Faleceu o ti Zé da Cruz. Tínhamos na vila esta forma, direi carinhosa, de tratar as pessoas da geração mais velha por "ti", abreviatura de tio/tia, ainda que não existisse qualquer parentesco. Fora deste tratamento ficavam as "donas" e os "senhores/senhoras".
Gostava de ouvir o ti Zé. Do trabalho "a jornal" para este e para aquele; da forma como não se deixava vergar à arbitrariedade de quem o contratava para trabalhar ao dia, que por cá designávamos como "andar ao jornal". No fim de um dia de trabalho no Verão - que longos eram os dias! - para os lados das Retortas, trazia o burro do dono, carregado de feixes de feijão seco. Ao longo do caminho, o feijão ressequido pelo calor, com o burro a encostar a carga aqui e ali, no acanhamento da via, abria uma ou outra vagem e caíam ao chão esparsos feijões que o ti Zé não desperdiçava e metia nos bolsos que também serviam para isso. Chegados a casa, ao anoitecer, descarrega o burro e, ao dizer até amanhã, o patrão, a quem alguém bufara ao ouvido, ordena: - Ó Zé, antes de ires, despeja aqui o que tens nos bolsos! Sem palavras, encavacado, despejou os bolsos sobre a mesa, e disse-lhe: - Amanhã, não conte comigo para trabalhar! Nem amanhã, nem nunca! Desandou, sem olhar para trás. No dia seguinte, não apareceu ao trabalho. À noite, o patrão, arrependido, pela atitude que tivera, bate-lhe à porta a chamar - Ó Zé! Ó Zé!
Aberta a porta, perguntou: - Boa note, o que quer você?
- Ó Zé, não precisavas de ficar assim tão arreliado, eu também não precisava de ter dito o que disse. Esquece lá isso e amanhã é mais um dia. Eu preciso de ti e a ti tamém te dá jeito ganhares o jornal.
E com estas e outras palavras lá foi amaciando o ti Zé que acabou por acenar com a cabeça que sim.
Por isso, quando a porta da França se abriu, uns atrás dos outros, foram 'a salto' em busca de uma nova vida. Era de fato uma nova vida, uma vida independente , uma vida livre em que o trabalho era devidamente compensado, com direito a férias e sem mesquinhez e sem opressão. Mas a geração do ti Zé da Cruz ia a França para trabalhar, ganhar dinheiro e regressar. A vida sem a aldeia onde se nasceu e viveu não fazia sentido. Por isso, o Ti Zé da Cruz regressou, como todos os da sua geração, para retomar uma vida desafogada com a reforma recebida complementada agora por um trabalho leve de horticultura. O ti Zé da Cruz era filho do segundo casamento do ti Zé da Cruz e da ti Isabel Afonsa, e teve como irmãos: o Joaquim, o Adriano, o Júlio, e ainda vivos, a Maria e o Manuel, uma extensa família que ainda conheci como vizinhos no lugar da Praça, frente à casa onde moro. Lembro-me de, em pequeno, ir buscar a tigela do fermento a casa da ti Zabel Afonsa para a minha mãe fintar o pão e contava-me o ti Zé que nas vésperas de cozer o pão, mutuamente emprestavam um pão, enquanto não chegava do forno o tabuleiro dos pães para mais oito dias.
Regressar de França era inevitável para reencontrar a terra e a gente e recordar os 'bons velhos tempos'.
NOTA - Por lamentável erro informático, do qual me não me dei conta, não editei aqui no blog o texto que escrevi aquando do falecimento do conterrâneo e amigo Zé da Cruz. As minhas desculpas às irmãs Maria, São e Amélia.
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