Como em outras regiões do país, na Vila, a batata tornou-se o alimento de todos os dias, sendo impensável que se pudesse viver sem ela.

- Batata, o nome botânico da batata, por ventura o tubérculo mais popular do mundo, é solanum tuberosum, não sabemos como, nem de onde proveio, admite-se que tenham sido os espanhóis a divulgar o seu cultivo e que tenha chegado à Europa em 1534.
- Em 1557 entra no léxico português no tratado dos descobrimentos por Augusto Gaivão. Sabe-se apenas que todas as variedades de batata descendem de uma única, originária do Perú.
- O seu nome, batata, segundo o dicionarista Honaiss deriva do falar dos nativos do Haiti, o Taino e advém do castelhano,«patata».
- A batata entrou na Europa em 1534 como planta ornamental e só a partir de 1570 se começou a vulgarizar como planta alimentar.
- Porque era cultivada em hortas e pousios estava por isso isenta do imposto de dízimo e de outros direitos feudais, o que fez com que os camponeses a adoptassem rapidamente, tendo o seu cultivo em Portugal início em meados do século XVI.
- Uma das primeiras referências à batata , se não a primeira, foi feita em 1545 pelo cronista espanhol Agustín Zarate Cosat, na sua História del descubrimiento y conquista de la provincia de Perú. Las viandas que em aquelas terras comem los índios som maíz cocido y tostado em lugar de pan, e la carne de venado es cocinada a la manera de mojama, existe pescado seco y unas raices de diversos géneros que Elles llaman yucas, camotes y papas.
- Sabemos portanto (op. cit) que o conhecimento do tubérculo que viria a revolucionar a história da alimentação do povo europeu, data pelo menos da segunda metade do século XVI e que os navegadores espanhóis e portugueses o terão provado no local de origem, mas com isto não se quer dizer que a população europeia, particularmente a portuguesa e espanhola a tenha cultivado de imediato para seu uso, tanto mais que os médicos da época tinham dela uma péssima opinião e consideravam-na, entre outras desvirtuosidades; desenxabida, flatulenta, indigesta, debilitante e malsã, adequada apenas ao sustento de animais (sic).

- Durante o final do século XVI e no século XVII a batata não se encontra citada nos livros de receitas da época, embora alguns escritores espanhóis dessa mesma época a tenham em textos.
- Foi já no século XVIII que o francês Antoine Augustin Parmentier teria convencido Luís XVI de que essa batata poderia solucionar os problemas alimentares do povo francês.
- Foi então que para divulgação e promoção da batata, esta fez parte de uma refeição servida em Versailles, a 24 de Agosto de 1785, com toda a corte reunida, para apreciação da mesma como alimento humano.
- A partir daí a batata passou a vulgarizar-se como alimento humano em França e a aumentar-se o seu consumo, passando de alimento malquisto e vilipendiado, a ter lugar na mesa dos nobres e burgueses europeus.
- Segundo José Hermano Saraiva, Diogo de Sousa, que terá escrito «As cortes de Parnaso», entre 1620 e 1630, seria conhecedor da batata porque a sita na sua poesia. Também Bento Pereira, no seu Thesouro da Língua Portuguesa, 1647, refere a batata. Porém, até aos finais do século XVII e grande parte do seguinte a batata continuou a ter uma baixa reputação na Europa, não passando de um alimento pouco conceituado pelas classes altas, utilizada apenas para alimento de animais, de escravos e de pobres , conceito a que Portugal não fugia.
- Para confirmação o que acaba de ser dito, atendemos ao primeiro livro de cozinha publicado em 1680, Arte de Cozinhar de Domingos Rodrigues, no qual a batata não aparece mencionada, tal como acontece com outras obras dos seus colegas espanhóis.
- A batata só aparece como receita de culinária, para gente bem instalada na vida em 1715 e 1729 registada por Francisco Borges Henriques, mesmo assim dizendo que : « o que dá pelo nome de batatada não passa de um puré grosseiro adicionado com o dobro do peso de açúcar em ponto e amêndoa pisada e, se for de nabos, passa a chamar-se nabada», contudo fica-nos a dúvida se a batata referida seria a Solanum tuberosum (nome botânico da batata comum, de que temos vindo a falar) ou a Ipomoea batatas ( que é a batata doce), conforme aparece muitas vezes confundida uma com a outra.
- A batata comum (Solanum tuberosum) no início do conhecimento da sua existência não foi apreciada como alimento humano pelas classes altas, que apenas a usavam como curiosidade gastronómica, o que se prolongou durante o século XVIII.
- Lucas Rigaud, um dos cozinheiros de quem presentemente se fala muito, por ter sido cozinheiro da corte portuguesa nessa época, na sua obra Cozinheiro Moderno ou Nova Arte de Cozinhar de 1780, dedica apenas duas linhas à batata em que diz: « As batatas depois de cozidas em agoa, e pelladas, comem-se com molho de manteiga, e mostarda».
- Só a partir do livro de Paulo Plantier - O Cozinheiro dos Cozinheiros, editado pela primeira vez em 1870, a batata entra nos tratados de culinária, sendo nesta obra apresentadas 18 maneiras de a cozinhar.
- À segunda edição desta obra, veio Ramalho Hortigão (1836-1915), com o prestígio da sua escrita, dar um grande impulso à credibilidade da batata ao adicionar à referida obra uma receita da sua autoria, onde ensina frigir as batatas em manteiga fresca vinda de Sintra, a constipa-las no parapeito de uma janela e a voltar a submete-las ao inferno da gordura fervente para que empolem e se transformem no pitéu do qual exalta a qualidade e o sabor.
- Seis anos mais tarde, João da Mata na sua obra «Arte de Cozinha», lançada em Lisboa em 1876, inclui as batatas nas mais variadas receitas, vindo a torna-las indispensáveis nas variedades de cozinhados em que actualmente se representam.

- Assim entrou a batata no século XX como elemento respeitado, não parando a sua escalada nos mais diversos processos que hoje conhecemos: cozida, guisada, estufada , assada, recheada em puré e de toda a maneira imaginável.
- A batata demorou a impor-se, mas vencida a desdita do seu desconhecimento, já não é dispensável seja nos processos mais simples, como nos mais sofisticados.
Extracto do Texto Original – A HERANÇA INCA- de JPL Reis, in Alimentação Humana, S.P.C.N.A.
( Sociedade Portuguesa de Ciências da Nutrição e Alimentação), vol. 14, nº3, 20, coligido por
Palmira Cipriano Lopes