Personagens : à frente, da esquerda para a direita: Zé Simões, Zé Osório e Raúl Araújo; atrás; da esquerda para a direita: Quem souber que identifique o senhor de vara na mão, chapéu, colarinho da camisa apertado; de garfo na mão, se não é o Zé Dias, quem é? Fernando Castelo Branco; Alexandre Araújo Gonçalves (pai do Raul), o mais velho de todos (1861-1944). Apesar da informalidade ninguém perde a compostura no trajar. Todos num momento único que advinhavam ia ser publicitado, muitos anos mais tarde, no blog Vilar Maior, minha terra, minha gente.
Local - Dentro das muralhas do Castelo que, como se vê, já eram aproveitadas para manifestações culturais. É possível conjeturar que as estruturas de madeira, atrás, tivessem (não com estes atores mais dados à vida real que à sua representação) servido para uma representação teatral que faziam parte da tradição vilarmaiorense.
Tempo : No Verão (era nessa altura que a visita - Zé Osório - vinha à aldeia, à festa do Senhor dos Aflitos). Quanto ao ano, principio da década de quarenta.
Cena: Uma celebração de aniversário ou, apenas, de encontro de amigos. na forma do que na altura se designava como uma pândega. O cristianismo não apagou por completo as festas pagãs e, talvez, pândega provenha de um termo grego "pandeia" que significa todos os deuses festivos. Claro que as pessoas para festejar não precisam de saber essas coisas e quanto menos souberem melhor é a festa. Dionísio e Baco sempre foram celebrados e a vida seria muito triste sem eles. Vinho da Correia, no sopé do Vale da Lapa, a correr abundante de um enormíssimo corno, provavelmente importado, que embora os houvesse em Vilar Maior, nenhum com semelhante tamanho. O petisco, sabe-se lá, talvez caça de perdiz ou coelho, que ali há caçadores, ou simples punheta de bacalhau. O importante é a reinação, animada pelo vinho e pela canção:
Ora viva pândega!
Ora viva lá
Como esta pândega
Não há, não há
Nem pode haver
Ó sino da minha aldeia,
Dolente na tarde calma,
Cada tua badalada
Soa dentro da minha alma.
E é tão lento o teu soar,
Tão como triste da vida,
Que já a primeira pancada
Tem o som de repetida.
Por mais que me tanjas perto
Quando passo, sempre errante,
És para mim como um sonho.
Soas-me na alma distante.
A cada pancada tua
Vibrante no céu aberto,
Sinto mais longe o passado,
Sinto a saudade mais perto.
Fernando Pessoa in “Obra Édita”
Segunda feira de Festa, encontrava-me acamado devido ao Covid e, no silêncio do meu isolamento, junto à torre da Igreja, pude apreciar a arte de bem tocar os sinos. Que bem que me soube ouvir estes sinos que repicaram para mim no dia do meu batizado já lá vão mais de setenta anos! E posso dizer que fiquei muito intrigado com a arte do executante. E, claro, recordei o mais velho de todos o ti Manel Junça, o seu filho o Zé Prata (há muitos anos emigrado em França), o Alexandre Badana, o Dani e o último dos sineiros, o Xico da ti Elvira, já falecidos. Mas quem poderia ter tocado o sino? Lembrei-me que poderia ser o Zé Prata que tinha vindo à festa. Dias depois, encontrei-o. - Olhe lá, quem foi que tocou os sinos na segunda feira de festa?
- Fui eu!
- Bem me parecia!
Elogiei-lhe a mestria, acrescentando que «filho de peixe, sabe nadar».
- Não, não, está enganado! Não foi o meu pai que me ensinou, eu é que lhe ensinei a ele. A mim quem me ensinou foi o Zé Dias e com 10 anos eu tocava os sinos e ajudava à missa. Ainda hoje, em França, sou eu que trato da Igreja e, muitas vezes, substituo o padre.
Fazendo bem as contas, bem poderá ter sido o Zé Prata que me anunciou ao povo como um novo cristão.
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