Quinta-feira, 22 de Maio de 2025

Vilar Maior em meados do séc. XIX - Registo de Batismo

Registo de Batismos de 1845 a 1860

No livro de registo dos batizados (Torre do Tombo) de 1845 a 1860 constam 377 assentos. Que informações podemos colher de um documento destes? Para isso convém saber qual a estrutura deste tipo de documento. Em primeiro lugar, o seu autor é sempre o pároco da freguesia que, neste caso é o padre Joze Ignacio de Faria, ilustre personagem da Vila e de quem noutro sítio falaremos. Em regra, é o próprio pároco que realiza o batismo mas pode ser realizado, sob sua licença, por outro clérigo. E temos sorte que o padre Joze Ignacio de Faria é uma pessoa diligente e cuidadosa com uma caligrafia facilmente legível, com as circunstâncias de, por vezes, se esquecer de molhar a pena no tinteiro e de nos vermos às aranhas para a decifração de uma ou outra palavra. São vários os párocos a quem ele autoriza fazer batizados – ao capelão da Misericórdia Vila de nome Florêncio José da Silva, a padres de familiares dos batizandos, aos párocos vizinhos (Aldeia da Ribeira, Badamalos, Malhada Sorda, Reboloza). Diz o documento o primeiro nome (e apenas o primeiro) do batizando que, quase sempre, vai ao nome dos pais, dos avós ou dos padrinhos. A maior parte são nomes comuns, no caso dos homens, por ordem decrescente: Joze (46); António (39); Manoel (20); Joaquim (19); Bernardo (16); João (14); Francisco (13); Júlio (6) e, menos comum, um tal Hipólito.

No caso das mulheres, surge, destacadamente, simplesmente, Maria (73); depois:

Izabel (17); Anna (11); Luiza (8); Joaquina (6); Justina (6). Alguns nomes menos comuns como Felicidade, Felizarda, Izadora (que, já no séc. XX, o povo abreviou para Gidória, a uma descendente chamada Maria Dias), Josefa, Jozefina, Brígida, Ignácia ou Henriqueta.

São mencionadas circunstâncias excecionais como as de que foi batizado sob condição de necessidade, de perigo de vida, solenemente ou particularmente, ou de haver dúvida sob ter ou não ter sido batizado.

Segue-se depois a filiação referindo o nome do pai e da mãe e a naturalidade dos mesmos, se se trata do primeiro ou segundo/terceiro matrimónio de algum dos cônjuges, se é filho legítimo ou de pai incógnito, se é mãe solteira (3), ou se os pais são solteiros (1).

No caso dos Expostos (23), não há, obviamente filiação, mas aporta-nos outro tipo de informações, como se descreve noutro local.

A naturalidade dos ascendentes aporta-nos um interessante conjunto de informações sobre a circulação de mulheres e homens e atrás deles todo o tipo de comércio. A Malhada Sorda aparece como a terra que mais trocas faz com a vila. Interessante também a quantidade de trocas entre a Quinta da Arrifana, como é designada à época, e Badamalos. As trocas fazem-se, desigualmente, com as terras vizinhas: Nave de Haver, Bismula, Batocas, Poço Velho, Carvalhal, Aldeia da Dona, Aldeia da Ponte, Alfaiate, Miuzela, Monteperobolso, Freineda, Jarmelo, Safurdão, Marmeleiro, Sabugal, Penamacor, Fundão. E, também, Allamedilla, em Espanha, Guarda, Porto. Certamente, por razões de honra, alguns viriam batizar os filhos a uma terra estranha e o padre Joze Ignácio não seria pessoa, conhecedor, por experiência própria, das fraquezas da carne, de recusar o sacramento, porta de acesso à salvação. Um dos assentos descreve pormenorizadamente a cerimónia do batismo de um adulto, que ele calcula ter vinte anos(de que noutro lugar daremos conhecimento).

Os nomes dos padrinhos é um outro dado importante. Para além dos laços de consanguinidade, a comunidade vivia dos laços de vizinhança e de patrocinato na construção de formas de cooperação na troca de trabalho e de produtos e no estabelecimento de formas mutuamente aceites de domínio/subordinação. Por vezes, ter um bom padrinho significava poder ganhar com regularidade o jornal, obter um favor, enfim, sentir alguma proteção. Por aqui, se repetia amiúde, “Quem tem bons padrinhos, não morre na prisão”. Em torno do patrocinato quantas histórias ouvimos contar, quantas outras, muito mais, nunca foram contadas!

O registo de batismo é o início da história de cada indivíduo que vem ao mundo. Para muitos foi a única história que sobre eles se escreveu que, para alguns deles, começou por ser uma história de abandono, como a de Maria Natividade:

Assento de Batizado de uma Exposta

«Aos vinte dias do mês de Dezembro de mil oitocentos e cinquenta e nove, o Revº Joaquim Sacadura, capelão desta freguesia baptizou particularmente a uma Exposta a que pus o nome de Maria da Natividade aparecida à porta de Domingos Fernandes desta freguesia que mora de traz da Misericórdia sendo exposta na noite de dezanove para o dia vinte, não trazia papel algum por onde constasse ter sido baptizada, no dia vinte e um do dito mez lhe pus os Santos óleos, trazendo de enxoval duas envoltas, uma touca, …, cinco cueiros, quatro camisas, duas toucas, …, uma liga e para constar por este assento era ut supra»

Reverendo Joze Ignacio de Faria»

publicado por julmar às 11:48
link | comentar | favorito

.Memórias de Vilar Maior, minha terra minha gente

.pesquisar

 

.Julho 2025

Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab

1
2
3
4
5

6
7
8
9
10
11
12

14
16
17
18
19

20
21
22
23
24
25
26

27
28
29
30
31


.posts recentes

. Enfeitar o chafariz

. Muralhas Lavradas

. Família Dias Duarte

. Gente da minha terra - An...

