Como diria o outro - o mais sábio de todos -, «depois não digam que eu não avisei». Agora que a crise bateu à porta (não se pode dizer que não seja bem educada, ainda que as pancadas sejam um pouco violentas), olha-se para trás e todos constatam os erros. Entre muitas coisas, acabou-se com a agricultura e acantonoaram-se as populações à beira mar confiados que o país iria viver do turismo e demais serviços. Com isso se foi encerrando aos poucos o interior do país. Afinal, parece que isso tem um preço tão elevado que ninguém sabe como resolver.
«Que pena me faz a mim, filho desta terra, conhecedor do que foi num passado ainda recente, vê-la extinguindo-se, tão irremediavelmente, num país que dizem estar a desenvolver-se, a modernizar-se, a europeizar-se. O que sinto não é saudade ou saudade apenas, mas dor e uma raiva impotente. Nos dias que vivemos, chegam–nos, por todos os meios, notícias em defesa de tal animal ou de tal planta, - seja do lince da Malcata ou do azevinho -, de um monumento, de um costume ou usança. Há manifestações de solidariedade para com o povo de Timor que, justamente, quer viver segundo a sua cultura e recusa a subjugação a uma alheia. Somos, até, capazes de, convictamente, nos pronunciarmos em defesa dos índios da Amazónia. Assistimos, entretanto, indiferentes à morte de comunidades e culturas seculares que foram parte activa e enriquecedora do que foi e é a nação e a cultura portuguesa. Entre elas está a região de Ribacôa que foi a última parcela a integrar o território nacional do continente, após longas e devastadoras guerras que terminaram com o tratado de Alcanizes, no reinado de D. Dinis. Grande foi a atenção que, a partir de então, tiveram os monarcas, manifesta na defesa (lá está toda a linha dos castelos do Sabugal, Alfaiates, Vilar Maior, Castelo Bom e Castelo Rodrigo) e no povoamento, como o atestam os forais e a criação dos municípios. Muitos são os vestígios dos povos antigos que aqui se fixaram. Ao longo de séculos, pela acção do poder político, do poder da Igreja e do labor das gentes, aqui se foram forjando formas próprias de vida, isto é, uma maneira própria de ser português e de o ser, tão plena e dignamente, como em qualquer outra parte do território. Esta maneira de ser português, esta forma de participar na cultura nacional está em extinção. Pelo simples facto de que não há pessoas. Cada uma das suas múltiplas aldeias está morta ou em vias de extinção. Basta olhar para as estatísticas. Na década de 50, era ainda um fervilhar de gente. A vida pulsava por todos os caminhos, veredas, hortas, casas e ruas. Era muita vida para tão pouco espaço. Hoje há tanto espaço para nenhuma vida. Não foi uma barragem que submergiu Ribacôa, mas sim um poder político que o abandonou e, diga-se, uma Igreja que deixou de estar presente. Desapareceram o professor primário e o padre, os dois pilares fundamentais da cultura, nestas comunidades. As escolas fecharam e já se não houve o cantarolar da tabuada. Já se não fazem contas à vida. Algumas igrejas ainda abrem, algumas vezes, ao Domingo, por enquanto, e sempre que a morte bate à porta. Acabem os jornais como o "Nordeste" e terão cortado os ténues laços que unem aqueles que, ausentes, guardam a memória do passado.
Que país é este que tão distraído anda com o que tão longe acontece e se esquece de si? Andam os políticos tão ocupados com a construção da Europa! Quem mais que os ribacudanos a ajudaram a construir? Com pá, suor, cimento e lágrimas. Muitas lágrimas. E sangue. Abandonaram tudo: os campos, os gados, as mulheres e os filhos. Viveram em barracas, levantaram-se manhã cedo, muito cedo e chegavam à noite, tarde, muito tarde. Não havia sábados de descanso e, quantas vezes, Deus lhes perdoe, sacrificaram o dia do Senhor, para que a Europa se construísse. E o seu país também. Na Europa, ficava a obra feita. Para o país, vinha o dinheiro que ajudou a transição para a democracia, em 74/75, que ajudou a reintegração dos retornados de África, que permitiu aos nossos políticos passearem-se pelos corredores da CEE, pelos corredores do Centro Cultural de Belém e por outros corredores.
Que recebemos em troca? A sua ruína e a da sua região porque, se num lado ficou a obra e, para o outro, foi o dinheiro aqui cavou-se o vazio, o deserto. A terra se não é cuidada morre».
Júlio Silva Marques, in "O Nordeste", 1992
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