécio que assim descrevi no livro Memórias de Vilar Maior, minha terra, minha gente.
Para que serve um jornal
Analfabetos podem ser, incultos é que não. A maior parte não vê uma letra do tamanho dum boi, expressão usada aqui para dizer que fulano ou sicrano não sabe ler. Não é que não houvesse escola mas muitos pais não podiam prescindir do rapazito ou da rapariguita para tomar conta do gado ou dos irmãos mais novos e também não viam, por vezes, grandes vantagens em aprender a ler e a escrever.
A casa onde habitou
Os livros eram raros, revistas não havia e jornais, durante muitos anos, chegava com dois ou três dias de atraso o " Diário de Notícias" a que, por ser correspondente, tinha direito o senhor António Lucrécio que também por esse facto era a pessoa mais bem informada do que se passava pelo mundo fora. Extraídas as mensagens do jornal, seguiam alguns exemplares para a ti Pureza. Quem não se lembra dela? Durante anos e anos, todas as tardes de domingo, no fundo da praça, sentada no cais, com o caldeiro de tremoços à beira e um monte de folhas de jornal de diversas medidas. Lá iam os garotos, um a um, a comprar um tostão ou dois de tremoços. Cinco tostões era um cartucho grande e dez tostões um cartucho enorme. Assim, os mais velhos acompanhavam o copo de vinho que se tinha ganho a jogar a arraioila ou a jogar às cartas; assim os rapazes começavam a ronda ao som do realejo na falta de melhor instrumento:
Venha o copo, venha o vinho
Venha mais uma rodada
Que o dinheiro paga tudo
Não lhe fica a dever nada
Entardecia. Lá ia a ti Pureza para casa, com os restos dos jornais que não sabia ler mas de que fazia úteis cartuchos, cozer tremoços, demolhar tremoços para o domingo seguinte , no tempo em que os tremoços eram chochos. Às vezes, serviam os jornais para a rapaziada fazer papagaios, quando algum deles mais cuidadoso havia guardado o fio (linhol) dos canudos das canas dos foguetes que apanhara na alvorada da festa do Senhor dos Aflitos. Outras vezes, decorava basais ou guarda-louças e até havia quem forrasse todas ou partes das paredes interiores das casas. Não fora o senhor António Lucrécio correspondente do citado jornal e estamos a imaginar como se haveriam de resolver tais situações. Para além do citado jornal compor a figura do nosso correspondente que presumo ter sido um homem inteligente, com uma filosofia de vida que o levava a um distanciamento dos outros, a um olhar crítico, a uma independência e a um desprezo pelo servilismo e estupidez humana. Exercera a profissão de comerciante. Exerceu a profissão de agricultor mas diferente dos outros: Mais do que trabalhar organizava o modo de produção: Mandou construir condutas de água em granito e privilegiava a cultura do feijão bem mais rentável que a batata; dedicou-se à apicultura daí conseguindo uma diferente e fácil fonte de rendimento. Lia-se-lhe no olhar, por vezes, uma certa amargura talvez porque sabia poder ter ido muito alto e, no entanto, ficara por aqui a ver restos de jornal a embalar tremoços. Ele era o dono da praça, quando os outros cavavam, lavravam, pastoreavam: Chapéu, capote, bengala, jornal debaixo do braço, praça acima, praça abaixo, vezes sem conta. Às vezes, aparecia o militar ou o proprietário rico mas quem sabia disto ou daquilo era ele, lançando-lhes o epíteto: “são galuchos”. E coisa que dissesse haveria de manter. Contou-me, que quando estava na tropa, certo dia , na formatura se cantava "A Portuguesa". O sargento observou que o soldado Lucrécio não abrira a boca. Ordenou, então, o sargento que cantasse . "Não canto, não canto e não canto", repetiu o soldado. Desobediência que levou ao prolongamento da vida de soldado. Um dia adoeceu. Não houve mais jornal, cartuchos, nem tremoços e a praça nunca mais foi o que era.
De o Ilustrado a 17 de Julho de 2011 às 17:51
Calculo que isso assim fosse pelos anos sessenta: sem água ao domicílio, sem electricidade, sem tanta coisas que hoje achamos imprescindíveis mas com o essencial: gente, muita gente. Tanta gente que aberta a emigração saiu quase toda.
De Arraiana a 18 de Julho de 2011 às 17:06
Ao lere este texto, troxe-me à memória as recordações da minha infância. A Praça cheia de "cheiros, cores ... e de estarmos à espera do correio para sabermos as novidades.
