Quarta-feira, 5 de Junho de 2024

Paisagem humana - A Vila na Primavera de 2024

GR 1864-2011.jpg

 

A questão demográfica é a questão fundamental. Quando nasci (1951) havia 767 habitantes  e a pirâmide demográfica apresentava-se como é normal apresentarem-se estas figuras, com uma base larga e sólida. Hoje mais do que invertida, mais do que ridícula é um prenúncio de morte. E, como dizia, Edgar Morin «para o sol e para a morte ninguém olha de frente». Inquieta-me a proximidade da morte desta comunidade de que faço parte.

 Hoje tem de moradores permanentes cerca de 60 habitantes. Conheço-os a todos e aos seus familiares, a maior parte deles já falecidos. No meu blog – Vilar Maior, minha terra minha gente - lembro cada um que morre e, involuntariamente, quase se torna uma espécie de Liber Mortuorum.  Há cerca de dez anos que não há nascimentos. Alguns dos habitantes nunca saíram de cá, alguns nunca foram mais longe que à sede de concelho; parte deles foram a França e regressaram; uma boa parte deles vive só. Reúnem-se na igreja aos domingos à missa, quando a há; e no café o outro centro de sociabilidade, onde são mais os de fora do que os de cá.

A década de cinquenta é um espaço de tempo muito crítico: acabara a exploração do minério – volfrâmio – e com ele o desafogo de vidas apertadas, mas foi sol de pouca dura. As terras ficavam exaustas com produções insuficientes, a propriedade da terra mal distribuída obrigando os pobres ao pagamento de rendas em dinheiro ou em géneros (as meias ou as terças); os homens ganhavam um jornal (dia de trabalho de sol a sol) de vinte escudos e as mulheres dez escudos.  Os lavradores mal remediados iam ganhando uma ou outra jeira no valor de 70 escudos. Para saber do custo de vida bastará dizer que um pão de centeio importava em oito escudos comprado na ti Zabel do Alípio, a padeira.

Em 1960 já eu conhecia toda a gente que ali vivia. A situação era tão insuportável que, aberta a brecha para França poucos haviam de ficar. Foi o êxodo.

Primeiro os homens, a seguir as mulheres e os filhos. Homens de cinquenta e sessenta anos, rapazes que assim se livravam da tropa e da ida para a guerra do ultramar, miúdos de catorze ou quinze anos, pedreiros, carpinteiros e de outros ofícios, pastores, cavadores, lavradores e, até polícias e guardas fiscais e republicanos aprenderam a trabalhar ‘com pá e pioche’, a abrir os caboucos de uma Europa saída da guerra. Cada um com uma história mais ou menos trágica da passagem ‘a salto’ para a terra prometida.

Retrato da situação demográfica na primavera de 2024

População residente

59

Sexo Masculino

35

Sexo Feminino                       

24

Casais

14

Viúvas 

7

Viúvos

0

Solteiras 

9

Solteiros 

8

Casais abaixo dos 60 anos       

2

Estudantes (3 no ensino básico e 1 no ensino superior)           

4

A viver sós                                   

12

Foram emigrantes                       

20

Nunca saíram de VM                   

5

Fogos habitados

32

 

Perante esta paisagem humana, poderemos falar de neo-rurais?

A mudança populacional está ligada à mudança da paisagem natural. Deixou de haver agricultores e pastores, deixou de haver agricultura (centeio, batata, vinho e linho para referir as principais) e pastorícia (gado ovino e caprino). Hoje, à semelhança do resto do concelho a economia baseia- se em duas atividades: a criação de vacas para produção de carne e a assistência à terceira idade com Lares e, no caso de Vilar Maior o Centro de Dia que confeciona refeições e presta alguns cuidados de higiene.

Não há, propriamente, agricultura. Os poucos que fazem horticultura não são propriamente neo-rurais, pois, fazem o que fizeram antes de partir, agora, não por necessidade, mas por prazer. Não é para eles um projeto nem constitui uma nova forma de relacionamento com a natureza.Os habitantes distribuem-se desigualmente pelo aglomerado. O Cimo da Vila (a antiga cidadela amuralhada) que começa no Arco com origem no cume da colina onde se ergueram as muralhas a que se adoçou uma torre – o castelo - foi a parte mais povoada tem hoje a maior parte do casario em ruínas e está praticamente despovoado.

A parte de baixo tem a maioria das casas desabitadas, mas têm sido restauradas e conservadas e muitas delas são utilizadas partes do ano, sobretudo no verão pelos seus proprietários.

E que Deus me perdoe a distração, pois, durante a missa fui tirando o retrato à população, num domingo de fevereiro de 2016.

https://vilarmaior1.blogs.sapo.pt/missa-na-vila-435279

publicado por julmar às 15:50
link | comentar | favorito
1 comentário:
De Helena a 5 de Junho de 2024 às 23:07
Na missa? Mas diga- se de passagem, que o seu texto está muito bem explicado o resultado do êxodo e de todas as condições sociais e económicas que se vivia naquela época, que conduziu inevitavelmente ao decréscimo da população desde a década de 50 até 2024, fora a baixa de natalidade. Deverá parecer- se como um deserto...


Comentar post

.Memórias de Vilar Maior, minha terra minha gente

.pesquisar

 

.Fevereiro 2025

Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab

1

2
3
4
5
6
7
8

9
10
11
14
15

16
17
18
19
20
21
22

23
24
25
26
27
28


.posts recentes

. Viagens para a Vila

. Porque é que as burras nã...

