Terça-feira, 19 de Março de 2013

AS GRANDES OBRAS DO SÉCULO XX - A ÁGUA V

(pais do Sr Tenente Palos)


Da condução à distribuição

O lavrador remediado, com corso azorrar pedras próximas  ou com carro para transporte mais longo, deu uma jeira, o lavrador mais rico mandou o seu criado, o pedreiro foi a especialidade mais solicitada e jornaleiros eram todos que abrir o valado era trabalho duro mas indiferenciado. Os que tinham adegas contribuíam com vinho na proporção do tonel e da boa vontade que a água dá vida ao corpo mas é o vinho  que anima a alma. As viúvas ricas pagavam jornais aos jornaleiros pobres. E o sr Fernandinho com uma cultura e filosofia que não encaixava nos moldes da existente, negociante genuíno, disse ao sr Tenente que a água podia passar graciosamente pelas suas terras que era quase o percurso todo. O padre Zé Baptista deixava que a noite caísse que os corpos cansados chegassem ao lar para bater numa e noutra porta para arranjar equipa para o dia seguinte.

- Ó senhor António!  e abrindo a porta ...

- Ah, é o sr Reitor! E antes que o mandasse entrar já estava dentro da cozinha, de chapéu na mão!

- Ó senhor reitor, ponha o seu chapéu que aqui não é casa de santo, disse o António. A  Elvira, ó senhor reitor coma aqui as batatas connosco e o senhor reitor que não; e o António beba ao menos um copo do nosso que nunca foi batizado.

-Pois, para batizado chego eu que o sou no nome e na fé, diz o reitor que disse ao que vinha e que nem era preciso dizê-lo. E o António, num ora deixe cá ver como se pegasse numa agenda,  começou a desfiar os compromissos - terça para aqui, quarta para ali, quinta para o mercado, sexta para  fulano, sábado para sicrano ... Pois só para a semana, senhor reitor, no dia que der mais jeito.

 A garotada, mais que os adultos, andava excitada com toda esta movimentação e em magotes metiam caminho fora a inteirar-se sobre o andamento dos trabalhos e na mira do espetáculo do rebentamento de barrocos com pólvora, pois, lugares havia onde a coisa só com ferro e fogo avançava. O povo andava exausto, pois além do trabalho que era só deles, estavam agora sujeitos a curveias pesadas para o alcance de um bem comum tão grande que era . E, mais em surdina, que em voz alta há recriminações sobre a desigual contribuição de cada um. Não fora o querer participar na epopeia hidráulica, não fora o querer saber como no fim seria e, sobretudo, não fora o saber do padre Zé Batista de como levar a água ao seu moinho e tudo ficaria em águas de bacalhau e lá se ia o sonho por água abaixo.

 Ainda a água não saíra da fonte mãe e todos opinavam sobre quantos e onde deveriam ficar os marcos ou fontanários. Quanto ao número variava entre os que achavam que um com agua abundante era suficiente, os que achavam três um numero razoável, os que achavam que deviam ser sete e os que advogavam números tão elevados que o Sr Tenente perguntava se não queriam um por cada casa, coisa tida como manifestamente impossível. Porém, saberem que haveria uma fonte inesgotável de água a correr em abundância era tão gratificante que secundarizava a distância. O senhor Tenente calculando a força da gravidade achou, com fundamento científico e matemático, que a água haveria de ir diretamente para um depósito no Cimo da Vila a partir do qual se faria a distribuição.  Calculando as diversas partes do povo na sua população e distâncias propôs três postos de distribuição: um que ninguém contestava pela sua centralidade seria na Praça e, ainda não se sabia que forma arquitetónica teria mas a todos parecia que haveria de sobressair de todos os outros. Haveria de haver um no Cimo da Vila que servisse as gentes do Castelo ao Muro, da Talaínha às Lages e que ficaria no Largo da Igreja Matriz. Finalmente o terceiro haveria de se situar no Terreiro da Misericórdia onde acorreriam os do Canto, os da rua de Cima e da Rua de Baixo e os da Ponte que eram os mais distantes. A todos, a uns mais outros menos, pareceu bem esta tríade. Claro que aos da ponte se afigurava, porque a água vinda das Moitas ali passava, que ali deveria ficar um posto ao que o Sr Tenente respondeu que toda a água seria distribuída a partir do depósito do Cimo da Vila com argumentos de ciência hidráulica  rematando com a ciência do povo:

- isto é claro como a água

O ti Ze Ferreiro, o Lavajo e o Zé Nifo aceitaram sem entender. Viraram costas conformados, que remédio. Se houvesse aqui gente importante eles punham cá um, disse o moleiro que de ciência sua sabia muito bem como se levava a água ao seu moinho. Mas isso são contas de outro rosário e o calado é o melhor que ele mais sabia das manhas dos homens que das ciências académicas. 

publicado por julmar às 12:09
link | comentar | favorito

.Memórias de Vilar Maior, minha terra minha gente

.pesquisar

 

.Abril 2025

Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab

1
2
3
4
5

6
7
8
9
10
11
12

13
15
16
17
18
19

20
21
22
23
24
25
26

27
28
29
30


.posts recentes

. Tratado da cegueira

. Requiescat in pace, Beatr...

. 2000 Postagens de Histór...

. Às Mulheres da minha alde...

