Foi uma vez, num tempo já quase sem nenhuma Primavera, embalada pelo tempo que convida ao devaneio, dei comigo, vezes sem conta, a procurar Os Rios da Minha Infância, cansada de ler os seus nomes nas placas das estradas e de olhar os seus leitos rendilhados de secura… Quantas vezes cheguei a pensar que os títulos de seus nomes espalhados ao longo dos caminhos e estradas, mais não eram que uma lápide a recordá-los à posteridade. Houve mesmo ocasiões que antes de ler os seus nomes, antepus “Aqui jaz o Rio“ e acrescentei-lhe o fervor de uma prece saturada de emoção que, pelo passado, era Louvor e pelo presente/futuro um Lamento.
Em vão, procurei o murmúrio das correntes, o chilrear dos pássaros no ramos dos Salgueiros que bordejavam as correntes … sonhando ao som das cascatas que rachavam as montanhas e entoavam hinos à Natureza que não fala a nossa linguagem … até as pedras se esconderam para dar lugar a detritos e pastos ressequidos … Quando acontecia ver repetidos, mais à frente o mesmo nome de Rio, chegava a pensar que tinha acabado de pisar um túmulo! Deveria ter voado sobre aquele espaço em sinal de homenagem.
Não vivi assim tantos anos ainda para esquecer o rios e regatos e ribeiros da minha infância.
O que eu gosto mesmo é da Montanha, quando a chuva cai em rajadas, ao som da música das cascatas, em véu de noiva delicioso e puro e forte, abrindo socalcos, recheando de beleza, passo a passo, a caminhada.
A água era cristalina, espelho sempre à mão das nossas vaidades e fantasias e os seixos que ela acariciava, eram espelhos fixos que os da água corrente, levavam as nossas imagens pelos caminhos dos nossos sonhos que embalavam aventuras. A Pureza de água de que pulava tornava as pedras brilhantes. Lembravam canções de embalar sonhos! Quantas vezes, com os meninos da minha idade nos sentámos, ali antes do Sol se pôr, pelas tardinhas, a imaginar a vida naquela água correndo, correndo para o Mar. Era sempre água e nunca era a mesma água e todos os dias corrria, corria, corria, corria assim como o tempo, sem tempo, a acompanhar a vida sempre renovada, continuada, em nós e na Natureza! A água corria para o Mar e nós íamos com ela, crescíamos … nossos olhos desvendavam montanhas e nas nossas cabecinhas viviam aventuras inimagináveis viajando com as águas até o Imenso Mar. Procurávamos viver aquele sortilégio de vida fazendo viagens inesquecíveis em barquinhos de papel feitos dos poucos jornais velhos, que outro papel não tínhamos, os haveres eram escassos e aí tomávamos lugar em barcos de mistério.
Debaixo do Salgueiros construíamos casinhas de brincar que enfeitávamos com miosótis colhidos ali, à beira do rio. Corríamos pelos verdes campos embalados pelo canto dos passarinhos, admirando as ovelhas e as cabras saboreando os rebentos tenros e doces e as vacas que pastavam pachorrentas.
Regressando àquele tempo, já no despedir da Primavera, tenho dificuldade em entender esta transformação violenta que o Mundo sofreu. Assistimos à Explosão da Ciência e da Tecnologia … mas com a evolução veio também a Poluição. Os Rios foram secando, destruindo … destruindo, a água deixou de nos acariciar, deixou de nos purificar, os nossos sentires abandonaram ressonâncias afetivas que moldavam a nossa inteligência e norteavam os nossos comportamentos em sociedade e as nossas relações humanas tornaram-se frias e áridas, tantas vezes indiferentes e surdas … destruidoras, vezes sem conta … continuamos seres inteligentes e interventivos…
Chama-se “Cesarão” o Rio que me viu nascer. É o maior Rio do (meu) Mundo. Continua a correr, quando pode, debaixo de uma ponte romana, de três arcos que era, para mim, a maior ponte do Mundo como essas que são Obra Prima da Tecnologia e de Arquitetos célebres.
Hoje, procuro todos os Rios cujos nomes vou sabendo, no Mar, onde se perderam. Tal como a Vida Humana vai acontecendo e passando assim os Rios da minha infância que deixaram marcas indeléveis e Universais.
Não falo dos grandes rios, esses ainda vão continuando sustentados pela Tecnologia. Presto a minha homenagem àqueles pequeno regatos, ribeiras e rios que alimentavam os povos por onde passavam e fertilizavam os campos e matavam a fome a todos.
Também havia guerras e lutas. O sangue misturava-se com as águas e purificava, se não a alma … as mãos.
O meu Rio “Cesarão” também se zangava e vi-o uma vez em fúria. Veio como uma avalanche de lama mas abençoou a terra e fertilizou-a. As hortas, naquele ano, foram muito generosas. Depois, este Rio já vinha de tempos antigos e distantes. Alimentavam-se da suas águas todos os povos que vieram à Península Ibérica: Iberos, Celtas, Fenícios, Cartagineses, Visigodos, Romanos Quanto valem os “Rios da Minha infância”?!
Não ficaria bem no lugar das Centrais Nucleares?
Que força restituirá, no coração do Homem, o encanto daquele viver, naquela despedida de Primavera!? Naquele tempo, já sem nenhum tempo … recheado de Vida!?
Maria Celeste Brigas Dias Correia
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