. Gente da minha terra

. Quando eu nasci

. A Vila é um Presépio o te...

. Requiescat in pace, Júlio...

. Requiescat in pace, Quinh...

. Famílias da Vila - Osório...

. Rua Direita, quem te troc...

. Requiescat in Pace, José ...

.arquivos

. Fevereiro 2025

. Janeiro 2025

. Dezembro 2024

. Novembro 2024

. Outubro 2024

. Setembro 2024

. Agosto 2024

. Julho 2024

. Junho 2024

. Abril 2024

. Março 2024

. Fevereiro 2024

. Janeiro 2024

. Dezembro 2023

. Novembro 2023

. Outubro 2023

. Setembro 2023

. Junho 2023

. Maio 2023

. Abril 2023

. Março 2023

. Fevereiro 2023

. Janeiro 2023

. Dezembro 2022

. Novembro 2022

. Outubro 2022

. Setembro 2022

. Agosto 2022

. Julho 2022

. Junho 2022

. Maio 2022

. Abril 2022

. Março 2022

. Fevereiro 2022

. Janeiro 2022

. Dezembro 2021

. Novembro 2021

. Outubro 2021

. Setembro 2021

. Agosto 2021

. Julho 2021

. Junho 2021

. Abril 2021

. Março 2021

. Fevereiro 2021

. Janeiro 2021

. Dezembro 2020

. Novembro 2020

. Outubro 2020

. Setembro 2020

. Agosto 2020

. Julho 2020

. Junho 2020

. Maio 2020

. Abril 2020

. Março 2020

. Fevereiro 2020

. Janeiro 2020

. Dezembro 2019

. Novembro 2019

. Outubro 2019

. Setembro 2019

. Agosto 2019

. Julho 2019

. Junho 2019

. Maio 2019

. Abril 2019

. Fevereiro 2019

. Janeiro 2019

. Dezembro 2018

. Novembro 2018

. Outubro 2018

. Setembro 2018

. Agosto 2018

. Junho 2018

. Maio 2018

. Março 2018

. Fevereiro 2018

. Janeiro 2018

. Dezembro 2017

. Novembro 2017

. Setembro 2017

. Agosto 2017

. Julho 2017

. Junho 2017

. Maio 2017

. Abril 2017

. Março 2017

. Fevereiro 2017

. Janeiro 2017

. Dezembro 2016

. Novembro 2016

. Outubro 2016

. Setembro 2016

. Agosto 2016

. Julho 2016

. Junho 2016

. Maio 2016

. Abril 2016

. Março 2016

. Fevereiro 2016

. Janeiro 2016

. Dezembro 2015

. Novembro 2015

. Outubro 2015

. Setembro 2015

. Agosto 2015

. Julho 2015

. Junho 2015

. Maio 2015

. Abril 2015

. Março 2015

. Fevereiro 2015

. Janeiro 2015

. Dezembro 2014

. Novembro 2014

. Outubro 2014

. Setembro 2014

. Agosto 2014

. Julho 2014

. Junho 2014

. Maio 2014

. Abril 2014

. Março 2014

. Fevereiro 2014

. Janeiro 2014

. Dezembro 2013

. Novembro 2013

. Outubro 2013

. Setembro 2013

. Agosto 2013

. Julho 2013

. Junho 2013

. Maio 2013

. Abril 2013

. Março 2013

. Fevereiro 2013

. Janeiro 2013

. Dezembro 2012

. Novembro 2012

. Outubro 2012

. Setembro 2012

. Agosto 2012

. Julho 2012

. Junho 2012

. Maio 2012

. Abril 2012

. Março 2012

. Fevereiro 2012

. Janeiro 2012

. Dezembro 2011

. Novembro 2011

. Outubro 2011

. Setembro 2011

. Agosto 2011

. Julho 2011

. Junho 2011

. Maio 2011

. Abril 2011

. Março 2011

. Fevereiro 2011

. Janeiro 2011

. Dezembro 2010

. Novembro 2010

. Outubro 2010

. Setembro 2010

. Agosto 2010

. Julho 2010

. Junho 2010

. Maio 2010

. Abril 2010

. Março 2010

. Fevereiro 2010

. Janeiro 2010

. Dezembro 2009

. Novembro 2009

. Outubro 2009

. Setembro 2009

. Agosto 2009

. Julho 2009

. Junho 2009

. Maio 2009

. Abril 2009

. Março 2009

. Fevereiro 2009

. Janeiro 2009

. Dezembro 2008

. Novembro 2008

. Outubro 2008

. Setembro 2008

. Agosto 2008

. Julho 2008

. Junho 2008

. Maio 2008

. Abril 2008

. Março 2008

. Fevereiro 2008

. Janeiro 2008

. Dezembro 2007

. Novembro 2007

. Outubro 2007

. Setembro 2007

. Agosto 2007

. Julho 2007

. Junho 2007

. Maio 2007

. Abril 2007

. Março 2007

. Fevereiro 2007

. Janeiro 2007

. Dezembro 2006

. Novembro 2006

. Outubro 2006

. Setembro 2006

. Agosto 2006

.O encanto da filosofia, o badameco

. Que falta faz a filosofi...

. Liber mortuorum

.links

.participar

. participe, leia, divulgue, opine

blogs SAPO

.subscrever feeds