Fiquei maravilhado por ter descoberto, ao fim de anos e anos, a passar nesta via de entrada principal da Vila, a olhar sem prestar atenção, sem reparar que aquele banco, onde me terei sentado algumas vezes, à beira do caminho, podia, com mérito, ser uma obra de arte. Uma obra de arte silenciosa, humilde e profundamente comovente. O artista, sem pretensão estética, não olhou apenas à parte utilitária do objeto, pois, esculpiu ao centro, à altura de uma pessoa nele sentada, um rosto humano sereno e compenetrado; do lado direito um copo e do lado esquerdo uma garrafa; um subtil convite a uma paragem para um breve descanso e retemperar forças do peregrino a caminho da Senhora da Ajuda. Rente ao chão estende-se um cordão de granito, aproveitamento do resto do que teria sido uma pia; o fundo é uma vulgar parede caiada de branco onde a erosão ao longo dos anos foi desenhando um mapa de contornos indefinido.
Por vezes, a arte está no vulgar; por vezes, as coisas mais comuns abandonam os trapos gastos da familiaridade; por vezes, cai-nos a venda quotidiana, e a realidade já não é o que era, transfigura-se; por vezes para vermos melhor, temos de fechar os olhos.