Quinta-feira, 25 de Agosto de 2011
O dia do mercado era um dia muito especial se nos calhava a sorte de irmos lá e, às vezes tinha que ser por mor das botas que só nós podíamos experimentar. Aparelhava-se a burra com albarda limpa e tapete de farrapos guardado para a ocasião, mais o alforge novo onde, dum lado se colocava a quarta de feijão manteiga e do outro meia dúzia de queijos curados, mais os cornachos apanhados pela garotada e mais o peguilho que o pão nesse dia havia de ser o pão de quartos da Miuzela acompanhado de vinho da mesma traçado com gasosa. Com sorte, nesse dia o pai não levava nem vitelo, nem vaca, nem cabra para vender o que dava todo o tempo para mirar o espectáculo das barracas, arregalar os olhos e passear desejos que as vendas da mãe eram mais rápidas que o negócio do gado, feito de avanços e recuos, de (desa)apreciações dos animais, de juras, de rachadelas de preços e de alboroques tudo num ritual de palavras e gestos que ultrapassava toda a minha paciência de garoto. Era assim na década de sessenta. Depois veio a emigração e os francos convertidos em escudos e os portugueses - lavradores, pastores, jornaleiros - a que agora chamavam de " os franceses" que neste " querido mês de Agosto" invadiam o mercado da Miuzela e o de Alfaiates para gáudio dos feirantes que vendiam tudo sem regatear. E para descanso dos burros substituídos pelas voaturas.
Morreram os homens que vendiam o gado e as mulheres que vendiam o queijo mas os filhos deles continuam a ir ao mercado. Diferente e igual. Vende-se quase de tudo: tendeiros de roupa e de calçado, cortes de pano para fatos, uma barraca de oiro duvidoso, cresce o plástico e diminui a lata, sem chapéus de feltro mas com chapéus de palha, ferramentas agrícolas, bordões de caminheiros em vez das mulatas e ... antigudades dum tempo que já foi nosso- candeias e candeeiros de petróleo, pratos a que gatos asseguraram continuidade, alquitarras, ferros de engomar camisas domingueiras, lavatórios de bacia e balde, pexichés ...
E no linguajar das gentes a mistura de línguas, sendo difícil apurar se dominava o português ou o francês ou a mistura das duas. E também aqui o português antigo:
- Atão, passandes lá à nossa porta e no vandes lá a casa, porquê?
- Atão, vós tamém no indes à nossa...
De Jarmeleiro a 26 de Agosto de 2011 às 23:46
É verdade!!! Como tudo mudou nos últimos cinquenta anos. E as feiras e mercados são um bom exemplo para ilustrar tais mudanças. Lembro-me com se fosse hoje, de em certa ocasião ter ido ao mercado da Bismula e enquanto meu pai ficava no mercado das vacas lá para os lados da capela de Santa Bárbara a fim de mercar uma novilha, eu ter ficado no mercado do gado (ovelhas e cabras), cá em baixo perto do largo da fonte da amoreira, para vender uma piara de trinta e tal borregos, bem tratados, já desmamados e que teriam à volta de vinte quilos cada um. As ordens, essas eram claras: pedes 130$00 por rês, mas se a coisa não pegar podes largá-los por 125$00. Às tantas lá apareceu um comprador e começam as manobras de negociação. Ele que não, que os borregos não eram parelhos e que enganavam no peso (estes negócios eram feitos a olho) e que não podia ir alem dos
125$00 por cabeça. Eu, que nem pensar; que mesmo não sendo parelhos, lá dariam uns pelos outros. Nisto, chega o ti Chico Rasteiro da Arrifana, negociante de gado e sabedor do assunto como poucos; depois dos cumprimntos, précura: Atão em quanto está a dirença? Dei-lhe a resposta e logo de seguida agarrou um dos animais e de mão aberta assentou-lhe um apalpão no lombo; a outro pegou-lhe com ambas as mãos, alevantou-o em peso e disse: não estão munto maus; pensa durante uns momentos e atira; ala, ala, vamos lá mas é a resolver isto porque o dono não os quer levar de volta e vocemeçê (diz para o comprador) está a arrebentar por eles. E nisto, faz uma rachadela para os 127$50 e o negócio ficou fechado e foi selado com o pagamento do albroque à minha conta, como era de uso. Entrementes chegou meu pai e não vendo os borregos logo perguntou; atão quanto renderam? Respondi-lhe e ao mesmo tempo que me dizia que também tinha mercado uma bonita novilha, vi-lhe um leve sorriso nos lábios e um certo a reluzir nos olhos que me deixaram contente. De repente, diz: ala, vamos passar ali plos sapateiros pra mercarmos umas botas pra ti e a seguir vamos a ter com a mãe a ver se já vendeu a quarta de linhaça para nos metermos a caminho de casa, pois as vacas já devem estar a urniar na loja e com os dentes na boca; E tu não te esqueças que inda tens que ir a ter com os garotos que andam com o gado no penicôto.
Ora, como decorre desta hstória, que mais coisa menos coisa é verdadeira, são muitas e grandes diferenças de então para os nossos dias. Mas para mim, a maior das diferença nem está no preço dos borregos. A maior está na rapidez com que uma criança deixava de o ser, para se tornar adolescente e nessa condição passava a pensar e a assumir tarefas de gente crescida, mesmo antes de ser adulto.
Essa sim, é uma grande diferença em relação à relalidade actual
Uma bôa noute para todos.
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