. Requiescat in pace, Beatr...

. Requiescat in pace, Lurde...

. Vilar Maior em meados do ...

. Passeio pela pena do poet...

. Tratado da cegueira

. Requiescat in pace, Beatr...

.arquivos

. Julho 2025

. Junho 2025

. Maio 2025

. Abril 2025

. Março 2025

. Fevereiro 2025

. Janeiro 2025

. Dezembro 2024

. Novembro 2024

. Outubro 2024

. Setembro 2024

. Agosto 2024

. Julho 2024

. Junho 2024

. Abril 2024

. Março 2024

. Fevereiro 2024

. Janeiro 2024

. Dezembro 2023

. Novembro 2023

. Outubro 2023

. Setembro 2023

. Junho 2023

. Maio 2023

. Abril 2023

. Março 2023

. Fevereiro 2023

. Janeiro 2023

. Dezembro 2022

. Novembro 2022

. Outubro 2022

. Setembro 2022

. Agosto 2022

. Julho 2022

. Junho 2022

. Maio 2022

. Abril 2022

. Março 2022

. Fevereiro 2022

. Janeiro 2022

. Dezembro 2021

. Novembro 2021

. Outubro 2021

. Setembro 2021

. Agosto 2021

. Julho 2021

. Junho 2021

. Abril 2021

. Março 2021

. Fevereiro 2021

. Janeiro 2021

. Dezembro 2020

. Novembro 2020

. Outubro 2020

. Setembro 2020

. Agosto 2020

. Julho 2020

. Junho 2020

. Maio 2020

. Abril 2020

. Março 2020

. Fevereiro 2020

. Janeiro 2020

. Dezembro 2019

. Novembro 2019

. Outubro 2019

. Setembro 2019

. Agosto 2019

. Julho 2019

. Junho 2019

. Maio 2019

. Abril 2019

. Fevereiro 2019

. Janeiro 2019

. Dezembro 2018

. Novembro 2018

. Outubro 2018

. Setembro 2018

. Agosto 2018

. Junho 2018

. Maio 2018

. Março 2018

. Fevereiro 2018

. Janeiro 2018

. Dezembro 2017

. Novembro 2017

. Setembro 2017

. Agosto 2017

. Julho 2017

. Junho 2017

. Maio 2017

. Abril 2017

. Março 2017

. Fevereiro 2017

. Janeiro 2017

. Dezembro 2016

. Novembro 2016

. Outubro 2016

. Setembro 2016

. Agosto 2016

. Julho 2016

. Junho 2016

. Maio 2016

. Abril 2016

. Março 2016

. Fevereiro 2016

. Janeiro 2016

. Dezembro 2015

. Novembro 2015

. Outubro 2015

. Setembro 2015

. Agosto 2015

. Julho 2015

. Junho 2015

. Maio 2015

. Abril 2015

. Março 2015

. Fevereiro 2015

. Janeiro 2015

. Dezembro 2014

. Novembro 2014

. Outubro 2014

. Setembro 2014

. Agosto 2014

. Julho 2014

. Junho 2014

. Maio 2014

. Abril 2014

. Março 2014

. Fevereiro 2014

. Janeiro 2014

. Dezembro 2013

. Novembro 2013

. Outubro 2013

. Setembro 2013

. Agosto 2013

. Julho 2013

. Junho 2013

. Maio 2013

. Abril 2013

. Março 2013

. Fevereiro 2013

. Janeiro 2013

. Dezembro 2012

. Novembro 2012

. Outubro 2012

. Setembro 2012

. Agosto 2012

. Julho 2012

. Junho 2012

. Maio 2012

. Abril 2012

. Março 2012

. Fevereiro 2012

. Janeiro 2012

. Dezembro 2011

. Novembro 2011

. Outubro 2011

. Setembro 2011

. Agosto 2011

. Julho 2011

. Junho 2011

. Maio 2011

. Abril 2011

. Março 2011

. Fevereiro 2011

. Janeiro 2011

. Dezembro 2010

. Novembro 2010

. Outubro 2010

. Setembro 2010

. Agosto 2010

. Julho 2010

. Junho 2010

. Maio 2010

. Abril 2010

. Março 2010

. Fevereiro 2010

. Janeiro 2010

. Dezembro 2009

. Novembro 2009

. Outubro 2009

. Setembro 2009

. Agosto 2009

. Julho 2009

. Junho 2009

. Maio 2009

. Abril 2009

. Março 2009

. Fevereiro 2009

. Janeiro 2009

. Dezembro 2008

. Novembro 2008

. Outubro 2008

. Setembro 2008

. Agosto 2008

. Julho 2008

. Junho 2008

. Maio 2008

. Abril 2008

. Março 2008

. Fevereiro 2008

. Janeiro 2008

. Dezembro 2007

. Novembro 2007

. Outubro 2007

. Setembro 2007

. Agosto 2007

. Julho 2007

. Junho 2007

. Maio 2007

. Abril 2007

. Março 2007

. Fevereiro 2007

. Janeiro 2007

. Dezembro 2006

. Novembro 2006

. Outubro 2006

. Setembro 2006

. Agosto 2006

.O encanto da filosofia, o badameco

. 2000 Postagens de Histór...

. Que falta faz a filosofi...

. Liber mortuorum

.links

.participar

. participe, leia, divulgue, opine

blogs SAPO

.subscrever feeds