De Saudosa a 19 de Julho de 2011 às 11:54
Adorei ler esta história. Colocou-me mesmo no meio da praça a olhar para o pelourinho e a ver essa Vila de outrora. Não é saudade, nem nostalgia, que a vida era dura, mas tinha outros encantos e risadas com gosto. Sobre a Ti Pureza muita vezes me ri sobre o que diziam, da maneira como adoçava os chochos. Mas eu comia-os às mãos cheias em casa da Tia Graça, que sabia tratar deles como ninguém. Havia sempre um prato com eles no terraço. As cascas, que eu não comia, era só esticar o braço e deixá-las cair para a pia do porco que "vivia" no rés-do-chão. Era habitante temporário, nunca mais de um ano e outro morador o substituia.
Tanto carinho que sinto pelas pessoas e pela nossa Vila. Sempre que vou a caminho, segundo dizem, começo logo a aplicar as tais palavras que só mesmo na zona raiana se usam, mesmo sem me dar conta. è pura magia porque quando estou fora nem me lembram nem as saberia aplicar.
Obrigada pela lembrança.
De MANUEL LEAL FREIRE a 21 de Julho de 2011 às 12:41
Suponho ser uma das pessoas não nascidas emVilar Maior que melhor vconheceram o senhor LUCRFECIO,com quem estreitei relações por tres ordens de razões.
Primeira-o senhor LUCRECIO foi comiss+ario de meu sogro,condiçao quie passo a explicar para os que andam mais arredados desta terminologia.Meu sogro era armazenista de produtos agricolas e para a agricultura,com espaços de recolha e difusao nas estações do BARRACÃO e CERDEIRA.
O senhor LUCRECIO comprava para ele os excedentes de batata,feijão,linhaça e outros generos que sobrassem em Vilar Maior,recebendo como paga uma comissão adrede fixada.
SEGUNDA--Meu tio TCHÉirmao mais velho de meu pai dedicava-se á apicultura,no que foi seguido pelo seu filho unico.conhecido pelo PROFESSOR CEGO,homem muito culto e profundo estudioso de tudo o relacionado com abelhas.
O senhor LUCRECIO era por igual um muito esclarecidi produtor de mel
Como o meu primo tinha dificuldades de locomoçao
deslocava-se ele á Bismula para rocarem opinioes.
Andando por ali assisti a muitas dessas reuniões-
TEERCEIRA
Como sabem as pessoas do seu tempo,o senhor LUCRECIO vivia quase paredes meias com o senhor JOAO DA CRUZ,PAI DA PROFESSORA MARIA DELFINA,
cujos estudos orientei da instruçao primaria ao exame de estado.HÁ MAIS DE MEIOSECULO QUE FREQUENTO AQUELA CASA DE CUJO BALCÃO MUITO DIALOGUEI COM O SENHOR LUCRECIO,HOMEM DE FUNDADAS OPINIÕES.
Recordo uma reuniao de notaveis,no largo fronteiro á CASA GATA
Presentes,entre outros personagens menores,os senhores TENENTE PAULOS,O PROFESSOR GATA DO SOITO,do Soito por ali ter dado aulos e ali praticar o prestamismo a juros altos,..
Salazar aa+ira da cadeira e alvitravam~-lhe sucessores.
O senor LUCRECIOI apontou o nome q ue viria a ocupar o cargo-MARCELO CAETANO-com grande raiva minha feroz anticaetanista e que prefera o gheneral SAN TOS COSTA
De Jarmeleiro a 22 de Julho de 2011 às 00:51
Para dizer a verdade não havia chôchos como os da ti Pureza, nem mesmo os comprados nos mercados e feiras das redondezas. Soava na Vila que tinha um segredo para os adoçar, depressa e bem, usando um ácido natural e barato, mas eu estou em crer que isso seria boato. E ocasiões havia em que na venda não usava os tais cartuxos de jornal. Tal acontecia nas pagadelas do vinho. Lembro-me bem que por volta dos meus quinze anos e quando já começava a namoriscar, para poder andar nas ruas depois do toque das trindades sem levar umas cinturadas dos rapazes mais velhos, tive pagar o vinho, como era de uso. Combinado o dia, lá fui nas vésperas a casa da ti Pureza a participar o assunto; ela já sabia o que tinha a fazer; adoçar um caldeiro de chôchos de igual medida aos que vendia aos domingos. Depois era seguir os usos para a ocasião. Na noite conbinada (tinha que ser de noite) uma vez reunida a rapaziada solteira (aí uns trinta ou mais), lá apareci eu com o caldeiro dos tremoços e um cântaro de vinho mercado na taberna do Senhor Aníball. Segui-se a usual ronda às ruas da Vila a toque de realeijo, com paragens de onde a onde para atiçar nos tremoços e no vinho. E desta vez as cousas até acabaram em bem já perto do nascer do sol. Mas outras haviai que o vinho falava mais alto e a funçao não acabava sem umas tretoiradas, dadas a esmo e umas arrochadas detribuidas a torto e a direito, onde até o caldeiro dos chôchos e cântaro do vinho andavam pelos ares e a rebolar sobre a calçada. Aí, o seu destino era certo; uma visita à Senhora Zabelinha do Albino, que com umas marteladas e uns pingos de estanho os deixava para lavar e durar.