. Requiescat in pace, Lurde...

. HOJE NÃO HÁ MÉDICO.

. Viagens para a Vila

. Porque é que as burras nã...

. Gente da minha terra

. Quando eu nasci

.arquivos

. Abril 2025

. Março 2025

. Fevereiro 2025

. Janeiro 2025

. Dezembro 2024

. Novembro 2024

. Outubro 2024

. Setembro 2024

. Agosto 2024

. Julho 2024

. Junho 2024

. Abril 2024

. Março 2024

. Fevereiro 2024

. Janeiro 2024

. Dezembro 2023

. Novembro 2023

. Outubro 2023

. Setembro 2023

. Junho 2023

. Maio 2023

. Abril 2023

. Março 2023

. Fevereiro 2023

. Janeiro 2023

. Dezembro 2022

. Novembro 2022

. Outubro 2022

. Setembro 2022

. Agosto 2022

. Julho 2022

. Junho 2022

. Maio 2022

. Abril 2022

. Março 2022

. Fevereiro 2022

. Janeiro 2022

. Dezembro 2021

. Novembro 2021

. Outubro 2021

. Setembro 2021

. Agosto 2021

. Julho 2021

. Junho 2021

. Abril 2021

. Março 2021

. Fevereiro 2021

. Janeiro 2021

. Dezembro 2020

. Novembro 2020

. Outubro 2020

. Setembro 2020

. Agosto 2020

. Julho 2020

. Junho 2020

. Maio 2020

. Abril 2020

. Março 2020

. Fevereiro 2020

. Janeiro 2020

. Dezembro 2019

. Novembro 2019

. Outubro 2019

. Setembro 2019

. Agosto 2019

. Julho 2019

. Junho 2019

. Maio 2019

. Abril 2019

. Fevereiro 2019

. Janeiro 2019

. Dezembro 2018

. Novembro 2018

. Outubro 2018

. Setembro 2018

. Agosto 2018

. Junho 2018

. Maio 2018

. Março 2018

. Fevereiro 2018

. Janeiro 2018

. Dezembro 2017

. Novembro 2017

. Setembro 2017

. Agosto 2017

. Julho 2017

. Junho 2017

. Maio 2017

. Abril 2017

. Março 2017

. Fevereiro 2017

. Janeiro 2017

. Dezembro 2016

. Novembro 2016

. Outubro 2016

. Setembro 2016

. Agosto 2016

. Julho 2016

. Junho 2016

. Maio 2016

. Abril 2016

. Março 2016

. Fevereiro 2016

. Janeiro 2016

. Dezembro 2015

. Novembro 2015

. Outubro 2015

. Setembro 2015

. Agosto 2015

. Julho 2015

. Junho 2015

. Maio 2015

. Abril 2015

. Março 2015

. Fevereiro 2015

. Janeiro 2015

. Dezembro 2014

. Novembro 2014

. Outubro 2014

. Setembro 2014

. Agosto 2014

. Julho 2014

. Junho 2014

. Maio 2014

. Abril 2014

. Março 2014

. Fevereiro 2014

. Janeiro 2014

. Dezembro 2013

. Novembro 2013

. Outubro 2013

. Setembro 2013

. Agosto 2013

. Julho 2013

. Junho 2013

. Maio 2013

. Abril 2013

. Março 2013

. Fevereiro 2013

. Janeiro 2013

. Dezembro 2012

. Novembro 2012

. Outubro 2012

. Setembro 2012

. Agosto 2012

. Julho 2012

. Junho 2012

. Maio 2012

. Abril 2012

. Março 2012

. Fevereiro 2012

. Janeiro 2012

. Dezembro 2011

. Novembro 2011

. Outubro 2011

. Setembro 2011

. Agosto 2011

. Julho 2011

. Junho 2011

. Maio 2011

. Abril 2011

. Março 2011

. Fevereiro 2011

. Janeiro 2011

. Dezembro 2010

. Novembro 2010

. Outubro 2010

. Setembro 2010

. Agosto 2010

. Julho 2010

. Junho 2010

. Maio 2010

. Abril 2010

. Março 2010

. Fevereiro 2010

. Janeiro 2010

. Dezembro 2009

. Novembro 2009

. Outubro 2009

. Setembro 2009

. Agosto 2009

. Julho 2009

. Junho 2009

. Maio 2009

. Abril 2009

. Março 2009

. Fevereiro 2009

. Janeiro 2009

. Dezembro 2008

. Novembro 2008

. Outubro 2008

. Setembro 2008

. Agosto 2008

. Julho 2008

. Junho 2008

. Maio 2008

. Abril 2008

. Março 2008

. Fevereiro 2008

. Janeiro 2008

. Dezembro 2007

. Novembro 2007

. Outubro 2007

. Setembro 2007

. Agosto 2007

. Julho 2007

. Junho 2007

. Maio 2007

. Abril 2007

. Março 2007

. Fevereiro 2007

. Janeiro 2007

. Dezembro 2006

. Novembro 2006

. Outubro 2006

. Setembro 2006

. Agosto 2006

.O encanto da filosofia, o badameco

. 2000 Postagens de Histór...

. Que falta faz a filosofi...

. Liber mortuorum

.links

.participar

. participe, leia, divulgue, opine

blogs SAPO

.subscrever feeds