Quarta-feira, 18 de Setembro de 2024

Liber mortuorum

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O culto aos mortos é uma prática antiga e praticamente universal na história da humanidade, que remonta aos primórdios da civilização, acerca de 100 000 anos. Ele reflete uma necessidade humana de lidar com o mistério da morte e, de certa forma, de manter uma conexão com os mortos. Esse culto responde a várias necessidades humanas, como:

1) Necessidade de lidar com a morte de um ente querido sendo que

o culto aos mortos ajuda as pessoas a processarem o luto através de rituais como os velórios e cerimônias fúnebres oferecendo algum conforto emocional.

2) A necessidade de assegurar a imortalidade ou continuidade sendo que o culto aos mortos pode ser visto como uma forma de assegurar que o espírito ou alma do falecido tenha um destino favorável ou uma continuidade de existência em outra forma. Rituais funerários e homenagens aos antepassados podem ser considerados maneiras de ajudar os mortos a transitarem para essa outra existência.

3)  Necessidade de manter a conexão entre os vivos e os defuntos que, de algum modo, permanecem como fazendo parte da comunidade. Eles podem continuar a influenciar a vida dos vivos e estes podem ajudar à expiação das suas faltas na vida terrena. A memória perpetua-se na campa do cemitério ou no cruzeiro junto do caminho ou na berma da estrada onde a morte o colheu.

O cristianismo ao longo da sua história foi construino todo um ritual  que todos bem conhecemos, pois toda a religião é um conjunto de crenças e rituais que preparam o homem para 'a vida que há-de vir' após a morte. As Alminhas - nichos, pequenas capelas, ou simples monolitos - encontram-se abundantemente por caminhos antigos da Vila e do concelho. Como ritual mais significativo  há o culto, a seguir ao de todos os santos 'O Dia dos Fiéis Defuntos' que em Vilar Maior representa, atualmente, o dia em que mais Vilarmaiorenses comparecem na Vila.

Na Vila, por enquanto, os vestígios mais antigos do culto e sepultamento dos mortos está patente nas sepulturas escavadas na rocha, um pouco presentes pelas aldeias do concelho do Sabugal, cujo principal conjunto se encontra no lugar da Correia das quais existe descrição detalhada. Este tipo de sepulturas escavados na rocha são práticas funerárias antigas (Antigo Egito - 2600 a.C.  1075 a. C, Turquia, Jordânia, Regiões do Império Romano; Etiópia, Peru, Região Mediterrânica, Em África na atual Tunísia e Líbano), existentes um pouco por todo o mundo, e que se caraterizam  por envolver a escavação de câmaras ou nichos diretamente em formações rochosas, servindo como locais de descanso permanente para os mortos.

As sepulturas escavadas nas rochas em Portugal são um dos vestígios arqueológicos mais enigmáticos e antigos do país, datando principalmente de períodos da Alta Idade Média (c. 5º ao 10º século d.C.), embora algumas possam ser ainda mais antigas, pertencendo à Antiguidade Tardia (c. 4º século d.C.) e, em alguns casos, ao Período Romano. Essas sepulturas estão espalhadas por várias regiões de Portugal, com maior concentração no norte e no centro do país.

A função principal dessas sepulturas parece ser funerária, e acredita-se que tenham sido utilizadas por comunidades rurais, sendo muitas vezes associadas a igrejas ou capelas locais, o que sugere um contexto cristão.

No território que hoje é Portugal, estas sepulturas poderão pertencer:

1. Ao período visigótico (entre o 5º a 8º séc. d.C.):

Durante a época visigótica, Portugal fazia parte do reino visigodo, e muitas dessas sepulturas escavadas em rocha datam desse período. Algumas são encontradas perto de igrejas primitivas ou mosteiros, indicando uma ligação com o cristianismo primitivo. No entanto, o seu uso pode ter continuado durante o período de ocupação muçulmana e posteriormente, durante a reconquista cristã.

2.. Ao período Cristão Medievo (8º a 10º séc. d.C. 

Com o avanço da Reconquista Cristã, essas sepulturas tornaram-se mais frequentes em áreas que estavam a ser progressivamente recuperadas pelos reinos cristãos. A forma antropomórfica e a localização próxima a igrejas rurais sugerem que essas tumbas foram usadas por comunidades cristãs durante esse período.

Função e contexto religioso

Essas sepulturas parecem estar fortemente associadas ao cristianismo primitivo e à expansão da fé cristã durante o período da Reconquista. Muitas delas estão próximas de antigas igrejas, eremitérios ou mosteiros, sugerindo que eram usadas por comunidades rurais cristãs, possivelmente para enterrar membros de elites locais ou clérigos.

A forma antropomórfica dessas sepulturas e o cuidado em sua elaboração sugerem uma crença na ressurreição do corpo, conforme a doutrina cristã. Isso reforça o caráter religioso dessas sepulturas, que serviam tanto para proteger o corpo na morte quanto para garantir o seu descanso em solo consagrado.

Concluindo, esses túmulos poderão ser um testemunho fascinante das práticas funerárias e da expansão do cristianismo em Portugal durante a Idade Média, refletindo tanto influências locais quanto as transformações religiosas e culturais que ocorriam na Península Ibérica na época.

publicado por julmar às 12:12
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