Isso sim é que eram tempos.
Uma bôa noute para todos.
De INCRÉDULA a 22 de Julho de 2011 às 12:35
Gostei da história senhor Jarmeleiro, mas como sou incrédula, essa de namoriscar aos 15 anos, será verdade? Nesses tempos, que eram outros, a coisa não bate lá muito certo.
Tenha um muito bom dia sr. namoradeiro.
De Jarmeleiro a 23 de Julho de 2011 às 02:11
Ora a Senhora Incrédula desculpe-me lá, mas não intendo qual seja sua dúvida de um rapaz da Vila poder namorar aos quinze anos: Cá pra mim só pode derivar de conhecer mal a mocidade da Vila daqueles tempos e dos seus modos de viver, porque se calhar não foi lá criada. É que se está a pensar que a mocidade da cidade aprendia mais sobre certas coisas da vida que os das aldeias, está munto enganada. Atão não sabe que essas coisas do namoro e do sexo se começavam a aprender logo de tenra idade quando os garotos começavam a lidar com os animais? E olhe que na vila eles não faltavam. Ele eram cães, gatos, vacas, galinhas, ovelhas, burros. E pra fazerem aquilo que tinha que ser feito, nem tinham medo, nem vergonha, nem tinham que ir ao Sabugal a tirar uma licença. E aquilo não era só chegar à santa e dar um beijo; não, eles tamém sabiam namorar e namoravam. É claro que estamos noutros tempos em que já se fala nessas cousas em casa e nas escolas, mas olhe que não é a mesma coisa. Aquase se aplica aqui aquele dito, vendo e aprendendo. E se pensa que não se namorava cedo porque os pais proibiam princepalmente as raparigas, a coisa também não bate certo; é que rapazes e raparigas abalavam prás fainas do campo, os pais não podiam andar sempre atrás (às vezes algum imãozito mais novo), por lá andavam por vezes dias inteiros, namoravam e não vinha mal ao mundo por môr disso. E como vocemeçê mesma disse, aqueles eram outros tempos... e ajunto eu... para o bem e para o mal.
Tenha uma bôa noute.
De João que Chora a 25 de Julho de 2011 às 15:00
Ao ler desta vez o sr Jarmeleiro tive um pressentimento. O conhecimento das coisas antigas é, como sempre o dempnstrou, enorme. Mas a forma e a correcção é completamente outra, com vírgulas e tudo. Será que andou a frequentar um curso de Novas Oportunidades?
De Jarmeleiro a 28 de Julho de 2011 às 00:19
Novas Oportunidades? Eu só conheço bem, mas é as velhas, Senhor João que Chora. Aquelas que quando aparecem temos que agarrar com unhas e dentes e para delas tirar algum resultado é preciso esmifrá-las até ao tutano, coisa que dá mumto trabalho. Das Novas pouco sei, a não ser que foram engendradas pelo xico espertismo português, assim a modos como quem constrói uma fábrica pra produzir material da marca... FAZ DE CONTA. Mas com isto não quero dizer que não haja Novas Oportunidades, que são boas. Essas são, na minha maneira de ver, entre outras, todas as que facilitam a forma de ensinar e aprender ao maior número de pessoas possível, como a internet e todas as novas ferramentas. E tem graça; eu que durante muntos anos de ferramentas só conheci as dos pedreiros, ferreiros, brocheiros, latoeiros, alfaiates,, carapinteiros, para não falar das dos lavradores que tinham um pouco das outras todas, consegui embrenhar-me nas chamadas novas ferramtas e tecnologias e por essa via muito tenho aprendido. É que ali está tudo e até ensina a põr acentos, vírgulas, pontos disto e daquilo. Claro que ainda não ensina a pensar, mas com o tempo não sei se não chegará lá.
Uma munto bôa Noute pra todos princepalmente para o Sr. João que Chora.
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